segunda-feira, 18 de julho de 2011

Saudade do que ainda não vi


Certa vez me contaram que muitos negros que eram escravizados morriam de banzo, que é um tipo de saudade tão apertada que a pessoa entra em inanição e falece. Meu irmão disse que meu pai quase morreu de banzo quando se separou da família e foi morar sozinho numa cidade muito distante, longe de todos os amigos e parentes.

Saudade é um sentimento muito dolorido, que todos já sentiram em algum momento em suas vidas. Sentimento que, se por um lado nos machuca, por outro distingue em nós as coisas e pessoas que gostamos muito e as que nem tanto. A saudade do que passou nos ensina a aproveitar o hoje, posto que o presente virará pretérito no futuro, portanto, carpe diem, para sofrer menos amanhã.

Rubem Alves, um nostálgico inveterado, foi brilhante ao afirmar que “a saudade é a nossa alma dizendo para onde ela quer voltar”. Apesar de doer, a saudade mostra que a vida sempre tem capítulos felizes. Se o capítulo chamado hoje não está legal, liga não, isso passa. Talvez amanhã será um capítulo que fará com que seu depois-de-amanhã sinta dele saudade…Mas quando a saudade aperta, ela não cabe dentro do coração e então, escorre pelos olhos…

A saudade torna-se especialmente insuportável quando o presente é angustiante. Quando o tempo vivido foi bom e a realidade tem estado muito dura, muitos tendem a recusar o hoje, fantasiando o ontem. Conta a estória que Jó perdeu tudo e, de milionário, converteu-se num indigente enfermo. Em sua nova vida, Jó se lembrava do passado e dizia: “Como tenho saudade dos meses que se passaram, dos dias em que Deus cuidava de mim” (Jó 29:2). Esta é a sensação que muitos temos quando nosso presente não está embrulhado em papel brilhante e amarrado com fita. Tendemos a crer que Deus se esqueceu de nós… OU até que jamais de nós lembrou… Será que Ele está mesmo morto?

Eu tenho muitas saudades do meu passado. Tenho saudades de quando era criança em Goiânia. Dos meus amigos do “ginasial”. Da minha banda de rock. Do meu primeiro amor ao Senhor. De tomar banho de banheira com meus filhos quando eram crianças. De ficar até de madrugada com casais amigos, bebendo vinho e ouvindo música, ambos italianos. De não saber o quão mais complicada a vida é do que parecia ser.

Um segredo: sou meio melancólico! Mas fujo deste sentimento por saber que ele é nocivo e não produz frutos agradáveis. Às vezes, quando a melancolia me pega de jeito (Graças a Deus que são poucas estas vezes), ouço Belchior escondido, assim permito que minha alma “ame um passado que ainda não passou, recuse um presente que machuca, e não veja o futuro que me convida…” (Neruda), mas logo, desisto da melancolia para abraçar a vida do hoje, que por ser uma dádiva de Deus, chamamos de “presente”, e também sonhar cheio de esperanças com um amanhã melhor.

Todavia, de todas as saudades, a que mais me machuca é uma saudade que sinto de tudo que eu ainda não vi. Quando Renato Russo escreveu esta poesia, identifiquei-me. “Tem gente que tem saudade do que nunca existiu, e isto dói bastante”. Mas eu estou no trem daqueles que sentem falta majoritariamente do que ainda não conhecem:

“E é só você que tem
A cura pro meu vício
De insistir nessa saudade
Que eu sinto
De tudo que eu ainda não vi.”
                                 Renato Russo, em Índios.

Minha maior saudade é a saudade do Céu. Já quis até morrer para poder matar a saudade que tenho do Céu. Quero muito poder sentar no colo do meu Pai do Céu. Agarrar aquelas barbas com muita força. Beijar sua testa. Rir sem parar. Rir até chorar, mas… Sem choro, pois lá não terá lágrimas. Morro de saudades de caminhar de mãos dadas com meu Pai do Céu e bater longos papos sobre vida, sobre amor e sobre coisas que sequer sei que existem. Não quero largá-Lo. Morro de saudades… Saudade do que ainda não vi.

Esta é a saudade que mais aperta meu coração e mais me faz sofrer. Meu consolo? Ao contrário da das coisas que passaram, esta saudade viciosa será plenamente curada, posto navegar nas ondas do amanhã, que compulsoriamente virão, não nas de ontem, que não mais moinhos movem.

Luciano Maia - Café com Deus

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