Do que me serve um Deus despido, ensanguentado, rendido, vencido pela dor, escarnecido, ridicularizado, senão para expor meus preconceitos mais arraigados e a obscenidade instalada nos recônditos mais obscuros da minha alma?
De que me serve um Deus embriagado de amor? Prefiro um Deus sóbrio que jamais erre a pontaria quando tiver que alvejar e destruir meus desafetos.
Não quero um Deus que desmascare minhas certezas, que desfaça minhas ilusões. Quero um Deus que me garanta, que seja o fiador de meus desvarios.
Quero um Deus customizado, que jamais me desaponte. Que nem pense em me dizer um não. Um Deus que seja bom em fazer o mal. Um Deus ao meu inteiro dispor, que atenda aos meus caprichos e justifique minha ganância e ambição. Um Deus que não se atreva a vasculhar os porões da minha alma, nem altere a posição dos móveis nos cômodos do meu ser. Que deixe meu mundo particular intacto. Quando muito, que espane a poeira acumulada ao longo dos anos.
Um Deus austero com os que pensam diferentemente de mim, mas condescendente com minhas sandices. Que subscreva minha ideologia, ainda que resulte na miséria e na morte de outros.
Enfim, um Deus segundo as minhas suposições.
Em que esse Deus se parece com Jesus? Por isso o crucificamos. Ele não atendia aos requisitos. Ele era bom demais com quem não prestava e duro com quem se achava o suprassumo da moral e dos bons costumes, vulgo cidadão do bem.
O Deus segundo Jesus não cabe em meu andor político, nem pode ser dissecado pela minha teologia, tampouco bajulado em minha liturgia.
Prefiro um Deus que faz das igrejas seu sepulcro, e de seus ministros, mensageiros da morte, e de seus cultos, procissões em direção do abismo.
Um Deus segundo o meu coração e a minha perversidade.
* Sei do risco de não compreenderem minha ironia, mas tenho esperança de que este texto desperte a consciência de alguns.
Via blog de Hermes C. Fernandes - Ilustração de Patrice Murciano
muito boa
ResponderExcluir