quarta-feira, 12 de fevereiro de 2025

NACIONALISMO CRISTÃO

O nacionalismo é uma característica da história humana. Muito antes de emergir como a força marcante do mundo moderno, ele existia no coração de comunidades mesmo em tempos remotos. Quando os discípulos perguntaram a Jesus justamente antes da ascensão: "Será este o tempo em que restaures o reino a Israel?" (Atos 1:6), estavam refletindo a esperança nacionalista de sua época.

Notamos, mais uma vez, que até os cristãos tendem a cair na armadilha da sedução das ideologias, apesar do seu suposto compromisso exclusivo com os ditames do evangelho. Não surpreende, portanto, que muitos crentes te­nham deliberadamente adotado o nacionalismo. Além disso, alguns acaba­ram ligando sua fé ao nacionalismo a tal ponto que as duas coisas passaram a ser uma só na sua mente.

Portanto, nacionalismo cristão é uma tentativa de associar o cristianismo à identidade nacional. Ou seja, para ser realmente patriota, é preciso também ser cristão. O nacionalismo cristão ganha força a partir da crença de que forças hostis estão atacando uma nação até então cristã. Diante disso, supostamente os cristãos seriam chamados a reconquistar o território que sua religião perdeu. A questão se complica quando verificamos que na ideologia do nacionalismo cristão há espaço para discursos de ódio, como o racismo e a hostilidade contra minorias étnicas e religiosas.

Um exemplo disto, foi o fato ocorrido no Café da Manhã Nacional de Oração no Capitólio, realizado em Washington no último dia 06, onde o presidente Trump afagou o público do nacionalismo cristão ao anunciar que determinará a criação de um "escritório da fé" na Casa Branca e uma força-tarefa para erradicar o preconceito anticristão. Segundo ele, há atualmente nos Estados Unidos “violência e vandalismo anticristão” passível de criminalização. "É a política dos Estados Unidos, e o propósito desta ordem, proteger as liberdades religiosas dos americanos e acabar com o aparelhamento anticristão do governo", diz o texto do decreto.

"Em vez de proteger as crenças religiosas, esta força-tarefa usará indevidamente a liberdade religiosa para justificar intolerância, discriminação e a subversão de nossas leis de direitos civis", disse Rachel Laser, presidente da organização Americanos Unidos pela Separação entre Igreja e Estado, em uma declaração. "Se Trump realmente se importasse com a liberdade religiosa e o fim da perseguição religiosa, ele estaria abordando o antissemitismo em seu círculo interno, a intolerância antimuçulmana, os crimes de ódio contra pessoas de cor e outras minorias religiosas".

Bettina Krause, assessora de comunicação do Departamento de Relações Públicas e Liberdade Religiosa da sede mundial adventista, disse na Revista Adventista de março de 2021 que "a Igreja Adventista do Sétimo Dia é absolutamente contrária ao nacionalismo cristão, pois essa ideologia confronta nossa teologia, crenças e história. Às vezes, a igreja fala publicamente sobre suas ideias e toma uma posição a respeito de alguma política pública que se harmoniza com nossos princípios. A liberdade religiosa, por exemplo, é uma área em que a igreja constantemente toma posições públicas. Trabalhamos intensamente para defender o direito que cada pessoa tem de seguir o que diz sua consciência. No entanto, contribuir para o debate público sobre questões específicas é radicalmente diferente das ambições do nacionalismo cristão".

Sendo assim, não devemos tentar usar o poder político para criar uma esfera pública exclusivamente cristã. Por quê? Nossa compreensão bíblica e dos escritos de Ellen White nos leva a afirmar, inequivocamente, que os esforços para legislar em favor da própria fé estão em completa oposição à natureza da verdadeira religião e à vontade de Deus. Em qualquer de suas formas e variantes, o nacionalismo cristão sempre prejudicará o testemunho do evangelho.

Ellen G. White diz: "Deus não reconhece distinção alguma de nacionalidade, etnia ou classe social. É o Criador de todo homem. As paredes do sectarismo e do nacionalismo cairão quando o verdadeiro espírito missionário penetrar no coração dos homens" (Mensagens Escolhidas 2, p. 486).

O nacionalismo cristão é também sedutor para muitos pastores e líderes da igreja. Afinal, é uma forma de exercer poder. Mas, como todo tipo de poder, está envolto em vários perigos:

1) Falta de humildade: geralmente produz arrogância e superioridade religiosa, contrária aos ensinamentos bíblicos de humildade e amor ao próximo.

2) Desvio da missão: desvia a missão cristã e da mensagem do Evangelho a todas as pessoas e foca na defesa de interesses nacionais e eleitorais.

3) A polarização: leva a uma polarização religiosa e política na sociedade, prejudica a unidade e o diálogo entre diferentes grupos. Além disso, a polarização namora as obras da carne ao cultivar dissensão, ira e sectarismo.

4) Foco na política em vez da espiritualidade: o radicalismo leva os evangélicos a se concentrarem mais na política e no poder terreno do que na vida espiritual e no amor ao próximo. É excessivamente ativista e pouco piedoso; é engajado, mas nada generoso; é transtornador, mas nada transformador.

5) Perigo de misturar religião e política: leva a conflitos e violência, e que os evangélicos devem se concentrar em praticar sua fé de forma pacífica e respeitosa. Embora seja impossível cultivar uma religião neutra politicamente, é necessário separar Igreja e Estado, fé e política. Separar não é divorciar completamente, mas é saber discernir quando a aproximação é saudável ou não.

6) Dependência da cultura do medo e teorias conspiratórias: o nacionalismo cristão, como todo nacionalismo, precisa de inimigos, nem que sejam inimigos imaginários inventados em teorias conspiratórias. Em sua guerra cultural, os nacionalistas respiram ameaças e vivem em um mundo binário de constante estado de conflito.

Quando o evangelho cristão é nacionalizado e se torna um instrumento cultural para governar, perde seu poder para produzir liberdade e salvação. Esse nacionalismo cristão não tem nada a ver com o universo evangélico, não tem Bíblia, não importa o que os evangelhos possam dizer. É supremacia e força, a religião como política.

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