terça-feira, 7 de janeiro de 2025

EGOCENTRISMO NA IGREJA?

“Não negligencieis a prática do bem e a mútua cooperação [koinonia]” (Hebreus 13.16).

A heresia do egocentrismo
O egocentrismo não tem lugar na igreja. Nem devíamos dizer isso, mas, desde o alvorecer da era apostólica até hoje, o amor próprio em todas as suas formas tem prejudicado incessantemente a comunhão dos santos. Um exemplo clássico e antigo de egocentrismo fora de controle é visto no caso de Diótrefes. Ele é mencionado em 3 João 9-10, onde o apóstolo diz: “Escrevi alguma coisa à igreja; mas Diótrefes, que gosta de exercer a primazia entre eles, não nos dá acolhida. Por isso, se eu for aí, far-lhe-ei lembradas as obras que ele pratica, proferindo contra nós palavras maliciosas. E, não satisfeito com estas coisas, nem ele mesmo acolhe os irmãos, como impede os que querem recebê-los e os expulsa da igreja”.

Diótrefes anelava ser o preeminente em sua congregação (talvez até mais do que isso). Portanto, ele via qualquer outra pessoa que tinha autoridade de ensino – incluindo o apóstolo amado – como uma ameaça ao seu poder. João havia escrito uma carta de instrução e encorajamento à igreja, mas, por causa do desejo de Diótrefes por glória pessoal, ele rejeitou o que o apóstolo tinha a dizer. Evidentemente, ele reteve da igreja a carta de João. Parece que ele manteve em segredo a própria existência da carta. Talvez ele a destruiu. Por isso, João escreveu sua terceira epístola inspirada para, em parte, falar a Gaio sobre a existência da carta anterior.

Na verdade, o egoísmo de Diótrefes o tornou culpado do mais pernicioso tipo de heresia: ele rejeitou ativamente e se opôs à doutrina apostólica. Por isso, João condenou Diótrefes em quatro atitudes: ele rejeitou o ensino apostólico; fez acusações injustas contra um apóstolo; foi inóspito para com os irmãos e excluiu aqueles que não concordavam com seu desafio a autoridade de João. Em todo sentido imaginável, Diótrefes era culpado da mais obscura heresia, e todos os seus erros eram frutos de egocentrismo.

Em nosso estado caído, estado de carnalidade, somos todos assediados por uma tendência para o egocentrismo. Isto não é uma ofensa insignificante, nem um pequeno defeito de caráter, nem uma ameaça irrelevante à saúde de nossa fé. Diótrefes ilustra a verdade de que o amor próprio é a mãe de todas as heresias. Todo falso ensino e toda rebelião contra a autoridade de Deus estão, em última análise, arraigados em um desejo carnal de ter a preeminência – de fato, um desejo de reivindicar para si mesmo aquela glória que pertence legitimamente a Cristo. Toda igreja herética que já vimos tem procurado suplantar a verdade e a autoridade de Deus com seu próprio ego pretensioso.

De fato, o egocentrismo é herético porque é a própria antítese de tudo que Jesus ensinou ou exemplificou. E produz sementes que dão origem a todas as outras heresias imagináveis.

Portanto, não há lugar para egocentrismo na igreja. Tudo no evangelho, tudo que igreja tem de ser e tudo que aprendemos do exemplo de Cristo golpeia a raiz do orgulho e do egocentrismo humano.

Koinonia
As descrições bíblicas de comunhão na igreja do Novo Testamento usam a palavra grega koinonia. O espírito gracioso que essa palavra descreve é o extremo oposto do egocentrismo. Traduzida diferentemente por “comunhão”, “compartilhamento”, “cooperação” e “contribuição”, esta palavra é derivada dekoinos, a palavra grega que significa “comum”. Ela denota as ideias de compartilhamento, comunidade, participação conjunta, sacrifício em favor de outros e dar de si para o bem comum.

Koinonia era uma das quatro atividades essenciais que mantinha os primeiros cristãos juntos: “E perseveravam na doutrina dos apóstolos e na comunhão [koinonia], no partir do pão e nas orações” (At 2:42). O âmago da “comunhão” na igreja do Novo Testamento era culto e sacrifício uns pelos outros, e não festividade ou funções sociais. A palavra em si mesma deixava isso claro nas culturas de fala grega. Ela foi usada em Romanos 15.26 para falar de “uma coleta em benefício dos pobres” (ver também 2Co 9:3). Em 2 Coríntios 8:4, Paulo elogiou as igrejas da Macedônia por “participarem [koinonia] da assistência aos santos”. Hebreus 13:16 diz: “Não negligencieis, igualmente, a prática do bem e a mútua cooperação [koinonia]”. Claramente, o egocentrismo é hostil à noção bíblica de comunhão cristã.

"Aquele que é egocêntrico perde inúmeras oportunidades para fazer aquilo que haveria trazido bênçãos aos outros e a ele próprio. É o dever do servo de Cristo, em toda circunstância, perguntar-se a si mesmo: 'Que posso fazer para ajudar a outros?' Havendo feito tudo a seu alcance, deve deixar as consequências com Deus" (Ellen G. White - Mensagens Escolhidas 1, p. 86).

Uns aos outros
Esse fato é ressaltado também pelos muitos “uns aos outros” que lemos no Novo Testamento. Somos ordenados: a amar “uns aos outros” (Jo 13:34-35; 15:12, 17); a não julgar “uns aos outros” e ter o propósito de não por tropeço ou escândalo ao irmão (Rm 14:13); a seguir “as coisas da paz e também as da edificação de uns para com os outros” (Rm 14:19); a ter “o mesmo sentir de uns para com os outros” e acolher “uns aos outros, como também Cristo nos acolheu para a glória de Deus” (Rm 15:5, 7). Somos instruídos a levar “as cargas uns dos outros” (Gl 6:2); a sermos benignos uns para com os outros, “perdoando… uns aos outros” (Ef 4:32); e a sujeitar-nos “uns aos outros no temor de Cristo” (Ef 5:21). Em resumo, “Nada façais por partidarismo ou vanglória, mas por humildade, considerando cada um os outros superiores a si mesmo” (Fp 2:3).

No Novo Testamento, há muitos mandamentos semelhantes que governam nossos relacionamentos mútuos na igreja. Todos eles exigem altruísmo, sacrifício e serviço aos outros. Combinados, eles excluem definitivamente toda expressão de egocentrismo na comunhão de crentes.

"A vontade de Deus, nosso Criador, deve ser feita evidente em nós, não apenas no nome que trazemos, mas em nossa vida de abnegação. Devemos dar provas de que somos influenciados e controlados por princípios altruístas. Todos os nossos propósitos e atividades devem permanecer em distinto contraste com o egocentrismo do mundo" (Ellen G. White - Beneficência Social, p. 296).

Cristo como cabeça de seu corpo, a igreja
No entanto, isso não é tudo. O apóstolo Paulo comparou a igreja com um corpo que tem muitas partes, mas uma só cabeça: Cristo. Logo depois de afirmar, enfaticamente, a deidade, a eternidade e a proeminência absoluta de Cristo, Paulo escreveu: “Ele é a cabeça do corpo, da igreja” (Cl 1.18). Deus “pôs todas as coisas debaixo dos pés, e para ser o cabeça sobre todas as coisas, o deu à igreja, a qual é o seu corpo” (Cl 1.22-23). Cristãos individuais são como partes do corpo, existem não para si mesmos, mas para o bem de todo o corpo: “Todo o corpo, bem ajustado e consolidado pelo auxílio de toda junta, segundo a justa cooperação de cada parte, efetua o seu próprio aumento para a edificação de si mesmo em amor” (Ef 4.16).

Além disso, cada parte é dependente de todas as outras, e todas estão sujeitas à Cabeça. Somente a Cabeça é preeminente, e, além disso, “se um membro sofre, todos sofrem com ele; e, se um deles é honrado, com ele todos se regozijam” (1 Co 12.26).

Até aquelas partes do corpo aparentemente insignificantes são importantes (vv. 12-20). “Deus dispôs os membros, colocando cada um deles no corpo, como lhe aprouve. Se todos, porém, fossem um só membro, onde estaria o corpo?” (vv. 18-19).

Qualquer evidência de egoísmo é uma traição de não somente o resto do corpo, mas também da Cabeça. Essa figura torna o altruísmo humilde em virtude elevada na igreja – e exclui completamente qualquer tipo de egocentrismo.

"Somos naturalmente egocêntricos e opiniosos. Mas, ao aprendermos as lições que Cristo nos deseja ensinar, tornamo-nos participantes de Sua natureza; daí em diante, vivemos a Sua vida" (Ellen G. White - A Ciência do Bom Viver, p. 157).

Escravos de Cristo
A linguagem de escravo do Novo Testamento enfatiza, igualmente, esta verdade. Os cristãos não são apenas membros de um corpo, sujeitos uns aos outros e chamados à comunhão de sacrifício. Somos também escravos de Cristo, comprados com seu sangue, propriedade dele e, por isso, sujeitos ao seu senhorio.

Há uma tendência, eu receio, de tentarmos abrandar a terminologia que a Escritura usa porque – sejamos honestos – a figura de escravo é ofensiva. Ela não era menos inquietante na época do Novo Testamento. Ninguém queria ser escravo, e a instituição da escravidão romana era notoriamente abusiva.

No entanto, em todo o Novo Testamento, o relacionamento do crente com Cristo é retratado como uma relação de senhor e escravo. Isso envolve total submissão ao senhorio dele, é claro. Também exclui toda sugestão de orgulho, egoísmo, independência ou egocentrismo. Está é simplesmente mais uma razão por que nenhum tipo de egocentrismo tem lugar na vida da igreja.

O próprio senhor Jesus ensinou claramente este princípio. Seu convite a possíveis discípulos foi uma chamada à total autorrenúncia: “Se alguém quer vir após mim, a si mesmo se negue, dia a dia tome a sua cruz e siga-me” (Lc 9:23).

Os doze não foram rápidos para aprender essa lição, e a interação deles uns com os outros foi apimentada com disputas a respeito de quem era o maior, quem poderia ocupar os principais assentos no reino e expressões semelhantes de disputas egocêntricas. Por isso, na noite de sua traição, Jesus tomou uma toalha e uma bacia e lavou os pés dos discípulos. Sua admoestação para eles, na ocasião, é um poderoso argumento contra qualquer sussurro de egocentrismo no coração de qualquer discípulo: “Ora, se eu, sendo o Senhor e o Mestre, vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns dos outros. Porque eu vos dei o exemplo, para que, como eu vos fiz, façais vós também” (Jo 13:14-15).

Foi um argumento do maior para o menor. Se o eterno Senhor da glória se mostrou disposto a tomar uma toalha e lavar os pés sujos de seus discípulos, então, aqueles que se chamam discípulos de Cristo não devem, de maneira alguma, buscar preeminência para si mesmos. Cristo é nosso modelo, e não Diótrefes.

Não posso terminar sem ressaltar que este princípio tem uma aplicação específica para aqueles que estão em posições de liderança na igreja. É um lembrete especialmente vital nesta era de líderes religiosos que são superestrelas e pastores jovens que agem como estrelas de rock. Se Deus chamou você para ser um presbítero ou mestre na igreja, ele o chamou não para sua própria celebridade ou engrandecimento. Deus o chamou a fazer isso para a glória dele mesmo. Nossa comissão é pregar não “a nós mesmos, mas a Cristo Jesus como Senhor e a nós mesmos como vossos servos [escravos], por amor de Jesus” (2Co 4:5).

"Aqueles que se acham ligados ao serviço de Deus precisam ser purificados de todo traço de egoísmo. Tudo deve ser feito em harmonia com a ordem: 'Quanto fizerdes por palavras ou por obras, fazei tudo' (Cl 3:17) 'para glória de Deus' (1Co 10:31). [...] A genuína conversão é uma mudança do egoísmo para santificada afeição para com Deus e uns pelos outros. Farão os adventistas do sétimo dia agora uma completa reforma, para que sua alma manchada de pecado seja purificada da lepra do egoísmo? (Ellen G. White - Mensagens Escolhidas 1, p. 114-115).

segunda-feira, 6 de janeiro de 2025

A IRA DE DEUS

De longe, a ira é a qualidade menos popular de Deus. Para alguns, só de ouvir sobre ela sentem um frio na espinha, imaginando que o Policial Cósmico está vigiando seus passos. Para outras pessoas, a ira não combina com o amor de Deus, Seu atributo mais enfatizado em livros, sermões e mensagens virais de hoje. Os que pensam assim, encaram a Deus mais como um Avô permissivo do que um Pai amoroso. O fato é que a ira de Deus é um dos temas mais repetidos na Bíblia. E entender isso, diz muito sobre quem Ele é, como nós somos e como podemos nos reconectar.

Quem Ele é? 
Deus não Se preocupou em descrever Seu físico, mas não poupou explicações sobre Seu caráter. Sua ira só é corretamente compreendida à luz de Suas outras virtudes, como... 

- Justiça. Ele é coerente com as leis universais que criou (Sl 119:137). 

- Santidade. Ele é único, singular e isento de mal (Is 57:15Hc 1:12, 13). Tem aversão ao pecado. 

- Misericórdia. Ele tem compaixão pela humanidade miserável (Mc 1:40, 41). Por isso, aceitou um substituto para o homem e morreu como tal. 

- Amor. Seu amor não é impulsivo e instável, mas uma escolha racional, movida por um princípio. Por isso, Ele ama até Seus inimigos. 

- Graça. É o favor de Deus pelo pecador. Não é baseada no que o homem merece, mas no que ele precisa (Ef 2:7-9). É o poder que perdoa e liberta (Rm 1:16). 

- Tolerância. É a lentidão de Deus para derramar Sua ira. Ele demonstrou isso pelos israelitas (Nm 14:18) e pelos que morreram no Dilúvio (1Pe 3:20). Faz o mesmo hoje, enquanto Jesus não volta à Terra (2Pe 3:9). 

O que é a ira? 
- É a reação de Deus ao efeito destruidor do pecado. 

- Se Ele não Se irasse, seria injusto consigo (porque é santo) e com o pecador (porque ele merece). 

- A ira de Deus é previsível, coerente e constante. Deus não muda (Ml 3:6). 

- É diferente da ira dos homens, que é impulsiva, imparcial e vingativa (Pv 29:8). 

- E dos temperamentais deuses pagãos, cuja ira era saciada apenas com penitências (1Rs 18:24-29). 

- A demonstração da ira de Deus nos dá três recados: Ele é justo; precisamos corrigir nossa vida; e o mal não vale a pena. 

Por que Ele fica irado? 
- Por causa do pecado, em todas as suas formas. 

- O pecado sempre será a quebra de uma lei (1Jo 3:14). 

- Dos mandamentos registrados na Bíblia e conhecidos por Seu povo: pecados religiosos como a idolatria (Dt 29:24-28). 

- Ou da lei universal que Deus escreveu na consciência humana (Rm 2:14-16): as ofensas morais como a crueldade (Am 1:3-2:3). 

Como Ele mostra a ira? 
O Todo-poderoso têm todos os recursos disponíveis para expressar Sua ira. E Ele faz de tudo para alertar a humanidade. 

- Abandono. É quando Deus deixa o homem colher os frutos naturais de sua rebeldia. O resultado sempre é trágico (Rm 1:24-32). 

- Anjos. Os bons quando são portadores de juízos (At 12:20-23) e pragas (Ap 15:1; 16:1-21); e os maus quando, por livre escolha do homem, dominam e destroem a vida do indivíduo. 

- Homens. Os que o temem, como líderes (Nm 25:6-13), grupos (Êx 32:1-29) e Seu povo (Dt 7:1, 2); e os que O desconhecem, como reis (Jr 32:28) e povos pagãos (Is 10:5). 

- Natureza. Deus já usou e usará água (Gn 7), fogo (Gn 18, 19), terremoto (Nm 16:1-35), calor (Ap 16:8, 9), seca (1Rs 17:1) e ataques de animais (2Rs 2:23, 24) para expressar Sua ira. 

- Doenças. Pragas que mataram milhares de pessoas (Nm 16:41-50), lepra (Nm 12:1-10) e úlceras (Êx 9:10). 

- Acidentes. Podem acontecer por permissão de Deus ou ação direta dEle (2Rs 1:2-4, 17). 

Quando? 
- Todos os dias Ele manifesta Sua ira contra o pecado e pecadores (Sl 7:11), através do sentimento de culpa, do sofrimento mental e da degeneração. 

- Mas tudo isso é uma prévia e um aviso do juízo final (Rm 2:5). 

Como sobreviver? 
- Por ser racional, a ira de Deus pode ser desviada, desde que haja um substituto para pagar a dívida. Para espanto de todo o Universo, Cristo Se ofereceu como oferta. 

- Não foi a cruz que matou Jesus, mas a ira de Deus que caiu sobre Ele (Is 53:5, 10). 

- Graças a Ele, não existe mais condenação e castigo para os que decidem segui-Lo (Rm 8:1). 

- Quem rejeita o sangue de Cristo (Ap 7:13-17) terá que enfrentar sozinho a ira dEle (Ap 6:15-17). 

Conclusões
A ira é uma das perfeições divinas e retrata sua aversão ao pecado. Os vocábulos hebraicos e gregos empregados no texto bíblico a descrevem tanto como uma paixão violenta como uma atitude racional frente ao pecado. Ela tem uma característica presente e outra escatológica. É uma expressão justa e natural de sua santidade, mas também do seu amor que foi desprezado ou abusado. Diferentemente da ira humana e da ira dos deuses da mitologia pagã, ela não inclui muitos dos aspectos negativos tão comuns a estas. Antes, é sempre seu desprazer e reação contra o mal, inteiramente previsível, coerente, constante e imutável, em perfeita harmonia com sua justiça e santidade. Até o dia final do julgamento será temperada com misericórdia, buscando de uma maneira adequada, preservar a ordem e promover a paz.

Esta ira de Deus tem sido uma realidade no mundo dos homens desde o surgimento do pecado e permanecerá atuante até a extinção do mal e a restauração de todas as coisas. Seus efeitos são percebidos em nossa própria natureza ímpia e perversa, no afastamento de Deus (o qual deixa o pecador contumaz seguir seu próprio caminho) e nas punições, sendo que algumas são conseqüências naturais dos atos de pecado e outras, penalidades diretas impostas por Deus como juiz. Em seu sentido escatológico a ênfase recai sobre o castigo que os ímpios – Satanás, seus anjos e os homens impenitentes – terão ao se encerrar a história humana. Ao final, todos compreenderão tanto a ira como o amor de Deus e proclamarão sua perfeita justiça.

Com respeito à relação de Cristo com a ira divina, o exame do texto neotestamentário demonstrou que a ira de Deus era uma característica tanto da vida quanto dos ensinos de Jesus e que, em todos os casos, ela despertou quando sua misericórdia foi desprezada. Mas ele não apenas possuiu essa ira, ele também a sofreu. Embora o derramamento de seu sangue tenha sido a revelação direta do amor do Pai para conosco, foi também o impedimento direto da ira do Pai contra nós. Sua morte foi tanto uma expiação quanto uma propiciação e, como tal, evidenciou o perdão de Deus, mas também sua justiça, como fundamento para esse mesmo perdão. Ali, Deus satisfez suas próprias exigências santas e voltou contra si mesmo sua ira justa que o pecador merece. Por essa razão, Deus pode ser, simultaneamente, justo e justificador de todo aquele que crê. Dando continuidade à sua obra de salvação, Cristo atua como intercessor, ouvindo nossa confissão de pecados e intercedendo continuamente por nós, aplicando em nosso benefício o que ele realizou na cruz. Acrescente-se ainda que, se Cristo retratasse somente os atributos pacíficos de Deus, não seria a plena revelação de Deus, mas apenas uma revelação parcial. Por isso, ele também foi apontado como o executor da ira de Deus. Em sua soberania Deus estabeleceu que o destino eterno do homem estivesse ligado à sua pessoa. O homem se salva ou se perde em função de sua relação com Cristo. Ou aceita o sangue do Cordeiro ou a ira do Cordeiro.

Levando-se em conta a realidade de que o tema da ira divina se encontra distribuído ao longo de todo o texto sagrado e que, ao lado da misericórdia de Deus, é parte integrante da mensagem central da Bíblia e do Evangelho, pode-se considerar que a pregação cristã deve incluir mais do que a vida abundante que vem de Deus quando manifestamos fé em Cristo. Faz-se necessário pregar e ensinar sobre a ira divina e a condenação que vem sobre todos aqueles que recusam a misericórdia de Deus. Desse modo, o anúncio de salvação está indissoluvelmente ligado à pregação da ira de Deus sobre os homens e a comissão do pregador é proclamar a mensagem de que todos estão sob a ira de Deus até que eles creiam no Senhor Jesus Cristo.

"O poder que infligiu justiça retributiva ao substituto e fiador do homem, foi o poder que susteve e encorajou o Sofredor sob o tremendo peso da ira que devia haver caído sobre um mundo de pecado. Cristo estava sofrendo a morte que havia sido sentenciada aos transgressores da lei de Deus. Coisa tremenda para o pecador impenitente é cair nas mãos do Deus vivo. Isto se prova pela destruição do mundo antigo por um dilúvio, pelo registro do fogo que caiu do céu e destruiu os habitantes de Sodoma. Mas isto nunca foi provado em tal extensão como na agonia de Cristo, ... quando Ele suportou a ira de Deus por um mundo pecador. A agonia sofrida por Cristo, amplia, aprofunda e dá mais larga concepção do caráter do pecado, e da retribuição que Deus trará sobre os que continuarem em pecado. O salário do pecado é a morte, mas o dom de Deus é a vida eterna por Jesus Cristo ao pecador arrependido e crente" (Ellen G. White - Para Conhecê-Lo, p. 59).

Fonte: A Ira de Deus: estudo bíblico-teológico e proposta homilética, de Emilson dos Reis (tese doutoral, Unasp, 2009)