Você sempre quis saber o que o futuro reservou aos personagens do Karatê Kid original, um dos filmes mais lembrados e queridos dos anos 1980? Especialmente aos rivais Daniel LaRusso (Ralph Macchio) e Johnny Lawrence (William Zabka)? Não precisa querer mais. Existe uma série todinha sobre isso, Cobra Kai, inteiramente disponível na Netflix.
Aqui temos um Johnny Lawrence com diversos fracassos na vida, e que até hoje é atormentado pelas escolhas ruins que fez nos tempos de Cobra Kai. Ele praticamente parou no tempo. De outro lado temos um Daniel LaRusso bem sucedido financeiramente, feliz no casamento e famoso na cidade. Até hoje cita com orgulho suas vitórias do passado, mas como algo distante.
Isso muda quando os dois se encontram. A visão de LaRusso sobre Lawrence é a mesma que o filme nos apresentou no passado: é um vilão e ponto. Pra ele é inadmissível que Johnny, o cara que o perseguiu quando era novo, saia da condição de derrotado.
E vamos combinar, até pra nós é difícil gostar de Lawrence. Não só pelo que o filme nos apresentou, mas na própria série, ele se mostra o mesmo cara ignorante e agressivo de antes. Só que a vantagem de séries para filmes é o tempo, e a Cobra Kai usa muito bem o tempo que tem para nos dizer que há mais sobre aquele cara, e que é possível entender porque ele é assim. Agora ele é o protagonista que em momento algum é inocentado dos seus erros, mas que genuinamente aceita embarcar numa jornada para se tornar um cara melhor, mesmo que ainda tenha ideias distorcidas.
Também é difícil abandonar o conceito de herói que temos de Daniel LaRusso, principalmente porque a série sempre nos lembra o que aconteceu nos filmes. Ele é o cara que venceu o bullying aplicando um golpe inesquecível. Também sabemos que o estilo de karatê que ele prega é muito mais correto que o que os Cobra Kai defendem, já que fala em defesa e não ataque.
Mas é justamente a certeza de que está certo que torna LaRusso uma pessoa próxima ao erro. Ele tem tanta convicção de que é um herói que na maioria das vezes é incapaz de ter empatia com o antigo rival. Qualquer situação ruim que esteja acontecendo, ele culpa os Cobra Kai, mesmo que esses não tenham nada a ver com aquilo. A ironia é que ele contraria a filosofia que defende, já que sua postura é quase sempre intransigente e ofensiva.
Julgamento prévio
E quando o assunto é pecado, também sempre aparece, mesmo sem ser convidado, um intruso chamado julgamento prévio. Esse tal às vezes vem escondido – se nos bolsos de paletós bem cortados ou na mochila surrada, não importa -, mas sempre vem. Diz-se por aí que é fácil identificar pecados na conduta das pessoas. Alguns chegam a se apoiar nas palavras bíblicas "pelos seus frutos os conhecereis" (Mateus 7:20) para explicar sua atitude covarde e desleal. O que não percebem é que o texto diz "pelos seus frutos os conhecereis" e não "pelos seus frutos os condenareis".
Condenar tem que ver com pecados, é verdade. Palavras ditas, roupas vestidas ou desvestidas, comidas e bebidas, presença em lugares "impróprios", ausências das mais diversas – isso, segundo a ótica vesga de quem ousa julgar, traduz o completo sentido do que seja pecado e essa é a munição de que precisam para seus ataques grosseiros e intempestivos.
Conhecer é algo totalmente diferente. Condenar é fácil, conhecer é difícil. Condenar só leva de nós um pouco de saliva e uma dúzia de palavras arrogantes. Conhecer exige mais. Exige atenção para observar o todo. Exige tempo para a maturação dos frutos (atos). Exige espaço para a dúvida. Exige humildade para perceber a ignorância. Exige ousadia para a repreensão. Exige consagração para a intercessão. Exige, sobretudo, um milagre: o perdão.
Quem simplesmente condena, desconhece a existência de algo errado na vida das pessoas erradas (e uma delas sou eu), algo além de seus muitos pecados: o pecado (em sua essência). Desconhecem a existência do vírus que percorre as veias dos atos e até dos pensamentos de todos nós, os azarados escolhidos para viver neste planeta errado.
Não faz muito tempo, ouvi a história de uma viagem num trem lotado. Era mais um daqueles dias que amanhecem frios e tristes do inverno europeu. Em um certo vagão iam pessoas normais, com destinos normais, para atividades normais, em um dia normal. Não queriam muita coisa, só o silêncio frio no vagão já lhes bastava. De repente, um choro de criança rouba-lhes o último privilégio. As pessoas acordaram, entreolharam-se, e como se o choro não fosse parar nunca mais, um homem se adiantou aos pensamentos da maioria e gritou: "Alguém aí dê um jeito nessa criatura!"... Silêncio por um momento. Mas a desculpa tímida veio do homem que tinha o bebê nos braços: "Desculpem-me, senhores. É que o meu bebê não dormiu a noite toda. Minha esposa morreu, seu corpo está no vagão de cargas. Vamos em direção à nossa cidade natal para enterrá-la, mas eu não sei muito bem como acalmar meu pequeno... desculpem-me". O primeiro homem se calou envergonhado, duas mulheres se aproximaram para ajudar, o nenê dormiu e a viagem seguiu.
O pecado é um grito desajeitado em meio ao silêncio harmonioso da criação de Deus. O pecado fez até o próprio Deus chorar. Há quem só perceba, e chegue mesmo a condenar, o choro das crianças no vagão dessa vida ingrata e desconheça a história do Pai que sofre.
Antes de usar os dedos para condenar, use os joelhos para orar.
Antes de condenar, conheça.
"Se Cristo está em vós, 'a esperança da glória', não estareis dispostos a observar os outros, a expor-lhes os erros. Em lugar de procurar acusar e condenar, tereis como objetivo ajudar, beneficiar, salvar. Ao lidar com os que se encontram em erro, atendereis à recomendação: Olha 'por ti mesmo, para que não sejas também tentado' (Gálatas 6:1). Procurareis lembrar as muitas vezes que tendes errado, e quão difícil vos foi achar o caminho certo uma vez que dele vos havíeis apartado. Não impelireis vosso irmão para mais densas trevas mas, coração cheio de piedade, falar-lhe-eis do perigo em que está" (Ellen G. White - O Maior Discurso de Cristo, p. 128).
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