quarta-feira, 31 de agosto de 2022

MORTE NA FOGUEIRA

A Bíblia diz que, em alguns casos, a pena capital deveria ser executada com fogo. Não é muita crueldade?

O sistema jurídico israelita estabelecia que, em determinados delitos, o criminoso devia morrer queimado. Isso poderia ser aplicado para a filha do sacerdote que se corrompesse, tornando-se prostituta (Lv 21:9), porque sua conduta profanava a santidade do seu pai; e para com o homem que se casasse com uma mulher e a mãe dela. Nesse caso, os três deviam ser queimados no intuito de remover a imoralidade entre o povo (Lv 20:14). Quando Judá foi informado de que Tamar, sua nora, era prostituta, ele determinou que ela fosse queimada (Gn 38:24). 

A seguir, apresento informações que podem ser úteis para a compreensão dessa legislação: 

1. Acã, fogo e pedras. A narrativa sobre Acã, que violou a lei da “exterminação” (no hebraico, cherem), é particularmente esclarecedora. Após a vitória dos israelitas sobre a cidade de Ai, Josué orou ao Senhor pedindo orientação (Js 7:7-9). Deus o informou que alguém havia quebrado a aliança se apropriando indevidamente do que pertencia exclusivamente a Ele (v. 11). A instrução divina foi que, assim que o culpado fosse identificado, ele devia ser queimado com tudo o que tivesse (v. 15). Surpreendentemente, quando Acã foi identificado e a penalidade aplicada, o relato acrescenta algo: ele e sua família foram apedrejados antes de ser queimados (v. 25). Ou seja, as pessoas eram completamente queimadas (assim como as ofertas, Lv 4:12, 6:23) depois que já estavam mortas. 

2. Fogo e prostituição. Outro exemplo vem da punição por acusações de prostituição. Jerusalém era a esposa do Senhor que se prostituiu por meio de idolatria e alianças políticas com outras nações (Ez 16 e 23). Como punição, ela seria apedrejada até a morte e esquartejada por seus amantes, que, então, queimariam a cidade (Ez 16:40, 41; 23:47). Embora o texto não diga especificamente que a mulher infiel era queimada, o apedrejamento é seguido pela destruição da cidade com fogo, tendo Jerusalém personalizada como uma mulher. 

3. Fogo e Babilônia. O veredito divino contra a cidade escatológica de Babilônia, caracterizada por sua imoralidade e alianças com os reis da Terra (Ap 18:3), é claramente apresentado em Apocalipse. Ela será morta pelas pragas (v. 8), para depois ser queimada. Em Apocalipse 17, Babilônia é representada por uma prostituta, que as nações “levarão à ruína e a deixarão nua, comerão a sua carne e a destruirão com fogo” (Ap 17:16). Ter o corpo devorado foi o tipo de morte profetizado contra a rainha Jezabel (2Rs 9:36, 37). No caso da Babilônia apocalíptica, seus restos mortais serão consumidos pelo fogo. Esse foi o mesmo destino previsto para o poder insolente (chifre) que se levanta contra Deus na visão de Daniel 7 (v. 11). 

Em resumo, o sistema jurídico que penaliza alguns crimes com morte pelo fogo é usado para ilustrar a vitória final sobre os poderes do mal. Em outras palavras, não sobrará nem raiz nem ramo do mal (Ml 4:1). Portanto, ao que parece, no sistema jurídico de Israel, a exterminação do corpo com fogo era precedida pela morte do criminoso.

Ángel Manuel Rodríguez (via Revista Adventista)

terça-feira, 30 de agosto de 2022

DIA NACIONAL DO PERDÃO

A data de 30 de agosto foi instituída pelo governo brasileiro como o Dia Nacional do Perdão, a partir de projeto de lei proposto pela deputada federal Keiko Ota (PSB-SP), e faz alusão a morte de seu filho, o menino Ives Ota, sequestrado e morto em 1997. Na época, o pequeno Ives, com oito anos, foi morto com dois tiros no rosto antes de qualquer contato dos sequestradores com sua família porque reconheceu um dos criminosos, um policial militar que fazia segurança particular nas lojas de seu pai, Massataka Ota, falecido em 24 de fevereiro do ano passado.

Depois de conhecer os assassinos do filho, a deputada e o seu marido decidiram perdoar os criminosos. “O perdão foi a postura que me deu força e coragem para seguir em frente, elevou minha autoestima para ajudar o próximo”, explicou Keiko Ota. A deputada ressaltou que o objetivo do dia é disseminar a paz. “Militamos pela cultura da paz e propomos o perdão na vida das pessoas, pois quem perdoa ao próximo, perdoa a si”, disse. De acordo com a deputada, o Dia do Perdão também serve para mostrar aos brasileiros que sempre existe mais de uma opção de escolha. “Todo indivíduo nasce puro e cheio de bondade. Aqui é a escola da vida e todas as adversidades testam a capacidade do indivíduo de decidir o certo e errado”, completou.

Lendo esta história, surge inevitavelmente a pergunta: seria justo perdoar alguém como esses assassinos? O perdão não é uma atitude natural ao coração humano. Temos imensa dificuldade em experimentá-lo e muitos são os que consideram o perdão algo injusto. O escritor romano Públio Siro, que viveu no 1º século antes de Cristo, afirmou: “Quem perdoa uma culpa encoraja a cometer muitas outras.” Para alguns, o ato de perdoar significa deixar a justiça de lado e ceder ao sentimentalismo.

O ponto é que, sem o perdão, um ciclo funesto de sofrimento é iniciado, separando casais, amigos e povos por anos ou décadas. Há algum tempo, assisti perplexo a uma entrevista num programa televisivo. A pauta era sobre um casal de idosos do Nordeste que não se falava havia 40 anos. E tudo começou logo após o casamento deles, quando alguém disse para o marido que a esposa poderia estar traindo-o com outro homem da cidade. Nada ficou provado, mas o orgulho ferido contabilizou quatro décadas de total silêncio em represália à esposa.

A palavra grega para perdão (aphiêmi), por exemplo, significa algo como “jogar para longe”, “libertar-se”, “soltar”. Inúmeros personagens bíblicos lidaram com o dilema do perdão. Pedro foi um deles. Enfrentando possivelmente uma batalha interior para perdoar alguém, ele perguntou: “Senhor, quantas vezes deverei perdoar a meu irmão quando ele pecar contra mim? Até sete vezes? Jesus respondeu: ‘Eu lhe digo: não até sete, mas até setenta vezes sete’” (Mt 18:21 e 22, NVI). Pedro deve ter se surpreendido com a resposta de Jesus, mas o Mestre não lhe deu alternativa: perdoar era a única opção.

Talvez Pedro tenha entendido melhor as palavras de Cristo depois de ter ouvido o doce som do perdão, quando esperava ser repreendido pelo Mestre diante dos demais discípulos (Jo 21). A atitude de Jesus mostrou que Deus abriu mão de seu direito de vingança contra um mundo pecador e idólatra, para exercer a graça. E, para ser justo, Deus exigiu um alto custo de quem serviu de substituto da humanidade, recebendo em si a penalidade que cabia a todos (2Co 5:21). Por meio de seu sacrifício vicário, Cristo garantiu o direito de pedir: “Pai, perdoa-lhes” (Lc 23:34).

José também perdoou. Quando governou o Egito, o filho predileto de Jacó teve a oportunidade de se vingar de seus irmãos. O poder para fazer “justiça” estava nas mãos dele. Contudo, em meio a abundantes e solitárias lágrimas (Gn 43:30), ele percebeu que seu coração desejava ardentemente algo mais. E, quando José cedeu a essa convicção, o som do perdão foi ouvido em todo o Egito (Gn 45:15).

O perdão pode parecer por vezes doloroso e aparentemente injusto, mas, quando entendemos essa atitude a partir da postura de Deus em relação a nós (Mt 18:23-35), esse gesto se torna possível e libertador.

Encerro com este maravilhoso texto de Ellen G. White: "Nosso Salvador ensinou Seus discípulos a orar: 'Perdoa-nos as nossas dívidas, assim como nós perdoamos aos nossos devedores' (Mateus 6:12). Uma grande bênção é aqui solicitada sob condição. Nós mesmos afirmamos essas condições. Pedimos que a misericórdia de Deus para conosco seja medida pela misericórdia que mostramos a outros. Cristo declara que esta é a regra pela qual o Senhor tratará conosco: 'Porque, se perdoardes aos homens as suas ofensas, também vosso Pai celestial vos perdoará a vós. Se, porém, não perdoardes aos homens as suas ofensas, também vosso Pai vos não perdoará as vossas ofensas' (Mateus 6:14, 15). Maravilhosos termos! Mas quão pouco são compreendidos ou acatados. Um dos pecados mais comuns, e que é seguido dos resultados mais perniciosos, é a tolerância de um espírito não disposto a perdoar. Quantos não abrigam animosidade ou espírito de vingança, e então curvam a cabeça diante de Deus e pedem para serem perdoados assim como perdoam. Certamente não podem possuir o verdadeiro senso do que esta oração importa, ou não a tomariam nos lábios. Dependemos da misericórdia de Deus cada dia e cada hora; como podemos então agasalhar amargura e malícia para com o nosso próximo pecador! Se, em seus relacionamentos diários os cristãos aplicarem os princípios dessa oração, que bendita mudança se operará na igreja e no mundo! Esse seria o mais convincente testemunho dado sobre a realidade da religião bíblica" (Testemunhos para a Igreja 5, p. 170).

segunda-feira, 29 de agosto de 2022

O CHAMADO DE PESSOAS COMUNS PARA UMA OBRA EXTRAORDINÁRIA

Antes de Jesus escolher Seus discípulos, “passou a noite orando a Deus” (Lucas 6:12).1 Ele escolheu doze homens entre as pessoas comuns, alguns dos quais Ele sabia que iriam abandoná-Lo ou O trairiam. Esse simples fato por si só me traz esperança. Se Jesus escolheu pessoas assim para serem Seus discípulos, há esperança para mim quando erro.

Considere brevemente os doze que Jesus escolheu:

ANDRÉ E SIMÃO
Um deles era André. Hoje nós o chamaríamos de “networker”, alguém que tinha muitos amigos. Ele era um discípulo de João Batista que, por sua vez, o indicou para Jesus. A primeira coisa que André fez foi encontrar seu irmão e levá-lo até Jesus também (João 1:40, 41). Você conhece pessoas capazes de conversar com qualquer outra pessoa sobre qualquer coisa com muita desenvoltura? Consegue ver André puxando conversa com um menino que tinha cinco pães e dois peixinhos e que não fazia ideia do que estava para acontecer? Ele tinha grande interesse em se tornar amigo de todos, independentemente da idade. Foi assim que André ficou sabendo que o menino tinha lanche em sua mochila.

André é sempre mencionado com mais alguém – nunca sozinho – isso porque ele não era individualista. Era uma pessoa que gostava de trabalhar em equipe, era tranquilo, um amigo que demonstrava interesse pelas pessoas, fossem crianças, jovens, adultos ou idosos. André está perto de todos nós; simplesmente não o notamos porque ele faz suas tarefas sem ter necessidade de reconhecimento, de atenção ou de poder.

Em contraste, Simão era impulsivo, dinâmico, inflamado, autoconfiante, independente, impetuoso e extrovertido. Falava sem pensar e estava pronto a corrigir os outros antes mesmo de saber o que ia dizer. Seu humor altera com facilidade? Simão representa você. Mas Simão não teve dúvidas quando seu irmão André lhe pediu para seguir Jesus. Simão foi um aventureiro e explorador para Deus.

OS IMPETUOSOS FILHOS DE ZEBEDEU

Tiago e João, os filhos de Zebedeu, eram conhecidos como os “Filhos do Trovão”. Mesmo sendo pescadores, vinham de um status social mais elevado, pois seu pai havia contratado servos para eles. Eles provavelmente tinham um temperamento explosivo, pois eram chamados de “Filhos do Trovão”. Lembra-se da ocasião em que eles queriam fazer descer fogo na inóspita aldeia samaritana? Quando estavam pescando, talvez você pudesse ouvir comentários arrogantes contra os que não haviam pescado tanto quanto eles.

Assim como Tiago e João, alguns têm mães que acham que seus filhos são especiais. Pode ser embaraçoso quando essas mães se gabam das realizações de seus filhos e tentam promover seu status. Salomé, a mãe de Tiago e João, fez exatamente isso e foi a Jesus com um apelo: “Declara que no Teu Reino estes meus dois filhos se assentarão um à Tua direita e o outro à Tua esquerda.” (Mateus 20:21).

O HOMEM DE BETSAIDA E UM RACISTA

Filipe foi criado em Betsaida, uma cidade ao norte da Galileia, por onde muitos comerciantes passavam. Com seu nome grego, ele provavelmente era grande conhecedor das notícias que eram trazidas de todo o mundo pelos comerciantes. Na ocasião em que uma grande multidão precisou ser alimentada, ele mostrou uma perspectiva de negócios muito prática, mas cética, quando perguntou como eles poderiam alimentar tantas pessoas. Embora esses traços estejam mais associados a outro discípulo, Filipe também foi cauteloso, exigindo explicações claras e lógicas. Toda igreja precisa de uma ou duas pessoas como Filipe.

Bartolomeu e Natanael referem-se à mesma pessoa. Poderíamos considerá-lo racista. Quando Filipe chamou Natanael para seguir Jesus, ele perguntou: “Nazaré: Pode vir alguma coisa boa de lá?” (João 1:46). Ele generalizou a má reputação dessa cidade para qualquer pessoa daquela região. Toda vez que abrigo sentimentos de racismo, superioridade, elitismo ou sexismo, torno-me como Bartolomeu. No entanto, ele veio a Jesus com a mente aberta, e Jesus imediatamente disse a seu respeito: “Eis um verdadeiro israelita, em quem não há dolo!” (João 1:47 – ARA).

O TERRORISTA E O COBRADOR DE IMPOSTOS

Você sabia que Jesus escolheu um terrorista para ser um dos discípulos? Simão, o cananeu, pertencia aos zelotes, um violento partido nacionalista que daria a vida lutando para se livrar dos romanos. Quando Jesus aqui vivia, eles cometiam assassinatos e homicídios secretos para conseguir o que queriam. Os zelotes se recusaram a pagar impostos, porque isso significava um reconhecimento de submissão a Roma e um repúdio a Deus. Eles se consideravam os mais “patrióticos” de todos os judeus. Em 73 d.C., foram eles os judeus que morre- ram cometendo suicídio em massa em Massada – um evento ainda celebrado hoje pelos judeus. E ainda assim, Jesus escolheu Simão, o zelote, para ser um de Seus discípulos.

Não fazia sentido chamar Mateus para ser discípulo se Simão, o zelote, fizesse parte do grupo. Mateus aceitara um ofício dos romanos para cobrar impostos, sinal de que ele havia traído sua nação. Era visto como um apóstata e o mais vil da sociedade. Mateus cobrava impostos de todos os que traziam mercadorias para a cidade. Escribas e fariseus desprezavam tanto os cobradores de impostos que andavam do outro lado da estrada para evitar olhar na mesma direção. Embora os cobradores de impostos pudessem ser ricos, seu dinheiro não era aceito na sinagoga. Eles foram vistos como sendo tão desonestos que não podiam nem testemunhar no tribunal. E ainda assim, quando Jesus o viu sentado no portão da cidade cobran- do impostos, lhe disse: “Siga-Me”. Mateus deixou imediatamente o seu lucrativo trabalho para seguir Jesus. Se Simão, o zelote, tivesse se encontrado sozinho com Mateus antes de seguir Jesus, poderia muito bem ter cravado uma adaga em seu coração. E, no entanto, Jesus chamou um zelote e um odiado cobrador de impostos para serem dois dos doze – um par tão improvável que mal se pode imaginar.

AS CIFRAS

Por haver crescido no exterior, senti-me quase invisível quando me mudei para a terceira cultura na minha adolescência, mais ou menos como os dois discípulos sobre os quais praticamente nada sabemos. Há alguns indícios de que Tiago, filho de Alfeu, em contraste com o Tiago que mencionamos anteriormente, era um homem de baixa estatura, que levava a vida sem alarde ou publicidade. Quanto a Tadeu, também conhecido como Judas, filho de Tiago, não o Iscariotes, tudo o que sabemos é que ele perguntou a Jesus: “Senhor, mas por que Te revelarás a nós e não ao mundo?” (João 14:22).

UM DISCÍPULO QUESTIONADOR

O discípulo que se sentiria mais confortável em um campus universitário seria Tomé. Nós o chamamos depreciativamente de “Tomé, o incrédulo”, mas foi ele quem estava disposto a fazer as perguntas difíceis. Um professor de ciências do Pacific Union College, certa vez, sugeriu que Tomé fosse o “patrono” de todos os cientistas. Tomé estava constantemente sondando, não aceitando a palavra dos outros, assim como um acadêmico nunca se sente à vontade com respostas fáceis até que tenha explorado todas as opções. Assim é o Tomé que disse: “Se eu não vir em Suas mãos a marca dos pregos, e não colocar o dedo na marca dos pregos, e não colocar a mão no Seu lado, não crerei” (João 20:25).

“A menos que eu veja em Suas mãos. . . Não vou acreditar.” E, no entanto, esse é o mesmo Tomé que, quando todos os discípulos não queriam que Jesus fosse a Jerusalém depois da ressurreição de Lázaro, por medo de serem mortos, disse com coragem: “Vamos também para morrermos com ele” (João 11:16). Porque Tomé foi muito sincero em sua exploração da verdade, Jesus nunca o repreendeu por suas perguntas. As perguntas que ele fez foram um degrau para a crença.

AQUELE QUE O TRAIU

E finalmente chegamos a Judas Iscariotes, um homem que viu Jesus como um fracasso, porque sabemos como a história termina. No entanto, não nos esqueçamos de que ele era o tão respeitado administrador do grupo. Em uma corporação, Jesus teria sido o presidente do conselho e Judas teria sido o presidente [do grupo]. Ele provavelmente tinha o intelecto mais aguçado de todos os discípulos. Judas sabia como cuidar do dinheiro. Ele era o único discípulo que não era galileu. Quando decidiu seguir Jesus, foi excluído de seu círculo de amigos, o que significou a perda de toda a sua influência. Ele achava que Jesus iria restaurar o trono de Davi e se esforçou para se tornar um discípulo. No entanto, Jesus sabia desde o início que Judas o trairia. Por que Ele o escolheu sabendo o que iria acontecer? Mesmo quando Judas o traiu, Jesus ainda o chamou de “Amigo” (Mateus 26:50).

Portanto, temos doze homens improváveis que necessitavam ser integrados em uma equipe. Claro, eles tinham o maior Professor de todos os tempos, então não deve ter sido um trabalho difícil. O Dr. Harry Leonard, do Newbold College, na Inglaterra, analisou Jesus como Professor. Ele descreveu Jesus como o tipo que um chefe do Departamento de Educação gostaria de contratar para dar aulas de metodologia, porque Jesus era ótimo em tutoriais individuais, seminários em grupo, palestras e sessões práticas. No entanto, como o Dr. Leonard enfatiza, Jesus ensinou os discípulos por três anos, quase o tempo necessário para obter um diploma de bacharelado, e eles não entenderam o que Ele queria dizer.

Jesus era o Mestre perfeito de Quem um grupo pôde receber instrução, e ainda assim eles O traíram, dormiram ou fugiram de medo.

Além do mais, podemos sugerir que todos eles receberam um “F”, uma nota de reprovação nas aulas que Jesus lhes ensinou ao longo de três anos. Existe algo pior do que ser testemunha de um possível assassinato e fugir do local? E, no entanto, Ele sabia que esse seria o resultado. Apesar de ter conhecimento disso, Jesus os escolheu a dedo. Da mesma forma, Ele escolhe você e eu, apesar do fato de saber que também receberemos alguns “Fs”. Onze dos doze discípulos refizeram os exames e passaram com honras. Nós também podemos!

DISCÍPULOS TRANSFORMADOS

Após Sua ressurreição, Jesus continuou a construir sobre o que Ele havia ensinado aos Seus discípulos anteriormente. Com exceção de um, todos experimentaram uma transformação cujo efeito perdura até hoje, e que se torna a maior evidência de um Jesus ressuscitado.

Anteriormente, Jesus havia mudado o nome de Simão para Pedro, que significa “pedra ou rocha”. Depois que Pedro negou ser Seu discípulo, ele voltou para Jesus e recebeu a Sua graça e o Seu perdão, levando ao mundo, finalmente, a mensagem de um Jesus ressuscitado. Seu primeiro sermão rendeu o batismo de 3.000 pessoas no Dia de Pentecostes. Segundo a tradição, ele foi martirizado em Roma, condenado à morte na cruz. Jesus transformou Simão em Pedro, o pecador em santo, e Ele pode fazer o mesmo por nós.2

Tiago, chamado Filho do Trovão, foi decapitado pelo rei Herodes Agripa I. Seu martírio provou seu compromisso de longo tempo em serviço ao seu Senhor e Salvador Jesus Cristo. Ele passou no exame final com distinção!

João, o outro Filho do Trovão, tornou-se o discípulo que Jesus mais amava. Sobre ele, Ellen White escreveu: “Na vida do discípulo João é exemplificada a verdadeira santificação. Durante os anos de sua íntima relação com Cristo foi ele muitas vezes advertido e admoestado pelo Salvador; e aceitou. [...]. Ele submeteu seu temperamento ambicioso e vingativo ao modelador poder de Cristo, e o divino amor operou nele a transformação do caráter.”3

Bartolomeu desistiu de suas atitudes racistas e se tornou um seguidor de Jesus.

Mateus, o cobrador de impostos, e Simão, o zelote, acabaram demonstrando o amor cristão um pelo outro por causa de seu amor por Jesus.

Quando Tomé, finalmente, viu Jesus após a ressurreição, ele exclamou: “Senhor meu e Deus meu!” (João 20:28) e se tornou o evangelista da fronteira. Acredita-se que ele tenha espalhado o evangelho até a parte sul da Índia.

Após a ascensão de Jesus Cristo, esses mesmos discípulos que fugiram com medo, agora mostraram sua força pregando o evangelho, enfrentando a prisão e até mesmo a morte. Em Atos 4:13, lemos: “Vendo a coragem de Pedro e de João, e percebendo que eram homens comuns e sem instrução, ficaram admirados e reconheceram que eles haviam estado com Jesus.”

Com qual dos doze discípulos você mais se identifica? Jesus escolheu cada um de Seus discípulos, mesmo conhecendo suas fraquezas e potencial de fracasso. Toda vez que você experimentar o fracasso, lembre-se de que Jesus chamou Seus discípulos – doze homens comuns que falharam muitas vezes. Ele ainda chama pessoas comuns como você e eu para serem Seus seguidores hoje. Ele chama cada um de nós para a extraordinária tarefa de servir aos outros e levar avante a Sua missão até que Ele volte!

Richard Osborn (via Diálogo Universitário)

NOTAS E REFERÊNCIAS

  1. A não ser quando de outra forma indicado, todas as referências bíblicas neste artigo são citadas da Nova Versão Internacional da Bíblia Sagrada.
  2. Peter Marshall, Mr. Jones, Meet the Master: Sermons and Prayers of Peter Marshall (New York: Fleming H. Revell Company, 1950), 88
  3. Ellen G. White, Atos dos Apóstolos (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 1986), p. 557.

sexta-feira, 26 de agosto de 2022

A BELA E A FERA

Charles Dickens iniciou seu romance histórico A Tale of Two Cities (Um conto de duas cidades, original de 1859) com uma frase classificada entre as melhores aberturas de obras literárias: “Foi o melhor dos tempos, foi o pior dos tempos, foi a idade da sabedoria, foi a idade da tolice, foi a época da fé, foi a época da incredulidade, foi a estação da luz, foi a estação das trevas, foi a primavera da esperança, foi o inverno do desespero, tínhamos tudo diante de nós, tínhamos nada diante de nós.”

O Apocalipse também apresenta uma narrativa de duas cidades, mas não Londres e Paris, e sim Babilônia e a Nova Jerusalém. A cidade de Deus e a cidade dos homens ou a metrópole do Cordeiro e a capital do dragão expressam realidades opostas. E a perspectiva do pior e do melhor dos tempos vai marcando nosso cotidiano, com o destino dessas cidades sendo cada vez mais delineado no horizonte da história.

Ocorre que, no meio do relato a respeito da cidade babilônica, surgem personagens estranhos, que têm povoado a imaginação dos leitores e desafiado os neurônios dos estudiosos. “João fica grandemente maravilhado pela meretriz, mas é a besta que lhe é explicada. Talvez o ponto seja: para entender a meretriz, observe a besta”, sugeriu John R. Yeatts (Revelation [Herald Press, 2003], p. 312). Ou, eu diria, para entender a besta, observe a meretriz. Afinal, quem é a besta escarlate de sete cabeças e dez chifres? Por que ela carrega uma mulher sedutora? Será possível avançar na busca de consenso? Vamos ao estudo desse tema polêmico, que voltou a ser discutido e precisa de alguns ajustes.

O CONTEXTO

“Um dos sete anjos que tinham as sete taças veio e falou comigo”, relata João de início (Ap 17:1). Mas qual taça? Bíblia de Estudo Andrews (CPB, 2015, p. 1671) sugere ser o anjo da sexta taça (Ap 16:12), pois ele fala do secamento do rio Eufrates, enquanto o ser angélico de Apocalipse 17 anuncia que a mulher está assentada sobre muitas águas (17:1b, 15). Por outro lado, quando o sétimo anjo derrama sua taça, há um forte terremoto e a grande cidade se divide em três partes. Então Deus Se lembra de Babilônia (16:17-21), um julgamento que está no centro dos capítulos 17 e 18. Portanto, pode ser o anjo da sexta ou o da sétima praga. O fato é que a visão retrata eventos que culminam as séries de sete.

Esse anjo passa a descrever a mulher e a besta, comparando a mulher a uma “prostituta” (17:1b), metáfora comum para indicar idolatria. Depois de misteriosas descrições e digressões, a prostituta é identificada: “A mulher que você viu é a grande cidade que domina sobre os reis da terra” (17:18). Se esse é o caso, por que ele simplesmente não afirmou o óbvio? Por que empregar dois símbolos para depois unificá-los? Nuances apocalípticas. Assim como a noiva de Cristo é uma mulher pura e também uma cidade (a Nova Jerusalém), a amante de Satanás também apresenta duas dimensões. Uma cidade não tem finalidade se não tiver população. Por isso, o duplo simbolismo enriquece a descrição e acrescenta camadas de significados. A mulher imoral de Apocalipse 17, com base em Ezequiel 16, entre outros textos, está em contraste intencional com a mulher pura de Apocalipse 12 e 19.

Alguns defendem que “Babilônia” é a Babilônia literal, outros dizem que se trata de um código para Jerusalém, enquanto outros ainda aplicam o nome a Roma. Mas as coisas são mais complexas. A Babilônia de Apocalipse é claramente simbólica. Ela começa com Roma, porém transcende Roma. É uma instituição apostatada, um aglomerado de religiões falsas, uma entidade escatológica que se opõe ao povo de Deus no fim dos tempos, conceito entrelaçado com o tema do grande conflito. Babel no início, Babilônia no meio, Babilônia mística no fim. “‘Babilônia’ no Apocalipse é mais bem entendida como uma entidade que transcende a situação histórica específica, seja a antiga Babilônia ou a Roma imperial”, afirma Sigve K. Tonstad (Revelation [Baker Academic [2019], p. 243). Roma seguiu o padrão de Babilônia, que prefigura a Babilônia final.

Babilônia é uma ideologia do mal, o ponto de encontro dos falsos deuses, o parque de diversão dos anjos das trevas, o bordel dos idólatras, o espaço em que os poderes do mal, entre bebidas intoxicantes, tramam a destruição dos servos de Deus. Mais do que o caos religioso, é a globalização do mal. Rival de Jerusalém, é a capital do reino de Satanás, uma entidade que mistura falsos ensinos, engano, manipulação, blasfêmia, exploração, opressão e derramamento de sangue. Porém, a cidade tem face e identidade. A tradição protestante identificou Babilônia com o papado, enquanto o adventismo seguiu essa interpretação e reconheceu uma esfera mais ampla.

Ao falar de Babilônia, o anjo de Apocalipse 17 introduz três dificuldades principais, que serão discutidas: quem é a besta de sete cabeças que carrega a meretriz, quem é o oitavo rei e qual é a referência temporal da visão (ou seja, João descreve os eventos de Apocalipse 17 da perspectiva do 1º século ou de um tempo futuro?).

AS PROPOSTAS

Há várias interpretações para a besta escarlate de sete cabeças. Mencionarei aqui as principais.

1. As cabeças da besta representam figuras imperiais/reais. Para muitos intérpretes preteristas, Jerusalém é a mulher/prostituta de Apocalipse 17. “Estou convencido além de qualquer dúvida de que esta meretriz é a Jerusalém do 1º século”, afirmou Kenneth L. Gentry (He Shall Have Dominion2ª ed. [Tyler, TX: Institute for Christian Economics, 1997], p. 392). Assim, a besta seria Roma, que destruiu Jerusalém no ano 70. Desde a antiguidade, Roma era amplamente considerada a “cidade das sete colinas” (Cícero, Cartas a Ático 6.5; Plínio, História Natural 3.9.11; Estrabão, Geografia 5.3.7). Portanto, esses teólogos colocam o foco na Roma imperial e identificam as cabeças com imperadores romanos do 1º século. O mito de “Nero redivivo” ocupa um papel central no argumento, que não tem base bíblica e já foi amplamente contestado. Entre os futuristas, alguns veem a besta como o Império Romano revivido. Contudo, eles não conseguem articular quem seriam os dez “reis”, pois estão no futuro.

No meio adventista, desde que o Tratado de Latrão foi assinado e ratificado em 1929, reconhecendo a Cidade do Vaticano como estado independente sob a soberania da Santa Sé, alguns intérpretes populares têm especulado sobre a identificação dos papas (monarcas/reis) com as sete cabeças. A partir de 1929, diz a teoria, surgiriam sete pontífices. Quando o papa João Paulo II morreu, em 2005, as especulações explodiram. Com a eleição de Bento XVI, o fim estava próximo de novo, uma vez que ele seria o sétimo desde 1929. Com sua renúncia em 2013, os propagadores da teoria readequaram o discurso, dizendo que Bento XVI é o papa que durou “pouco tempo” (oito anos), cumprindo Apocalipse 17:10, se bem que João XXIII durou menos tempo (quatro anos) e João Paulo I ainda menos (33 dias). Francisco seria o oitavo, funcionando como uma extensão do sétimo.

Essa posição é descartada por virtualmente a totalidade dos eruditos e teólogos adventistas atuais, até porque ela não é historicista o suficiente, além de ser uma forma disfarçada de marcar uma data para a volta de Jesus. Um dos argumentos contrários é que a palavra oros em Apocalipse 17:9 significa “montanha”, “monte”, e não mera “colina”. Assim, João estava falando de impérios, e não de Roma e seus líderes. A própria expressão “cinco caíram” (17:10) combina mais com reinos sequenciais do que com montes. Como explicar que as colinas de Roma caíram uma após a outra? Na Bíblia, “montes” representam reinos/impérios (Jr 51:24, 25; Dn 2:34, 35, 44, 45), e não governantes individuais. João não se limita à geografia; ele apresenta escatologia.

2. A besta de Apocalipse 17 é a besta da terra. Tradicionalmente, os adventistas têm interpretado a segunda besta de Apocalipse 13 como os Estados Unidos. Que essa fera terá um papel importante no fim dos tempos, o Apocalipse deixa claro. Porém, seria ela a besta escarlate de Apocalipse 17? Essa é a visão defendida, entre outros, por Vanderlei Dorneles, que tratou do assunto em artigos e no livro Pelo Sangue do Cordeiro (CPB, 2015). “Se a crise final é desencadeada pelo surgimento da besta de dois chifres em Apocalipse 13, esse poder precisava necessariamente estar representado no cenário da crise final, descrito em Apocalipse 17”, ele pondera (p. 112). Essa besta seria também o oitavo rei. “Uma vez que os Estados Unidos não são representados em Apocalipse 13 como uma das sete cabeças da besta principal, mas como uma besta a mais, é também natural que, em Apocalipse 17, esse poder fosse representado como um oitavo, ou um rei acrescentado na sequência dos sete impérios anteriores” (p. 105).

A sugestão é bem-vinda para enriquecer o debate, mas tem fragilidades. Primeiro, as duas bestas possuem quantidades diferentes de chifres. A estrutura do simbolismo de poder da besta de Apocalipse 17 (sete cabeças e dez chifres) segue o padrão da primeira besta de Apocalipse 13, inspirada nas bestas de Daniel 7. Isso não se aplica à besta de dois chifres de Apocalipse 13. Na verdade, Daniel deixa claro que existem apenas quatro impérios globais na sequência profética, os quais se situam na região do Mediterrâneo e estão em relação direta com o povo de Deus. Roma é o último deles. Segundo, em nenhum lugar de Apocalipse 17 (ou mesmo 13) é sugerido que a besta da terra terá esse protagonismo todo no fim. Ela é o poder político-religioso que cria a imagem da besta do mar e exige a adoração a ela. Terceiro, a besta da terra é representada no complexo literário de Apocalipse 16–19 como o “falso profeta”. Em Apocalipse 16:12-14, aparecem três entidades distintas: o dragão, a besta e o falso profeta. Ao comparar Apocalipse 19:20 com Apocalipse 13:11-15, fica claro que a besta da terra e o falso profeta são a mesma entidade. Por fim, as bestas do mar e da terra (uma sob o simbolismo da besta escarlate e a outra sob o nome de falso profeta) têm o mesmo destino, sendo lançadas simultaneamente no lago de fogo (19:20b). Portanto, é muito pequena a chance de João ter identificado a besta de dois chifres (os Estados Unidos) com a besta escarlate e o oitavo rei em Apocalipse 17.

3. A besta de Apocalipse 17 é a besta do mar. A besta do mar em Apocalipse 13, uma fera composta com traços de leão, urso e leopardo (13:2), é modelada a partir dos animais de Daniel 7, que também surgem do mar (v. 2, 3). Esses monstros híbridos violam os limites da ordem criada e funcionam como inimigos perseguidores do povo de Deus. “Quando você examina cuidadosamente essa visão”, nota Jon Paulien, “percebe que as quatro bestas de Daniel 7 totalizam sete cabeças e dez chifres!” (Armageddon at the Door [Autumn House, 2008], p. 210). Segundo Ellen White, essa besta simboliza, “inquestionavelmente”, o papado (O Grande Conflito, p. 439). Mas seria a besta de Apocalipse 17?

Uma besta apocalíptica consiste no poder religioso controlando o poder civil para alcançar seus próprios objetivos e usando a máquina estatal para restringir a liberdade e perseguir os “dissidentes” que preferem seguir a lei divina. Em Apocalipse 13, esses dois aspectos estão unificados em uma só entidade (o papado, que detinha o poder religioso e o secular), enquanto em Apocalipse 17 eles aparecem separados, uma vez que a configuração final não será uma réplica fiel da estrutura medieval. Há uma pequena diferença na “formatação” da besta. Portanto, é essencial manter a distinção entre a “mulher” (sistema religioso) e a “besta” (poder civil controlado pelo sistema religioso). Os dois símbolos estão interligados, mas pertencem a campos diferentes e têm vida própria.

Há vários indícios que favorecem a identificação da “besta do mar” de Apocalipse 13 com a “besta do abismo” de Apocalipse 17. Para começar, a origem das duas parece ser a mesma, já que a palavra “abismo” pode simplesmente indicar a profundidade dos oceanos (Ap 13:1a; 17:8a). Em segundo lugar, as duas bestas têm sete cabeças e dez chifres (Ap 13:1; 17:3), um elemento identificador importante. Terceiro, a besta do mar foi ferida de morte e curada, enquanto a besta do abismo “era e não é mais, e está para emergir”, o que sugere um paralelismo relacionado ao período de inatividade/atividade como entidade perseguidora (13:3a; 17:8a). Quarto, “toda a terra se maravilhou” ao ver a besta do mar depois de sua ferida mortal ter sido curada, e igualmente os que “habitam sobre a terra” “se admirarão” ao ver “a besta que era e não é mais, mas tornará a aparecer” (13:3, 8; 17:8). Note que a última parte de 17:8 é basicamente uma repetição de 13:8, o que solidifica a relação entre essas bestas. Quinto, o dragão deu à besta do mar “o seu poder, o seu trono e grande autoridade”, ao passo que os “reis” oferecem à besta do abismo “o poder e a autoridade que possuem” (13:2b; 17:13). Sexto, ambas as bestas proferem arrogâncias e blasfêmias (13:5, 6; 17:3). Sétimo, uma besta vem da água (mar) e a outra carrega uma mulher sentada sobre as águas/povos (13:1a; 17:1b, 15). Por fim, a besta do mar persegue os santos, enquanto a besta do abismo carrega uma mulher “embriagada com o sangue dos santos” (13:7a; 17:6).

Existem outros paralelos e conexões, como o motivo do vinho de Babilônia, a queda dessa grande cidade e sua punição no fogo em ambos os contextos (14:8-11; 18:2, 3, 8, 9), mas os argumentos listados são suficientes. Há também diferenças, porém elas são menores. Em Apocalipse 17, por exemplo, os dez chifres não têm diademas/coroas, ao contrário do que ocorre no capítulo 13. Isso pode simplesmente indicar que a natureza do poder representado pelos chifres nesse momento é diferente da fase anterior ou que a sua autoridade foi retirada. Para Hans LaRondelle, os chifres com diademas representam as monarquias europeias do período medieval, enquanto os chifres sem coroas simbolizam as democracias que apoiarão a besta no fim (How to Understand the End-Time Prophecies of de Bible [First Impressions, 1997], p. 412). Por sua vez, a besta de Apocalipse 17 é escarlate, enquanto a cor da besta do mar em Apocalipse 13 não é mencionada. Mas a intenção pode ser associar a besta escarlate mais intimamente com o dragão.

4. A besta de Apocalipse 17 é o próprio Satanás. Essa ideia tem sido ventilada desde o início do século 20, mas ganhou força recentemente. Na época, o teólogo alemão Ernst Lohmeyer sinalizou que ainda não havia sido demonstrado que a besta que “era e não é mais”, “está para emergir do abismo” e “caminha para a destruição” deva ser entendida no sentido histórico. “Essas são expressões míticas relacionadas a um poder demoníaco que odeia Deus”, escreveu (Die Offenbarung des Johannes [J. C. B. Mohr, 1926], p. 142). Outros defenderam ideias parecidas. Para Robert L. Thomas, “cada cabeça da besta é uma encarnação parcial do poder satânico que reina por determinado período, de modo que a besta pode existir na Terra sem interrupção na forma de sete reinos consecutivos” (Revelation 8–22 [Moody Press, 1995], p. 292).

Entre os adventistas, Edwin Reynolds argumentou num artigo em 2003 que a besta escarlate é o próprio diabo. “Há somente uma besta que vai para o abismo no Apocalipse e dele sai novamente. É o dragão, descrito em 20:2 e 3 como estando preso no abismo por mil anos, então sendo solto por um pequeno período antes de ir para o lago de fogo”, escreveu (“The Seven-Headed Beast of Revelation 17”, Asia Adventist Seminary Studies 6 [2003], p. 101). Portanto, o teólogo associou a fase de inatividade do diabo (o período em que a besta “não é”) ao milênio (Ap 20). A volta de Satanás do abismo “é como o retorno dos mortos” (p. 103). Para Reynolds, a besta do mar é a sexta cabeça, enquanto a besta da terra, paradoxalmente, seria a sétima (p. 105, 106).

Em 2007, Ekkehardt Mueller, teólogo do Instituto de Pesquisa Bíblica da sede mundial da igreja, ampliou a análise e concluiu que, no Apocalipse, o abismo é o lugar da habitação dos demônios e está ligado com Satanás. “Portanto, a besta sobre a qual Babilônia se assenta, ou seja, a besta de Apocalipse 17, que está associada com o abismo e difere da besta do mar em Apocalipse 13, é mais bem compreendida como sendo Satanás, que opera por meio de poderes políticos” (“The Beast of Revelation 17: A Suggestion (Part I)”, Journal of Asia Adventist Seminary 10/1 [2007], p. 50). Na parte 2 do artigo, ele também defende que a fase “não é” da besta (Satanás, na visão dele) corresponde ao período da prisão do diabo durante o milênio (Journal of Asia Adventist Seminary 10/2 [2007], p. 157).

Essa interpretação tem méritos e será utilizada na síntese a seguir, mas simplesmente igualar a besta com Satanás é desconsiderar os fatos bíblicos. Primeiro, em nenhum lugar do Apocalipse o dragão (drakon) é chamado de besta (therion), embora um dragão ou serpente seja um animal/besta. Segundo, enquanto o dragão vem inicialmente do Céu (Ap 12:7-10), a besta escarlate surge do abismo (17:8), termo que em muitos casos no Antigo Testamento está associado com água (Gn 1:2). De fato, no Apocalipse o abismo é o reino satânico, mas nem tudo o que vem do abismo é Satanás em pessoa. Terceiro, a cor escarlate da besta não significa identidade com o dragão, mas apenas afinidade, uma vez que a mulher também usa roupa escarlate e não é o dragão. Nesse estágio, vemos um alinhamento: a prostituta, a besta e o dragão compartilham a mesma cor (12:3; 17:3; 17:4). As identidades deles quase se confundem, mas não chegam a esse ponto. Quarto, a mulher está simbolicamente montada na besta (17:3), uma posição de domínio e controle, o que não faria sentido se a besta fosse Satanás. Quinto, o fato de o dragão e a besta escarlate terem o mesmo número de cabeças e chifres (12:3; 17:3) não significa que os dois sejam a mesma entidade, pois a besta do mar também tem “dez chifres e sete cabeças” (13:1) e obviamente ela e o dragão são coisas distintas. Sexto, com base na frase “era e não é mais” (17:8), alguns acham que a besta em Apocalipse 17 seja uma paródia do Pai, “que é, que era e que há de vir” (1:4, 8; 4:8). Porém, conceitualmente, a paródia mais apropriada é com o Cordeiro, que foi morto, mas voltou a viver (1:18), fato aplicável à besta do mar, que “foi ferida à espada e sobreviveu” (13:14). Afinal, na estrutura do Apocalipse, o dragão parodia o Pai, a besta do mar imita o Filho e a besta da terra (o falso profeta) simula o Espírito Santo. Paródia é a “ferramenta perfeita” para desmascarar a pretensão e revelar o engano, nota Greg Carey (Elusive Apocalypse [Mercer University Press, 1999], p. 154). Além disso, os chifres/reinos oferecem sua autoridade à besta (17:13), o que seria estranho se ela fosse o diabo.

Finalmente, mas sem esgotar os argumentos, enquanto a besta e o falso profeta são lançados no lago de fogo por ocasião da volta de Cristo (19:20), o diabo é preso nessa ocasião, mas somente é lançado no lago de fogo depois do milênio (20:1-3). Para não deixar dúvida, o texto diz que, após os mil anos (20:7), Satanás “foi lançado no lago de fogo e enxofre, onde já se encontram a besta e o falso profeta” (20:10). Se a besta e o falso profeta (a besta da terra) já estavam lá, então o diabo não é a besta. A besta surge do abismo quase no momento em que o diabo está sendo confinado no abismo. A destruição dela é importante na estrutura literária, mas não é o clímax do enredo. Num livro ou filme, primeiro você destrói os personagens secundários, depois coloca os protagonistas cara a cara. Logo, igualar a besta com o diabo é errar por mil anos!

O diabo é muita coisa, inclusive o “protótipo” das bestas, mas não é a besta escarlate. O próprio Reynolds reconhece corretamente que o monstro que aparece em 13:1-10; 14:9, 11; 15:2; 16:2, 10, 13; 19:19, 20; e 20:4 e 10 “é consistentemente a besta do mar, conforme os respectivos contextos indicam” (Asia Adventist Seminary Studies 6 [2003], p. 101). Por que então a besta do abismo de Apocalipse 17 também não seria a besta do mar de Apocalipse 13? A origem abissal pode funcionar apenas como um adjetivo para qualificar a origem diabólica da entidade, sua ligação íntima com o diabo e sua disposição de cumprir o propósito dele.

O TEMPO

Se identificar a besta de Apocalipse 17 é difícil, estabelecer o tempo de sua atuação não é menos complicado. O que as cabeças representam e quando elas atuam? Em 17:8-14, o anjo transmite várias informações: (1) “a besta que você viu era e não é mais, e está para emergir do abismo, e caminha para a destruição”; (2) “as sete cabeças são sete montes” e “também sete reis”; (3) “cinco caíram, um existe e o outro ainda não chegou; e, quando chegar, tem de durar pouco tempo”; (4) “a besta, que era e não é mais, é também o oitavo rei, mas faz parte dos sete”; (5) os “dez chifres que você viu são dez reis, que ainda não receberam reino”; (6) eles “oferecem à besta o poder e a autoridade que possuem”; e (7) “lutarão contra o Cordeiro, e o Cordeiro os vencerá”.

Entre os historicistas há duas linhas principais de interpretação: uma começa com o Egito, um dos grandes impérios globais que perseguiram o povo de Deus ao longo da história; a outra começa com Babilônia, que é o ponto de partida das profecias de Daniel e que serve de base para essa parte do Apocalipse. As duas interpretações são possíveis, e os intérpretes adventistas estão divididos (veja o quadro). A primeira é mais simples, mas depende de raciocínio dedutivo e de inferências, embora João fale do Egito no contexto das pragas (Ap 16) e Isaías (30:6) chame o Egito de “Besta do Sul”. A segunda é mais complexa, mas tem base textual sólida.

A informação de que “um existe” (agora, o tempo presente) se refere (1) ao tempo de João, (2) ao período da ferida mortal ou (3) ao julgamento da meretriz no fim dos tempos? Jon Paulien acredita que o “agora” deve ser visto a partir da perspectiva de João. Ele se apoia em dois princípios: (1) Deus encontra os profetas onde eles estão, no seu tempo e em suas circunstâncias; e (2) durante a visão apocalíptica, o profeta pode navegar no espaço para qualquer parte do Universo e no tempo para qualquer época, mas a interpretação da cena sempre vem no tempo, no lugar e nas circunstâncias do vidente (Armageddon at the Door, p. 214).

Por outro lado, Hans LaRondelle ressalta que é importante coordenar as três fases da besta (era, não é e virá); “portanto, é mais ­razoável adotar o ponto de vista escatológico apresentado pelo próprio anjo” (How to Understand the End-Time Prophecies of the Biblep. 411). Para o teólogo, a besta na fase “era” representa a perseguição, ao passo que a fase “não é” simboliza o período sem perseguição, pois foi ferida (p. 412). Tonstad chama essas fases de “presença, então ausência, então presença”, mas prefere aplicá-las ao período em que o dragão delega seu poder para a besta do mar, desaparece, depois volta (Revelation, p. 246). Contudo, diz ele, Satanás nunca fica sem representação no mundo, mesmo na fase “não é”. “A linguagem descreve ausência, mas ausência não significa inexistência” (p. 250).

As duas perspectivas (a partir do Egito ou de Babilônia) são defensáveis, mas a segunda leva vantagem. Primeiro, o anjo transporta João “em espírito” para o deserto a fim de mostrar o julgamento da meretriz. Se ele é transportado a outra dimensão do espaço, o mesmo princípio vale para o tempo. Segundo, a estrutura profética/escatológica do Apocalipse trabalha com a moldura dos reinos de Daniel 7, que se iniciam com Babilônia. Considerando que Apocalipse 17 fala da Babilônia mística, faz mais sentido começar com Babilônia, até pelo motivo das “águas”, o qual está relacionado com a queda desse império. Terceiro, João viu então uma “mulher embriagada com o sangue dos santos e com o sangue das testemunhas de Jesus” (17:6). No 1o século, se pensarmos nos 1.260 de perseguição, isso ainda não havia acontecido. Quarto, o anjo informou que, nesse momento, a besta “era e não é mais” (17:8) e cinco das sete cabeças haviam caído. Isso não poderia se aplicar ao Império Romano do 1século, que ainda existia. Quinto, nessa fase, a mulher estava “sentada” sobre a besta (17:9), o que não poderia se aplicar à relação igreja/império no 1o século. Sexto, a informação sobre o “oitavo rei” que caminha para a destruição rápida (17:11) e sobre os dez reis (chifres) que ainda não tinham recebido reino e ofereceriam seu poder para a besta (17:12, 13) faz mais sentido no contexto do fim. Além disso, a besta e seus aliados fazem guerra contra o Cordeiro (17:14), o que indica um horizonte relacionado à volta de Jesus.

Por esses e outros motivos, tecnicamente é preferível o ponto de vista que enfatiza o julgamento da meretriz no tempo do fim. No entanto, a perspectiva adotada, desde que siga a interpretação historicista, não altera muito o resultado.

A SÍNTESE

A esta altura, você pode estar se perguntando: afinal, a besta escarlate de Apocalipse 17 deve ser identificada com o Império Romano, a besta da terra (Estados Unidos), a besta do mar (Roma papal), Satanás ou outra coisa? A resposta curta é: a besta escarlate do abismo é a besta do mar em sua fase recuperada da ferida mortal, que liderará uma confederação global com a ajuda da besta da terra e levará o mundo a um tempo de crise sem paralelo, culminando com um breve domínio do próprio Satanás personificado como Cristo. O dragão já estava presente por meio das cabeças, mas então se manifestará como um “oitavo” poder que, quebrando as regras da matemática, misteriosamente faz parte dos sete. No original, a palavra “rei” não ocorre depois de “oitavo” (ogdoos) em 17:11, tampouco aparece o artigo definido. Isso sugere que o numeral ordinal “oitavo”, um adjetivo masculino, embora relacionado com as cabeças, pertence a outra categoria. Pode ser uma referência ao diabo, que sintetiza e encarna a besta em si. Por ser a soma de tudo, ele é e não é um integrante do G7.

Exegeticamente, a ideia de que a besta do abismo seja a besta do mar em sua fase da ferida mortal curada é bem sólida. As inovações interpretativas mais recentes contribuíram com novos ângulos, mas esbarram nas informações do próprio texto bíblico. O Comentário Bíblico Adventista (CPB, 2015, v. 7, p. 943, 944), embora reconheça que a besta de Apocalipse 17 possua semelhanças com o dragão vermelho (Ap 12), sinaliza que ela tem mais afinidade com a besta do mar (Ap 13). O total de cabeças (sete) e chifres (dez) que caracteriza o dragão, a besta do mar e a besta do abismo estabelece uma conexão entre essas entidades que não pode ser desconsiderada.

Em todo o Apocalipse existem somente sete cabeças. Segundo Paulien, “a besta simboliza a confederação mundial de poder civil e secular” e “a imagem da besta de sete cabeças representa uma besta que vive, morre e ressurge sete ou oito vezes” (Armageddon at the Door, p. 136, 211). Por isso, a ênfase está na sétima cabeça, que volta do abismo. Esse aparecimento é descrito em 17:8 pelo verbo parestai, relacionado à palavra parousia, termo comum para a volta de Cristo (1Co 15:23, 1Ts 2:19, 1Jo 2:28, etc.). É como se o diabo ressurgisse na figura da besta para, finalmente, se apresentar como o falso Cristo.

Satanás é o poder por trás das ações da besta, controlando uma cabeça de cada vez. Porém, nos momentos críticos, a interação entre eles se acentua e suas ações se confundem. A besta usa o template do diabo, que usa a estrutura da besta. Há uma fluidez nos símbolos, sem suprimir a identidade. Além disso, assim como Satanás age por meio da besta, a besta atua por meio de seus chifres. Vou exemplificar.

Os oráculos contra Babilônia em Isaías 14 e contra Tiro em Ezequiel 28 começam falando dos reis dessas cidades, mas logo fica evidente que se referem a um ser sobrenatural (Lúcifer). É como se essas cidades fossem uma expressão direta do ser e do comportamento do diabo. Assim como Jesus é a personificação do reino de Deus, Satanás é a personificação do reino do mal, e os poderes imperiais são uma expressão de seu domínio.

Em Apocalipse 12, o capítulo central sobre o dragão e o conflito cósmico, vemos Satanás usando a potência romana como seu instrumento e quase se confundindo com ela. A tentativa inicial de matar o “Filho” da mulher em Apocalipse 12 se deu por meio de Herodes e a morte Dele ocorreu na jurisdição de Pilatos, representante do aparato romano. Por isso, ao falar sobre a “cadeia de profecias” que se inicia em Apocalipse 12, destacando a ação de Satanás por meio de seus agentes na época, Ellen White reconhece: “Assim, embora o dragão represente primeiramente Satanás, é também, em sentido secundário, símbolo de Roma pagã” (O Grande Conflito, p. 438). O mesmo princípio vale para o dragão e a besta em Apocalipse 17, apenas em ordem inversa: a besta escarlate representa primeiramente o aparato político-­militar que carrega a mulher, mas, em sentido secundário, simboliza também Satanás.

Ellen White identifica a “besta que surge do abismo” e faz guerra contra as duas testemunhas (Ap 11:7) como sendo a França ­ateísta, pervertida e sanguinária do período da Revolução Francesa (1789-1799). Entretanto, ela destaca a participação direta de Satanás: “Em muitas das nações da Europa os poderes que governaram na Igreja e no Estado foram durante séculos dirigidos por Satanás, por intermédio do papado. Aqui, porém, se faz referência a uma nova manifestação do poder satânico” (O Grande Conflito, p. 268). Logo à frente, no contexto do genocídio da noite de São Bartolomeu, em 1572, ela comenta que Satanás foi “o chefe invisível de seus súditos na horrível obra de multiplicar os mártires” (p. 272). Isso fornece uma lógica para dizer que, em momentos extremos de caos e perseguição, Satanás e a besta instrumentalizada por ele se confundem, mas sem perder a identidade.

É bom frisar que a besta do abismo que atuou na Revolução Francesa não era outra besta na sequência profética, mas uma extensão da besta romana/papal. O ataque de Paris a Roma, que depois acabaram se tornando cidades-irmãs, foi uma espécie de ferimento autoinfligido, numa prefiguração da destruição que a prostituta de Apocalipse 17 sofrerá pelos próprios apoiadores!

O texto mais explícito sobre a simbiose entre Satanás e as entidades que promovem sua agenda está em Apocalipse 13. Quando o dragão se põe “em pé sobre a areia do mar” (12:18), surge em seguida a besta do mar (13:1), parecida com ele. Simbolicamente, a besta senta-se no trono do dragão e age como se fosse ele, fazendo “toda a terra” se maravilhar (v. 3). Aqui o dragão e a besta, embora distintos, se identificam de tal maneira que se tornam objetos de adoração (v. 4).

Note que a besta da terra também fala como o dragão (v. 11). No caso da “besta francesa”, um antigo aliado se tornou inimigo de Roma e causou a ferida de morte, em 1798, ao destituir o papa; no caso da “besta norte-americana”, que se expandiu na mesma época, um tradicional inimigo de Roma se tornará aliado e causará a cura.

Por tudo isso, minimizar o papel da besta do mar em Apocalipse 17, apesar de sua ressurreição em Apocalipse 13 e de toda sua relevância na polarização final sobre adoração, seria deixar um personagem quase central sem desfecho, o que não acontece. Literariamente, João destrói a prostituta (17:16), fazendo um forte caso jurídico contra Babilônia e um longo lamento por sua queda (18, 19), e depois mata a própria besta (19:20). A morte do dragão só ocorre depois do milênio (20:2, 3, 10), o que inviabiliza cronologicamente a proposta de Reynolds e Mueller de equiparar a fase “não é” com o milênio.

Portanto, a besta escarlate de Apocalipse 17 é a nova manifestação da besta do mar de Apocalipse 13 que foi ferida e reviveu, e dessa vez encarnando ainda mais a crueldade do dragão. Trata-se de um retorno espetacular que deixará as pessoas admiradas ou deslumbradas (17:8). Em síntese, a besta de sete cabeças é a expressão fiel do dragão, mas não é o dragão. No ataque final contra Deus e Seu povo, essa besta contará com a ajuda da besta da terra e de uma confederação de aliados. Como diz uma nota na Bíblia de Estudo Andrews (p. 1671), a besta escarlate “representa o poder político do mundo inteiro apoiando a Babilônia do fim do tempo”. Os dez reis/reinos, número literal (dez nações ou entidades, com seu epicentro na Europa, território do Império Romano original) ou simbólico (uma confederação mundial, incluindo a virtual totalidade das nações), exercerão seu poder num momento decisivo da história. Instrumentalizados por Satanás, serão seus agentes e extensões do seu domínio. Mas por um curto período.

No fim, as coisas mudam. Sentindo-se enganados, sem proteção contra as pragas, os reinos (poder político-militar) destroem a “mulher” (sistema religioso) a quem haviam apoiado (17:16). E aqui a imagem do casamento é retomada. Enquanto o Cordeiro celebra as bodas com Sua linda noiva vestida com “linho finíssimo” e a protege (19:8), a besta e seus mínions destroem a prostituta, a deixam nua, servem sua carne e a queimam no fogo (17:16), sem que o dragão defenda sua amante. No reino do dragão, a infidelidade é norma.

Quando esse sistema religioso for destruído, Satanás assumirá a identidade de Cristo e se manifestará como a personificação Dele (2Ts 2:3-10; O Grande Conflito, p. 624). Mas isso não torna o diabo em si a besta escarlate, a estrutura humana que possibilitará seu domínio sobre o planeta por um curto período antes da volta de Jesus. Contra o dragão infiel e mentiroso, apoiado por sua monstruosa besta escarlate, o Cavaleiro Fiel e Verdadeiro, em Seu cavalo branco, guerreia com justiça e protege o reino (Ap 19:11).

O Apocalipse não é apenas uma obra-prima literária polissêmica, política ou anti-imperial, mas uma metanarrativa escatológica. Mais que um épico, é a história de uma guerra cósmica que envolve dragão, noivas, cidades e reinos. E, como em toda boa história, o clímax fica para o fim. Primeiro, o Noivo enfrenta a rainha má e destrói seu domínio; em seguida, prende o desafiante para destruí-lo mil anos depois. A questão é se estaremos do lado do Herói ou do vilão.

Marcos De Benedicto (via Revista Adventista)

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quinta-feira, 25 de agosto de 2022

PONTOS EM COMUM E EVITANDO CONFLITOS

PONTOS EM COMUM
Os adventistas do sétimo dia ocupam uma posição privilegiada quanto ao relacionamento com pessoas de outras denominações cristãs e religiões. Existem intersecções de valores que podem funcionar como ponto de partida para diálogos e parcerias com o intuito de melhorar as condições de vida de toda a família humana.

Por exemplo, os adventistas adotaram a abstinência de bebidas alcoólicas, um ponto em comum com os muçulmanos. Muitos adventistas também se abstêm de comer carne, ponto em comum com o hinduísmo e o budismo. A maioria dos adventistas evita as bebidas cafeinadas, ponto em comum com os mórmons. Mesmo os adventistas que comem carne se abstêm das que são consideradas imundas (Lv 11; Dt 14), ponto em comum com os judeus.

Em nível mais profundo, embora as nuances de conteúdo devam ser levadas em consideração, a crença na criação e na segunda vinda de Jesus à Terra, sugerida no nome “adventista do sétimo dia”, é compartilhada por religiões que enfatizam a intervenção escatológica divina para restaurar a justiça e a paz no mundo. Portanto, o adventismo é uma ponte oportuna para a maioria das religiões, e sua mensagem pode ecoar positivamente em vários contextos e culturas.

Há premissas filosóficas que influenciam o compromisso dos adventistas de construir pontes com pessoas de outras denominações, ou com ateus e agnósticos. Todas convergem na convicção de que Jesus Cristo é o “Desejado de todas as nações” (Ag 2:7-9, ARC), isto é, Ele é o Deus que as pessoas desejam profundamente conhecer, ainda que não estejam conscientes disso. Portanto, nosso diálogo é motivado pelo sincero desejo de testemunhar de Cristo, conforme O compreendemos a partir das Escrituras.

Entendemos também que, para dialogar, é preciso compreender o outro e ser compreendido por ele. Por isso, os adventistas procuram genuinamente conhecer melhor as crenças, as concepções de mundo e os valores de pessoas de outras religiões ou convicções, em seus próprios termos, de acordo com sua própria visão de mundo.

Existem várias declarações oficiais facilmente acessíveis que fornecem diretrizes a respeito de como os adventistas devem se relacionar com outras organizações religiosas. O livro Declarações da Igreja (CPB, 2012), traz alguns posicionamentos sobre o tema nas páginas 19-26, 133-138, 141-153.

Essas orientações giram em torno de uma abordagem positiva para com outras religiões e a necessidade de se garantir a liberdade de crença e autonomia para que todos possam testemunhar em favor de suas convicções. Adota-se a mesma abordagem quando se trata de pessoas que não professam nenhuma religião, adeptas de filosofias puramente seculares.

EVITANDO CONFLITOS
Para evitar equívocos ou conflitos em nossos relacionamentos com outras igrejas cristãs e organizações religiosas, vejamos algumas diretrizes que foram estabelecidas por Ellen G. White:

1. Agir com cautela - Sejam cautelosos em seus trabalhos, irmãos, não ataquem com demasiado vigor os preconceitos das pessoas. Não se deve sair do caminho para investir contra outras denominações, pois isso só cria um espírito combativo e fecha ouvidos e corações à entrada da verdade. Temos uma obra a fazer, a qual não é derrubar, mas construir. – Evangelismo, p. 574

2. Evitar barreiras - Não devemos, ao entrar em um lugar, criar barreiras desnecessárias entre nós e outras denominações, especialmente os católicos, de maneira que eles pensem que somos declarados inimigos seus. Não devemos despertar desnecessariamente preconceito na mente deles, fazendo ataques contra eles. – Evangelismo, p. 573

3. Enfatizar pontos em comum - Ao trabalharem em campo novo, não pensem ser dever de vocês declarar imediatamente ao povo: “Somos adventistas do sétimo dia; cremos que o dia de repouso é o sábado; acreditamos que a alma não é imortal”. Isso levantaria enorme barreira entre vocês e aqueles a quem desejam alcançar. Quando houver oportunidade, falem sobre pontos de doutrina sobre as quais vocês estão em harmonia com eles. Enfatizem a necessidade da espiritualidade prática. Deixem claro que vocês são cristãos, que desejam a paz e que amam essas pessoas. Que elas vejam que vocês são conscientes. Assim vocês ganharão a confiança; e depois haverá tempo suficiente para as doutrinas. – Obreiros Evangélicos, p. 119-120

4. Não afugentar as pessoas - Temos a solene responsabilidade de apresentar a verdade aos incrédulos da maneira mais convincente. Que cuidado devemos ter em não apresentá-la de maneira que possa afugentar homens e mulheres! Os mestres religiosos ocupam uma posição em que tanto podem realizar grande bem como grande mal. Cumpre-nos apresentar a verdade pela maneira por que Cristo disse a Seus discípulos que o fizessem — em simplicidade e amor. – Evangelismo, p. 143

5. Não desafiar - É nosso trabalho retirar de todas as nossas apresentações qualquer coisa que tenha o sabor de retaliação ou desafio, aquilo que poderia causar ações contra igrejas ou indivíduos, pois esse não é o caminho nem o método de Cristo. — Testemunhos para a Igreja, v. 9, p. 244

6. Não publicar críticas e acusações - Todo artigo que escrevemos pode ser inteiramente verdadeiro, mas, se contiver uma gota de fel, será veneno para o […] leitor. Por causa dessa gota de veneno, alguém irá rejeitar todas as nossas boas e aceitáveis palavras. Não recebemos a tarefa de reprovar ou proferir ataques pessoais em nossos periódicos. Essa atitude é enganosa. Lembremo-nos de que através de nossa atitude espiritual demonstramos que estamos nos alimentando de Cristo, o Pão da vida. Por nossas palavras, nosso temperamento e nossas ações, testificamos àqueles com quem entramos em contato que o Espírito de Cristo habita em nós. – O Outro Poder: Conselhos aos Escritores e Editores, p. 44

7. Considerar os pastores de outras denominações - É necessário que seja sempre manifesto que somos reformadores, mas não fanáticos. Quando nossos obreiros entram em um novo campo, devem buscar se relacionar com os pastores das várias igrejas do lugar. Muito se tem perdido por negligenciar isso. Se nossos ministros se mostrarem amigáveis e sociáveis, […] isso terá excelente efeito, e podem dar a esses pastores e a suas congregações impressões favoráveis da verdade. – Evangelismo, p. 143

8. Falar em outras igrejas - Talvez vocês tenham a oportunidade de falar em outras igrejas. Aproveitando essas ocasiões, lembrem-se das palavras do Salvador: “Portanto sejam prudentes como as serpentes e simples como as pombas”. Não despertem a malignidade do inimigo com discursos denunciadores. Assim vocês fecharão as portas à verdade. […] Refreiem toda expressão áspera. Tanto na palavra como na ação, sejam prudentes para a salvação, representando Cristo a todos com quem entrarem em contato. – Evangelismo, p. 563

RELAÇÕES ENTRE IGREJAS
Apesar de não fazerem parte das organizações ecumênicas que exigem adesão, os adventistas desfrutam do status de convidados ou observadores nas reuniões. A cooperação com outras denominações cristãs está de acordo com a visão que a Igreja Adventista tem dos demais cristãos. Reconhecemos “todas as organizações que elevam Cristo perante os homens como parte do plano divino de evangelização do mundo, e [...] têm grande estima pelos homens e mulheres cristãos de outras denominações que estão empenhados em ganhar almas para Cristo” (Declarações da Igreja, p. 152, 153).

Ellen White escreveu também algumas vezes sobre a necessidade de cooperação entre as igrejas. A respeito do debate público de sua época em torno de questões da temperança, ela aconselhou que os adventistas se unissem às pessoas que defendiam a mesma causa que eles (Testemunhos Para a Igreja, v. 6, p. 110). Em outra citação, ela orientou os pastores adventistas a orar pelos líderes de outras denominações, pois sobre esses homens, como “mensageiros de Cristo”, pesava grande responsabilidade (p. 78).