Há 44 anos acontecia numa cidadezinha chamada Bethel, há 80 km de Woodstock, interior do estado de Nova York, o maior festival de Rock da história. Meio milhão de jovens se reuniram entre 15 e 17 de agosto de 1969, para ouvir algumas das mais importantes bandas de rock da época, debaixo de muita chuva e em cima de muita lama.
Woodstock não foi apenas um festival de rock. Foi uma espécie de oficialização do rompimento daquela geração com os valores que norteavam a sociedade ocidental pós-guerra. No imaginário coletivo foi o momento e o lugar nos quais o inconformismo e a rebeldia de uma geração castigada pela Guerra do Vietnã se manifestaram plenamente.
Interessante que o nome Bethel nos remete ao lugar em que Jacó se encontrou com Deus pela primeira vez. Foi lá que ele, depois de ter fugido da casa de seus pais para não ser assassinado por seu raivoso irmão, viu o céu aberto, e anjos que transitavam entre o céu e a terra. A pedra que o patriarca usou como travesseiro foi erigida como altar, e o lugar passou a ser chamado “casa de Deus” (Bethel, em hebraico). Milhares de anos depois, uma multidão de jovens se reúne num lugar com o mesmo nome, para erigir um novo altar.
Na cultura semítica, altares eram erigidos como marcos, que identificavam o início de uma nova jornada, ou pelo menos, uma escala importante em uma jornada já começada. A partir de Woodstock, aquela geração passou a enxergar o mundo dividido em dois grupos, “nós” e “eles”. E o pronome “eles” era aplicado principalmente aos pais. O abismo entre gerações que antes era velado, e se dava de maneira discreta e quase silenciosa, agora tomava uma proporção inédita.
- Não queremos ser cúmplices do que vocês estão fazendo com o mundo! Diziam eles. - Queremos reinventar o mundo, sem guerras, sem fome, sem hipocrisia, onde impere a paz, o amor e o prazer.
Sem dúvida, aquela foi uma geração idealista e sonhadora. “Faça amor, não faça guerra” era o seu lema. Mas naquele Bethel faltou o principal: A conexão com o Deus de Jacó! No lugar de Deus, eles entronizaram outra trindade: droga, sexo e rock’n roll.
Quarenta e quatro anos depois, podemos verificar o que ficou de positivo ou negativo da rebeldia idealista da geração que contestou e mudou nossa visão do mundo. Woodstock revelou ao mundo a força que tem a juventude. E talvez a maior glória daquela geração tenha sido arrancar os Estados Unidos do Vietnã. Seu exemplo repercute até hoje no ativismo em defesa do meio ambiente e de outras causas justas. O jovem passou a ser visto como o centro do universo do consumo, o que até hoje pode ser verificado através do constante apelo publicitário direcionado a este público.
Infelizmente, aquele engajamento político e idealista não perdurou muito tempo. Aquela geração sequer conseguiu contagiar seus filhos com sua utopia. Por conta disso, as gerações seguintes perderam o interesse de mudar o mundo, voltando a priorizar a ascensão profissional e social.
As drogas que ingenuamente foram experimentadas como uma maneira de aguçar a percepção se tornaram instrumentos de fuga da realidade e de alienação. E o pior é que abriram a porta para o uso de drogas cada vez mais pesadas, cuja proliferação é a responsável pela difusão da criminalidade. O amor livre, antes pregado com orgulho e praticado sem o menor escrúpulo, revelou-se como promiscuidade, o que provocou um dos maiores pesadelos da juventude das décadas de 80 e 90: a Aids.
Até a música, antes usada para contestar, vendeu-se às grandes gravadoras e se tornou em mais um instrumento alienante da juventude. Pelo que tudo indica, o sonho acabou.
Mas nem tudo está perdido. Deus está convidando a nossa geração para um reencontro em Bethel. Um Woodstock onde o lema “Paz e Amor” receba a inclusão da palavra “Graça”. Um lugar onde as gerações se reencontrem e celebrem a possibilidade de um novo mundo. Em vez de abrir-se um abismo entre gerações, construiremos uma ponte para interligá-las.
Jacó estava fugindo da realidade, imaginando que poderia romper com tudo, e começar uma nova história. Mas em Bethel, Deus lhe apareceu em sonho para dizer-lhe: “Eu sou o Senhor, o Deus de Abraão, teu pai, e o Deus de Isaque. Esta terra em que estás deitado, Eu a darei a ti e à tua descendência” (Gn.28:13).
Agora Jacó se via situado no tempo e no espaço. A ponte entre nós, as gerações que nos antecederam e as que nos sucederão só será possível se houver uma escada que nos ligue aos céus. Na linguagem da geração Woodstock, Jacó teve o maior barato. Ele viu que havia uma ligação entre o céu e a terra. E é esta ligação que possibilita o ajuste entre nós, nossos contemporâneos, nossos antecessores e nossos sucessores.
Jacó, embasbacado com o que via, expressou-se: "Deus estava aqui e eu não sabia". Da mesma maneira, Deus estava em Woodstock naqueles três dias, mas ninguém ficou sabendo. Diz-se que algumas bandas como The Doors foram convidadas, mas preferiram não participar, achando que o festival seria um fiasco, por ser realizado num ambiente rural, em vez de no Central Park em Nova York. Tais bandas se arrependeram amargamente. Deus, mesmo não sendo convidado, fez questão de estar lá, conferindo in loco a angústia e os anseios daquela geração perdidamente sonhadora. Ele passeava entre os corpos nus e enlameados, compadecendo-Se de uma multidão que era como ovelhas sem pastor (Mt.9:36).
Sim, Deus esteve em Woodstock, mas não tocou alarde. Preferiu a discrição. Em outras palavras, Ele simplesmente deixou rolar. E a chuva que enviou não foi com a intenção de estragar a festa, antes, representava a Sua incompreensível Graça. Pena que ninguém ficou sabendo. Janis Joplin e Jimi Hendrix morreram sem saber. Talvez se tivessem sabido, ainda estariam por aí, nos brindando com suas habilidades musicais.
Creio firmemente que um novo Woodstock precisa acontecer. Não me refiro ao festival em si, mas àquilo que representou para o mundo. A atual geração está passando por uma fermentação que resultará em algo vultuoso, com desdobramentos espirituais, sociais e culturais. A qualquer momento eclodirá o despertar de uma nova visão de mundo. Um Woodstock pleno, sem drogas, sem promiscuidade, mas com graça, paz e amor.
Hermes C. Fernandes - Cristianismo Subversivo
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