sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

O que é DEUS para um não-crente que não acredita em nada?


“No Church in the Wild”, Jay-Z/Kanye West

Vivemos aproximadamente dois mil anos após o último ponto final do Novo Testamento ter sido dado. Desde então, a história do cristianismo se desenvolveu de uma maneira que, pela falta de outras palavras, vou simplesmente denominar de “complexa”. Ramificações teológicas, expansões missiológicas, refutações de heresias, relações entre o que hoje distinguimos como Judaísmo e Cristianismo vieram e se foram… Renascença, Reforma, Iluminismo, Modernidade… O nascimento da ciência moderna e a “morte de DEUS”… A história desde aquele último ponto final é, de fato, complexa. E nós –independentemente da nossa lucidez em avaliar o que compõe nossa bagagem de pressuposições– herdamos tudo isto. Toda a complexidade histórica que antecede nossa existência criou tanto o contexto em que articulamos a fé, como também o contexto em que a fé é rejeitada.

Com isto em mente:

A questão que irei brevemente contemplar neste texto (contemplar não necessariamente significa responder) é: o que é DEUS em um contexto de descrença, em um contexto secularizado, em um contexto religioso altamente superficializado? Há inúmeras avenidas em que esta discussão poderia ocorrer, mas aqui gostaria de trilhar apenas uma destas: a questão da comunicação.

Não é difícil atestar que palavras como “DEUS”, “cristão”, “crente”, “igreja”, “fé”, “bênção”, “poder” (dentre outras) já estão muito viciadas, desprovidas até de qualquer relação com o texto Bíblico em sua aplicação/funcionalidade atual. Por perderem esta relação fundamental com o vocabulário bíblico (para muitos desconhecido, inclusive), perderam também, consequentemente, sua relação com a realidade na ótica bíblica (já que adquiriram em algum momento um significado imposto alheio ao texto). Fora do contexto religioso, palavras como “pastor”, “bênção” e “poder” por exemplo, são compreendidas de forma negativa! São palavras vistas, respectivamente, como sinônimas de “ladrão”, “riqueza/exploração”, e “lorota”. Desta maneira há uma selva, um abismo entre palavras/conceitos bíblicos e a experiência humana contemporânea. E como diz a música citada no topo do texto: “não há igreja na selva”.

Do lado religioso, independentemente de denominação e tradição, pastores e líderes buscam incessantemente maneiras de criar uma ponte entre estes dois extremos (um desafio que também é antigo e tem origem nos primeiros séculos do cristianismo). Porém, o que gera preocupação é a escolha de como criar esta ponte e através de que meios. Uns apelam para técnicas de comunicação (tecnologia, linguagem de redes sociais, etc.); outros para a apologética como método alternativo de evangelismo (misturando um vocabulário científico e cultural com um religioso); outros, ainda, para roupagens aparentemente diferenciadas para os mesmos métodos tradicionais de evangelismo.

O que ocorre na maioria destes casos é simples: foca-se mais na maneira de se comunicar do que na mensagem propriamente dito (como se o conteúdo bíblico fosse algo antiquado e enfadonho que precisa de um upgrade no formato). O que não se percebe, porém, é que nesta ênfase, o meio se torna o fim. O vocabulário próprio da Bíblia se perde nas diferentes novas linguagens e referências que apresentam para o público um outro vocabulário por completo. Por exemplo: a “aproximação” humana ao Divino (e seus profundos significados na Bíblia) se torna “conexão” com DEUS, e por aí vai.

A Bíblia contém um vocabulário rico, um vocabulário capaz de mudar nossa perspectiva da realidade, nos fornecer novas e significativas maneiras de entender o aparente mistério chamado DEUS, o valor do ser humano, nossa relação com DEUS, outros seres humanos e com o mundo; um vocabulário capaz de nos mover à ação. Mas ao invés de enfrentarmos o desafio e a responsabilidade de entender e internalizar esse vocabulário, caímos numa recorrente tentação: a tentação de criar um novo vocabulário com sistemas, programas, referências –inteligíveis ou não– com o fim de mobilizar “crentes” à ação ao invés de crentes à conversão. A tragédia se completa quando o novo vocabulário não encontra equivalentes nas Escrituras, e, consequentemente, conduz crente e não crente à uma perspectiva distorcida da descrição da realidade que a Bíblia tece.

Se o desafio é comunicar, nosso dever primário é entender o vocabulário Bíblico. Entender o que deve ser comunicado antes de buscar inovação nos diferentes métodos de comunicação. Poucas coisas são mais irônicas do que se preocupar com a maneira de comunicar antes de entender o conteúdo a ser comunicado. Entender como as Escrituras descrevem a realidade da experiência humana e a partir disto conduzir outras pessoas –crentes ou não– a entender o que o texto tem a dizer, para onde ele aponta, e onde nos encaixamos na história… Eis um trabalho para uma vida toda!

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