sexta-feira, 21 de outubro de 2022

FALSO TESTEMUNHO NA REDE

Já virou um hábito! Basta uma brecha no trabalho, uma palestra tediosa, um bom sinal Wi-Fi por perto ou um smartphone com pacote de dados generoso para que o indicador continue seu movimento automático, quase involuntário, deslizando sobre a tela e um mundo de informações. Assim tem sido a rotina de milhões de pessoas nas redes sociais. O que não interessa cai no esquecimento; se algo compensar, quem sabe ganha um like, um comentário ou alguma crítica.

Redes sociais fazem de nós espectadores da vida. Porém, os inúmeros recursos oferecidos por essas plataformas digitais nos dão a possibilidade de não somente observar o que se passa na rede, mas de ser autores, promotores e incentivadores de qualquer ideia. É nesse ponto que vale a pena refletir sobre a maneira como temos utilizado esses espaços virtuais, considerando que eles têm tomado direções perigosas que esbarram em questões éticas, morais e espirituais.

Já nos acostumamos a ser inundados de postagens com pensamentos prontos, frases de efeito, memes, sátiras, ironias e insinuações. Muitas delas abordando situações do dia a dia e, diga-se de passagem, algumas muito criativas e engraçadas. Entretanto, temos observado o crescente número de conteúdos falsos, produzidos por grupos com interesses ideológicos, comerciais e políticos. São as chamadas fake news. De acordo com o Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) nos EUA, as notícias falsas se espalham 70% mais rápido do que as notícias verdadeiras. Já a consultoria internacional Trend Micro concluiu que se trata de um mercado consolidado que tem orçamentos que chegam a 400 mil dólares. Com essa verba, é possível criar uma celebridade digital ou manipular um processo de decisão. De fato, temos constatado o papel delas na formação da opinião pública sobre os diferentes temas da atualidade.

Não podemos esquecer que tudo o que falamos ou fazemos exerce algum tipo de impacto na vida de outras pessoas. Nosso comportamento nos ambientes virtuais pode igualmente influenciar a maneira de outros pensarem e agirem, tanto para o bem quanto para o mal. Em um tempo tão solene, infelizmente muitos cristãos estão desperdiçando as boas oportunidades que são oferecidas de promover o bem, a paz e o amor. Em vez disso, preferem transformar as redes em campos de guerra ideológica, política e religiosa. Alguns, de maneira intransigente e descuidada, ignoram a possibilidade de se tornarem agentes de uma eventual fake news quando postam ou compartilham conteúdos sem se certificar da autenticidade da informação.

Considerando a maneira como Deus deseja que vivamos, a questão é mais grave do que parece. Nosso papel é restaurar a verdade, não propagar a mentira. Os adventistas têm dado grande ênfase na obediência à Lei de Deus, os dez mandamentos, com especial destaque no quarto mandamento, que diz respeito ao sábado como dia sagrado. Contudo, consideramos que os outros nove devem ser igualmente praticados, inclusive o nono, que afirma: “Não darás falso testemunho contra o teu próximo” (Êx 20:16, NVI). Não seria o caso de pensarmos na grave possibilidade de milhões de usuários virtuais se enquadrarem em uma rotineira transgressão do nono mandamento quando atribuem a personalidades, políticos, autoridades e a outras pessoas frases descontextualizadas, pensamentos distorcidos ou vídeos editados com propósito de defender seus próprios interesses?

No meio jurídico, testemunhar a respeito de alguém é tão sério que pode ser determinante sobre uma decisão judicial a favor ou contra determinada pessoa. No ambiente virtual, cada notícia falsa que é compartilhada e viralizada seguramente cumprirá seu propósito de difamar e denegrir a pessoa mencionada, podendo trazer sérias consequências psicológicas e emocionais sobre a mesma. Nesse sentido, Fernando Peres, advogado especialista em direito digital e crimes cibernéticos, expressa que os usuários são virtuais, mas as vítimas são reais.

Contrariamente, há quem possa dizer que rede social é um amplo espaço para discussão das questões contemporâneas, e que seu uso, ainda que de forma inadequada, deve ser aproveitado para denunciar conceitos filosóficos, ideologias, assim como falhas de líderes políticos e religiosos. Entretanto, considere a seguinte questão: Seria essa a missão do povo de Deus para os dias finais da Terra? Não deveríamos gastar mais energia na tarefa de amar e apresentar o Cristo Salvador ao próximo do que em batalhas virtuais? Alguns têm manifestado uma verdadeira obsessão em sempre levar a melhor em debates e discussões. Contudo, a Palavra de Deus adverte que “nossa luta não é contra pessoas, mas contra os poderes e autoridades, contra os dominadores deste mundo de trevas, contra as forças espirituais do mal nas regiões celestiais” (Ef 6:12, NVI). Este é um conflito sério demais para ser reduzido a um ambiente virtual com cristãos armados com frases de efeito ou imagens convincentes.

Aqui na Terra, Cristo venceu o mal propondo uma revolução. Não um levante contra o corrupto sistema vigente. A revolução de Cristo consistia numa deflagrada reversão dos efeitos do pecado sobre cada pessoa, materializada em cada gesto de amor, em cada sofrimento aliviado, ou então numa singela palavra compassiva. Assim, Cristo transformou pessoalmente um ser humano de cada vez, preparando-o para sair deste mundo, e não para ficar nele.

Ser um militante da rede pode fazer alguém parecer engajado nas questões sociais, mas isso não passa de uma fantasia particular. Sendo assim, será que vale a pena querer mudar o mundo pela tela de um celular, correndo o risco de violar princípios eternos, principalmente o nono mandamento?

Ellen G. White orientou: “Cultivem o hábito de falar bem do próximo. Detenham-se sobre as boas qualidades daqueles com que estão associados e olhem menos possível para seus erros e fraquezas” (A Ciência do Bom Viver, p. 492). Faça logoff das teorias, objeções, tumultos e insurreições e login na prática do serviço, amor e serenidade do evangelho. Todas as partes envolvidas só terão a ganhar.

Marco Santana (via Revista Adventista)

Nota do blog: Segue mais um comentário precioso de Ellen G. White: 

"A intenção de enganar é o que constitui a falsidade. Por um relance de olhos, por um movimento da mão, uma expressão do rosto, pode-se dizer falsidade tão eficazmente como por palavras. Todo o exagero intencional, toda a sugestão ou insinuação calculada a transmitir uma impressão errônea ou desproporcionada, mesmo a declaração de fatos feita de tal maneira que iluda, é falsidade. Este preceito proíbe todo esforço no sentido de prejudicar a reputação de nosso próximo, pela difamação ou suspeitas ruins, pela calúnia ou intrigas. Mesmo a supressão intencional da verdade, pela qual pode resultar o agravo a outrem, é uma violação do nono mandamento" (Patriarcas e Profetas, p. 309).

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