segunda-feira, 10 de fevereiro de 2020

Afinal, o Brasil é um Estado laico ou não?

Jair Bolsonaro foi eleito em uma plataforma ostensivamente cristã, que prometeu inclusive proteger e avançar a causa da religião. Neste último sábado, ele foi ao estádio Mané Garrincha, em Brasília, para prestigiar o The Send. O evento cristão aconteceu simultaneamente, em três estádios do Brasil. Em discurso, ele falou: "Estou aqui porque acredito no Brasil e nós estamos aqui porque acreditamos em Deus. O Brasil mudou, palavras antes proibidas começaram a se tornar comum: Deus, família e pátria. Vocês foram o ponto de inflexão decidindo mudar o destino do Brasil. Devo a Deus a minha vida e a vocês a missão de dar um norte no país. O estado pode ser laico, mas Jair Bolsonaro é cristão". Há três anos, ainda candidato à presidência, ele atacou o conceito de Estado laico dizendo: “Deus acima de tudo. Não tem essa historinha de Estado laico não. O Estado é cristão e a minoria que for contra, que se mude. As minorias têm que se curvar para as maiorias”. Mas afinal, o Brasil é um Estado laico ou não?

Um Estado é considerado laico quando promove oficialmente a separação entre Estado e religião. A partir da ideia de laicidade, o Estado não permitiria a interferência de correntes religiosas em assuntos estatais, nem privilegiaria uma ou algumas religiões sobre as demais. O Estado laico trata todos os seus cidadãos igualmente, independentemente de sua escolha religiosa, e não deve dar preferência a indivíduos de certa religião.

O Estado também deve garantir e proteger a liberdade religiosa de cada cidadão, evitando que grupos religiosos exerçam interferência em questões políticas. Por outro lado, isso não significa dizer que o Estado é ateu, ou agnóstico. A descrença religiosa é tratada da mesma forma que os diversos tipos de crença.

Mesmo com maioria católica, com uma estimativa de 127 milhões de fiéis, o Brasil é oficialmente um Estado laico, ou seja, adota uma posição neutra no campo religioso, busca a imparcialidade nesses assuntos e não apoiando, nem discrimina nenhuma religião.

Apesar de citar Deus no preâmbulo, a Constituição Federal afirma no artigo 19, inciso I:

“É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I – estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público.”

Esse trecho de nossa Constituição determina, portanto, que o Estado brasileiro não pode se manifestar religiosamente. Também vale notar que o artigo 5º, inciso VI também diz:

“É inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;” 

Dessa forma, a liberdade religiosa na vida privada está completamente mantida, desde que devidamente separada do Estado. O Brasil tornou-se um Estado laico com o Decreto nº 119-A, de 07/01/1890, de autoria de Ruy Barbosa.

Josias Bittencourt, professor do curso de Direito do Unasp, campus Engenheiro Coelho (SP), explica como deve ser a relação entre Religião e Estado: "Muita gente comete o grande erro de interpretar os conceitos de Estado Laico e Liberdade Religiosa como sinônimos. Eles são conceitos interligados. O Estado Laico – que integra o conceito de Estado Democrático de Direito – tem como objetivo “separar” e “afastar” as mútuas interferências entre Religião e Estado. Por sua vez, a liberdade religiosa é o direito que todo cidadão possui de expressar e praticar a sua crença. Conforme a Constituição Federal do Brasil, o poder público está proibido de instituir (organizar) cultos, embaraçar (dificultar) a organização religiosa, e subvencionar (doar dinheiro, bens) às igrejas, mesquitas, sinagogas, etc. Acredito que o Estado Laico não é absolutamente neutro; defender a sua total imparcialidade é uma utopia, uma vez que se trata de uma entidade gerenciada por pessoas, que carregam consigo crenças políticas e religiosas. O Direito justo é o instrumento adequado para amenizar divergências e intolerâncias e gerenciar a relação entre Religião e Estado."

Ainda, segundo Bittencourt, "precisamos discutir formas mais adequadas para efetivar os conceitos de Estado Laico e Liberdade Religiosa. Há a necessidade de inibir as ações dos fundamentalistas e intolerantes político-religiosos e interpretar adequadamente as normas para aplicá-las na comunidade globalizada. Creio que no atual mundo globalizado alguns assuntos ganharão mais relevância e debates, como: (1) direito à vida; (2) verdade religiosa; (3) criacionismo e evolucionismo; (4) ensino religioso nas escolas; (5) casamento; (6) homossexualidade; (7) símbolos religiosos no espaço público; (8) dias santificados; (9) imunidade de impostos; e (10) indenização por danos morais. São temas conexos que, obviamente, não podem ser ignorados nem ficar alheios aos debates acadêmicos e sociais."

Como você pode perceber, a laicidade é um tema que gera muitas controvérsias, pois implica a manutenção de um equilíbrio tênue entre liberdade de crença e imparcialidade do Estado em relação à religião. Esse equilíbrio é delicado, mas tem como benefício esperado um Estado que respeita a diversidade de crença existente dentro da população.

Os adventistas do sétimo dia apoiam enfaticamente a separação Igreja-Estado. A Igreja possui o Departamento de Relações Públicas e Liberdade Religiosa que incentiva, onde for possível, a necessidade de um Estado laico. Por isso, a igreja tem sido ativa por mais de 100 anos em defender a liberdade de religião das pessoas independente de sua fé. 

No fim do século 19, em 21 de junho de 1889, nossos pioneiros fundaram a Associação de Liberdade Religiosa Nacional. Eles assinaram uma Declaração de Princípios, que incluía a declaração: “Acreditamos que é o certo e que deve ser o privilégio de todo homem adorar de acordo com o que dita a sua própria consciência.” A igreja publicou, então, sua primeira declaração de liberdade religiosa e organizou o Departamento de Assuntos Públicos e Liberdade Religiosa. Desde então, esse tem sido um assunto importante para os adventistas. Está profundamente arraigado na compreensão adventista da Bíblia, na sua história e é parte da vida da igreja.

Em 1893, foi organizada e patrocinada pela Igreja Adventista do Sétimo Dia a Associação Internacional de Liberdade Religiosa (Irla). Seu propósito é universal e não sectário dedicado à causa da liberdade religiosa. A Irla tem representação permanente nas Nações Unidas e organiza conferências, congressos, festivais de liberdade religiosa, além de ter vasta literatura publicada. Fazem parte da direção da Irla, em seu Conselho Administrativo, diversos segmentos religiosos. É uma organização sem fins lucrativos e está ativa por meio de seus afiliados em mais de 200 países.

O Seventh-day Adventist Church State Council (Conselho de Estado da IASD) serve para proteger os grupos religiosos da legislação que possam afetar suas práticas religiosas. Os adventistas promovem em todo o mundo simpósios nesse assunto. Nos Estados Unidos publicam uma revista especializada em liberdade religiosa, chamada Liberty.

Assista também ao vídeo do prof. Leandro Quadros falando sobre esse assunto:

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