segunda-feira, 17 de agosto de 2020

Deus também chora

Se Deus é compassivo e sensível, por que permite que o estupro aconteça? Por que Ele não faz algo para limitar ou impedir esse tipo de violência que machuca tanta gente? Neste breve artigo, vou tentar responder a essa complexa questão, mostrando que Deus considera sagrada a dignidade humana, que Ele não é o responsável pela existência do mal e do sofrimento, e como as famílias e comunidades religiosas podem representar o caráter amoroso de Deus demonstrando sensibilidade para com as vítimas de estupro.

No Antigo Testamento, por exemplo, há 3,5 mil anos, os maus tratos de um homem para com uma mulher eram levados muito a sério. A lei determinava que, se alguém seduzisse uma virgem, chegando a ter intimidade sexual com ela, deveria pagar o dote e casar-se com a moça (Êxodo 22:16-17). Por sua vez, no caso do estupro de uma mulher, o agressor era passível de pena de morte (Deuteronômio 22:25-27). Conforme explica o Holman Illustrated Bible Dictionary, a legislação dada por Deus a Moisés previa a proteção dos direitos da vítima, tanto para sua compensação financeira quanto para a recuperação de sua dignidade (p. 1.365).

Nos tempos do Novo Testamento, por sua vez, há 2 mil anos, Jesus classificou o adultério não simplesmente como um ato de contato corporal, mas como um pensamento desvirtuado que precede a ação. Na visão do educador e teólogo D. Robert Kennedy, o modo pelo qual Cristo confirma os mandamentos do Antigo Testamento (Mateus 5:28), aprofundando o sentido e a aplicação deles, eleva o valor do ser humano e se opõe frontalmente às paixões que motivam o estupro (revista Ministry, fevereiro de 1995). 

Portanto, não é preciso ser profundo conhecedor da Bíblia para perceber que Deus se revela por meio dela e é claramente contra a exploração sexual. Para Ele, as relações sexuais são retratadas como sagradas, idealizadas exclusivamente para o contexto de estabilidade, aceitação e proteção do casamento. Se dependesse apenas de Deus, a liberdade humana nunca seria utilizada para tornar a sexualidade uma experiência vulgar, frustrante ou humilhante. 

DEUS NÃO PODE SER CULPADO 
Na Bíblia, Deus sempre é apresentado como alguém misericordiosamente preocupado com as pessoas. Ele é descrito como cheio de compaixão pelos seus frágeis filhos (Êxodo 34:6 e 7, Mateus 20:34 e Lucas 7:13). E, embora não perdoe cegamente, é sempre orientado pelo princípio da justiça (1Jo 1:9). Além disso, Ele é retratado como um refúgio, porque sob suas mãos podemos encontrar proteção e segurança (Salmos 18:1 e 2; 27:5; 46:1; 125:2). Portanto, esses textos deixam claro que Deus tem um caráter irrepreensível e que não pode ser culpado pelo estupro ou qualquer tipo de violência.

Porém, como explicar a existência do mal? Deus criou Adão e Eva, os pais da humanidade, com responsabilidade moral, o que lhes permitiu fazer escolhas. Foi o mal uso dessa liberdade que acarretou a entrada do sofrimento na Terra (Gênesis 2:17; 3:16-19). Segundo o teólogo Hans Schwarz, no livro The Human Being: A Theological Anthropology, o ser humano é um agente moral livre, e como tal deveria desfrutar de sua liberdade com responsabilidade; em outras palavras, em obediência a Deus. Mas o Todo-poderoso não poderia ter evitado que Adão e Eva tivessem a queda moral? O que Ele poderia ter feito, Ele fez: avisou sobre as consequências mortais da desobediência. Porém, intervir na escolha deles seria violentar a liberdade humana. Deus idealizou e criou um mundo em que seres inteligentes agissem por conta própria e com responsabilidade. Isso implicava riscos, e o estupro é um deles. 

NÓS PODEMOS SER SENSÍVEIS 
Se por um lado a Bíblia apresenta um plano original que foi comprometido pela irresponsabilidade humana, por outro, ela não nos deixa sem esperança (1 Coríntios 15:21), pois retrata Deus intervindo para restaurar o que foi perdido (2 Coríntios 5:19 e Apocalipse 21:1-4), fazer justiça (Hebreus 10:30) e logo pôr fim à extensão do mal (Malaquias 4:1). Enquanto isso não ocorre, Ele espera que os seres humanos sensíveis à sua voz minimizem o sofrimento alheio. 

As orientações abaixo, oferecidas pelo ministério cristão Focus on the Family, podem ajudar você a amparar alguém que foi violentado. 

1. Mostre solidariedade. Talvez muitas mulheres não procurem ajuda porque temem que ninguém acredite nelas. Assim, é preciso aproximar-se da vítima demonstrando dignidade e respeito. Foi justamente isso que fez o samaritano da parábola contada por Jesus, que auxiliou o ferido na estrada de Jerusalém para Jericó (Lucas 10:30-35). Ele não se preocupou em saber quem era a vítima ou quais riscos ele corria ao se aproximar do ferido. Apenas demonstrou respeito e promoveu a dignidade humana. 

2. Proteja e inspire confiança. É comum que a vítima se sinta insegura, com medo. Por isso, é importante oferecer cuidado e proteção, criando um senso de segurança e confiança, essenciais para a recuperação. Foi isso que Cristo fez quando se colocou ao lado da mulher acusada de adultério, não para ser conivente com o erro dela, mas para protegê-la e mostrar que a confiança e o perdão são mais fortes do que o medo (João 8:11). 

3. Ofereça apoio emocional. Quem passou pelo sofrimento do estupro tende a carregar o peso da falsa culpa e da vitimização. É necessário que essa pessoa enxergue que não é culpada e que pode superar essa etapa da vida, pela graça e poder de Deus. Nesse caso, a mensagem do apóstolo Paulo é especialmente poderosa: “Tudo posso naquele que me fortalece” (Filipenses 4:13). 

4. Seja paciente. O estupro implica sofrimento intenso e a vítima precisará de bastante tempo para se recuperar. Por isso, é preciso ter paciência para não cobrar “resultados” imediatos. É necessário praticar o ensino de Mateus 11:28: receber as pessoas de braços abertos e ajudá-las a lidar com suas dores.

A toda vítima de estupro, que derrama lágrimas e sofre pela tragédia dessa experiência, Deus diz: “Eu conheço suas lágrimas; Eu também chorei. Aqueles pesares demasiadamente profundos para serem desafogados em algum ouvido humano, Eu os conheço. Não pense que está perdida e abandonada. Ainda que sua dor não encontre eco em nenhum coração na Terra, olhe para Mim e viva!” (Ellen White, O Desejado de Todas as Nações, p. 483, trecho adaptado). 

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