quarta-feira, 2 de fevereiro de 2022

JULGAMENTO PRÉVIO

Quando o assunto é pecado, também sempre aparece, mesmo sem ser convidado, um intruso chamado julgamento prévio. Esse tal às vezes vem escondido – se nos bolsos de paletós bem cortados ou na mochila surrada, não importa -, mas sempre vem. Diz-se por aí que é fácil identificar pecados na conduta das pessoas. Alguns chegam a se apoiar nas palavras bíblicas "pelos seus frutos os conhecereis" (Mateus 7:20) para explicar sua atitude covarde e desleal. O que não percebem é que o texto diz "pelos seus frutos os conhecereis" e não "pelos seus frutos os condenareis".

Ellen G. White diz: “Aquele que é culpado de erro é o primeiro a suspeitar do erro. Condenando o outro, está ele procurando ocultar ou desculpar o mal do próprio coração. Foi por meio do pecado que os homens adquiriram o conhecimento do mal; tão depressa havia o primeiro casal pecado, começaram a se acusar um ao outro e é isto que a natureza humana inevitavelmente fará, quando não se ache controlada pela graça de Cristo" (O Maior Discurso de Cristo, p. 126).

Condenar tem que ver com pecados, é verdade. Palavras ditas, roupas vestidas ou desvestidas, comidas e bebidas, presença em lugares "impróprios", ausências das mais diversas – isso, segundo a ótica vesga de quem ousa julgar, traduz o completo sentido do que seja pecado e essa é a munição de que precisam para seus ataques grosseiros e intempestivos.

Conhecer é algo totalmente diferente. Condenar é fácil, conhecer é difícil. Condenar só leva de nós um pouco de saliva e uma dúzia de palavras arrogantes. Conhecer exige mais. Exige atenção para observar o todo. Exige tempo para a maturação dos frutos (atos). Exige espaço para a dúvida. Exige humildade para perceber a ignorância. Exige ousadia para a repreensão. Exige consagração para a intercessão. Exige, sobretudo, um milagre: o perdão.

Quem simplesmente condena, desconhece a existência de algo errado na vida das pessoas erradas (e uma delas sou eu), algo além de seus muitos pecados: o pecado (em sua essência). Desconhecem a existência do vírus que percorre as veias dos atos e até dos pensamentos de todos nós, os azarados escolhidos para viver neste planeta errado.

Não faz muito tempo, ouvi a história de uma viagem num trem lotado. Era mais um daqueles dias que amanhecem frios e tristes do inverno europeu. Em um certo vagão iam pessoas normais, com destinos normais, para atividades normais, em um dia normal. Não queriam muita coisa, só o silêncio frio no vagão já lhes bastava. De repente, um choro de criança rouba-lhes o último privilégio. As pessoas acordaram, entreolharam-se, e como se o choro não fosse parar nunca mais, um homem se adiantou aos pensamentos da maioria e gritou: "Alguém aí dê um jeito nessa criatura!"... Silêncio por um momento. Mas a desculpa tímida veio do homem que tinha o bebê nos braços: "Desculpem-me, senhores. É que o meu bebê não dormiu a noite toda. Minha esposa morreu, seu corpo está no vagão de cargas. Vamos em direção à nossa cidade natal para enterrá-la, mas eu não sei muito bem como acalmar meu pequeno... desculpem-me". O primeiro homem se calou envergonhado, duas mulheres se aproximaram para ajudar, o nenê dormiu e a viagem seguiu.

O pecado é um grito desajeitado em meio ao silêncio harmonioso da criação de Deus. O pecado fez até o próprio Deus chorar. Há quem só perceba, e chegue mesmo a condenar, o choro das crianças no vagão dessa vida ingrata e desconheça a história do Pai que sofre.

Antes de usar os dedos para condenar, use os joelhos para orar.

Antes de condenar, conheça.

"Se Cristo está em vós, 'a esperança da glória', não estareis dispostos a observar os outros, a expor-lhes os erros. Em lugar de procurar acusar e condenar, tereis como objetivo ajudar, beneficiar, salvar. Ao lidar com os que se encontram em erro, atendereis à recomendação: Olha 'por ti mesmo, para que não sejas também tentado' (Gálatas 6:1). Procurareis lembrar as muitas vezes que tendes errado, e quão difícil vos foi achar o caminho certo uma vez que dele vos havíeis apartado. Não impelireis vosso irmão para mais densas trevas mas, coração cheio de piedade, falar-lhe-eis do perigo em que está" (O Maior Discurso de Cristo, p. 128).

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