terça-feira, 12 de abril de 2022

PÚLPITO NÃO É LUGAR DE POLÍTICA

Como disse Hermes C. Fernandes, conferencista, autor, psicólogo e doutor em Ciência da Religião em seu blog, "uma igreja que converteu seu púlpito em palanque político precisa se desconverter. 
Um pastor que se converteu em cabo eleitoral tem que se desconverter ou abandonar o ministério".

Política é o palco do poder. E poder é a imposição de uma vontade sobre a outra. Sempre que a vontade de alguém é substituída pela de outra pessoa estamos diante de uma manifestação de poder e, portanto, de algum nível de política. Geralmente, as discussões políticas giram em torno da busca por um mundo melhor construído pelo homem. Entretanto, de acordo com a cosmovisão bíblica, isso é impossível. Como reflexo de nossa realidade, as discussões sobre ideologias políticas também alcançaram os líderes religiosos. Contudo, parece que esse assunto não deveria ocupar o tempo dos ministros do evangelho. Ellen White escreveu: “O Senhor quer que Seu povo enterre as questões políticas. Sobre esses assuntos, o silêncio é eloquência. Cristo convida Seus seguidores a chegar à unidade nos puros princípios evangélicos que são positivamente revelados na Palavra de Deus.”1

Líderes cristãos podem defender plenamente algum posicionamento político? O uso do púlpito para a promoção de veículos de propaganda política não está de acordo com o documento oficial que instrui a respeito da postura dos adventistas em relação à política. De acordo com o documento, a IASD “não autoriza o uso do espaço físico de seus templos, sedes administrativas e instituições para qualquer tipo de propaganda político-partidária-eleitoral”; e alerta que pastores “devem ter constante cuidado para não dar declarações que demonstrem preferências por ideologias, candidatos ou partidos.”

Poucas questões políticas são verdadeiramente espirituais. A liberdade religiosa é uma delas; possivelmente, a de maior relevância. É também a mais recorrente na história. A Bíblia mostra casos de violência e de perseguição gerados simplesmente contra a liberdade que as pessoas têm de adorar a Deus. As histórias de Sadraque, Mesaque e Abede-Nego, Daniel, Estevão e Paulo dão testemunho disso. Mesmo que os cristãos reconheçam o papel da autoridade temporal (Mc 12:13-17; At 26:9-12; Rm 13:1-7; 1Tm 2:1, 2; Tt 3:1, 2; 1Pe 2:13-17), continuam sendo alvo de perseguição por parte de outros indivíduos por causa da liberdade religiosa. 

Um segundo aspecto também merece atenção. Quando alguém se torna cristão, ele admite a cosmovisão bíblica como normativa para si. A Bíblia se torna o critério pelo qual a realidade é julgada, incluindo as ideologias políticas, filosóficas, científicas ou de qualquer outra natureza que se apresentem. Assim, caso o cristão queira adotar uma ideologia para viver, ela competirá com a autoridade da Palavra de Deus, e o resultado desse embate mostrará o que é mais importante para ele: se as Sagradas Escrituras ou as ideologias humanas. Ainda, se o reino de Deus não é deste mundo (Jo 18:36), e se os filhos de Deus também não são (Jo 17:14, 16, 18), por que adotar uma ideologia do mundo? Por acaso, querem viver no mundo para sempre? A admoestação de Paulo parece ser apropriada nesse sentido: “Tenham cuidado para que ninguém os escravize a filosofias vãs e enganosas, que se fundamentam nas tradições humanas e nos princípios elementares deste mundo, e não em Cristo” (Cl 2:8, NVI).

Independentemente das condições de vida de um país, a Bíblia chama as pessoas a se arrepender e crer no evangelho, proclamando que o reino de Deus está próximo. Essa é a essência da mensagem divina do Antigo ao Novo Testamento. Esse é o cerne da pregação dos reformadores do século 16, dos mileritas do século 19 e dos adventistas até a segunda vinda de Jesus. Todos os mensageiros evangélicos da história viveram em cidades com melhores ou piores condições de vida, com gente brigando por poder, mas não colocaram sua atenção no sistema nem nas circunstâncias. Em vez disso, pregaram a mensagem de juízo e de salvação, levando os ouvintes a decidir sobre seu destino eterno.

Se não pregarmos a Bíblia, quem pregará? Se misturarmos a Bíblia e a política, a Palavra de Deus será rebaixada à condição humana. Se os ministros de Deus se concentrarem nas coisas deste mundo, quem serão os pregadores do evangelho de Jesus? Quem anunciará a esperança da vida eterna? A quem as pessoas recorrerão quando quiserem aprender as Escrituras? “Todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo. Como, porém, invocarão Aquele em quem não creram? E como crerão Naquele de quem nada ouviram? E como ouvirão, se não há quem pregue?” (Rm 10:13, 14). “Vós sois o sal da Terra; ora, se o sal vier a ser insípido, como lhe restaurar o sabor? Para nada mais presta senão para, lançado fora, ser pisado pelos homens” (Mt 5:13).

Se um pastor acha que prestaria um serviço melhor à humanidade por meio da política, não deveria ser coerente e deixar o ministério pastoral, dedicando-se à carreira política integralmente? Ellen White foi muito contundente quanto a esse assunto, ao escrever que “todo mestre, ministro ou dirigente em nossas fileiras que é agitado pelo desejo de ventilar suas opiniões sobre questões políticas, deve converter-se pela crença na verdade ou renunciar à sua obra”,2 afinal, “o dízimo não deve ser empregado para pagar ninguém para discursar sobre questões políticas”.3 Em vez disso, cada ministro deve se lembrar de que a “cada dia o tempo de graça de alguém se encerra. Cada hora alguns passam para além do alcance da misericórdia. E onde estão as vozes de aviso e rogo, mandando o pecador fugir desta condenação terrível? Onde estão as mãos estendidas para o fazer retroceder do caminho da morte? Onde estão os que com humildade e fé perseverante intercedem junto a Deus por ele?”4 Como disse o apóstolo Paulo, “importa que os homens nos considerem como ministros de Deus” (1Co 4:1).

Ellen G. White adverte: "Queremos nós saber a melhor maneira de podermos agradar ao Salvador? Não é empenhando-nos em polêmicas políticas, seja no púlpito ou fora dele. É considerando com temor e tremor toda a palavra que proferimos. No lugar em que o povo se reúne para adorar a Deus não seja pronunciada nenhuma palavra que desvie a mente do grande interesse central - Jesus Cristo, e Este crucificado".5 

E conclui: "Quando o orador, de maneira descuidada se intromete em qualquer parte, tomado pela fantasia, quando fala de política ao povo, está misturando fogo comum com o sagrado. Ele desonra a Deus. Não tem verdadeira evidência de Deus de que esteja falando a verdade. Comete para com seus ouvintes um grave mal. Pode plantar sementes que poderão lançar bem fundo suas fibrosas raízes, e elas brotam dando um fruto venenoso. Como ousam os homens fazer isso? Como ousam adiantar idéias quando não sabem com certeza de onde vieram, ou se são a verdade? [...] Sejam os discursos curtos, espirituais e elevados. Esteja o pregador cheio da Palavra do Senhor. Saiba cada homem que vai ao púlpito que tem anjos do Céu em seu auditório. Alguns dos que ficam no púlpito fazem com que os mensageiros celestiais que estão no auditório deles se envergonhem".6

Referências
1. Ellen G. White, Fundamentos da Educação Cristã, p. 475.
2. Ellen G. White, Fundamentos da Educação Cristã, p. 477.
3. Ibid.
4. Ellen G. White, Patriarcas e Profetas (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2014), p. 92.
5. Ellen G. White, Testemunhos para Ministros e Obreiros Evangélicos, p. 331.
6. Ellen G. White, Testemunhos para Ministros e Obreiros Evangélicos, p. 337.

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