Em setembro de 2021, o boletim epidemiológico nº 33, publicado pelo Ministério da Saúde, trouxe dados alarmantes destacando o aumento das taxas de suicídio de adolescentes e jovens no Brasil. Segundo o documento, o suicídio configura a quarta maior causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos de idade. “Há uma conjunção de fatores relacionados ao comportamento suicida na juventude. Alguns fatores que se destacam são os sentimentos de tristeza, desesperança e a depressão, ansiedade, baixa autoestima, experiências adversas pregressas, como abusos físicos e sexuais pelos pais ou outras pessoas próximas, falta de amigos e suporte de parentes, exposição à violência e discriminação no ambiente escolar e o uso de substâncias psicoativas”, destaca o texto.
Kailia Posey, de 16 anos, que ficou famosa na infância ao participar do reality show Pequena Misses, teve sua morte anunciada no começo de maio. De acordo com seus pais, ao site americano TMZ, ela se suicidou. O comunicado afirmou que "embora ela fosse uma adolescente talentosa com um futuro brilhante pela frente, infelizmente, em um momento impetuoso, ela tomou a decisão precipitada de acabar com sua vida terrena".
É complicado tentar compreender essa tragédia. Porém, é claro perceber que vivemos tempos difíceis. Tempos em que, além da necessidade inerente à juventude de encontrar uma identidade que a faça se sentir incluída e aceita, ainda há a corrida pelo melhor status nas redes sociais, levando essa geração, ainda em formação, a comparar seu dia a dia (tão modesto, real e perfeitamente normal) com a demonstração exagerada de felicidade editada e “photoshopada”. Através de filtros e edições, é exigido um bem estar irreal, inalcançável e muito plastificado.
A insatisfação com a realidade e a competitividade têm produzido uma geração frustrada e descontente consigo mesma. Antigamente, era comum se espelhar no artista de cinema e tentar reproduzir modismos, costumes e trejeitos de um modelo hollywoodiano ou global. Porém, era fácil distinguir o mundo real daquele glamourizado pelo roteiro, fundo musical e figurino. Hoje, a representação do “teatro da existência” invadiu a realidade, e se não tivermos maturidade e filtro para separar o que é fantasia do que é possível e alcançável, corremos o risco de nos cobrar objetivos inconcebíveis, que fatalmente nos levarão a uma vida de mentiras ou de dor.
Ellen G. White diz: "São os obstáculos que tornam o homem forte. Não são as facilidades, mas as dificuldades, conflitos, reveses que formam homens de fibra moral. A excessiva facilidade de evitar as responsabilidades tem feito criaturas fracas e anões dos que deveriam ser homens responsáveis, de força moral e músculos espirituais fortes" (Testemonies 3, p. 495).
Viver uma vida de mentiras é não querer entrar em contato com as próprias emoções; com os medos e dúvidas que invariavelmente nos assolam num momento ou outro; com a solidão; com o tédio; com o anseio desenfreado somado à dificuldade de sermos populares, antenados, cools ou glamourosos. É querer parecer o que não é para impressionar quem não importa; é maquiar a realidade para ser aceito e amado; é sentir-se cobrado pela exigência da felicidade; é copiar o que não gosta para se sentir incluído; é chorar escondido por não se sentir compreendido.
Ellen White alerta: "Tudo quanto os cristãos fazem deve ser tão transparente como a luz do Sol. A verdade é de Deus; o engano, em todas as suas múltiplas formas, é de Satanás; e quem quer que, de alguma maneira, se desvia da reta linha da verdade, está-se entregando ao poder do maligno. Não é, todavia, coisa leve ou fácil falar a exata verdade; e quantas vezes opiniões preconcebidas, peculiares disposições mentais, imperfeito conhecimento, erros de juízo, impedem uma justa compreensão das questões com que temos de lidar! Não podemos falar a verdade, a menos que nossa mente seja continuamente dirigida por Aquele que é a verdade" (O Maior Discurso de Cristo, p. 68).
Não é constrangimento nenhum ter uma vida comum, simples, pé no chão, temperada com cebola e alho num fundo de panela sem sofisticação, mas muito singelo. Não é vergonha nenhuma reconhecer que o dia a dia é modesto, rústico e trivial, e que o requinte não é permanente, mas nos visita de tempos em tempos, dando uma variada no nosso vestidinho de chita e nos propondo uma gravata ou um salto agulha de vez em quando.
É ilusão acreditar que a felicidade é mais constante e certa para aqueles com o feed de notícias mais farto de viagens, convites, likes ou popularidade. É engano imaginar que o carisma, a importância ou o valor de alguém pode ser medido pelo termômetro das curtidas ou descurtidas.
Temos nos distanciado de nossos filhos à medida que permitimos que eles acreditem que as histórias que seguem pela tela do celular ou computador têm mais veracidade ou são mais autênticas que a própria realidade que experimentam aqui, do lado de fora. Temos nos desligado de nossos filhos ao permitir que eles passem mais tempo seguindo essas histórias do que construindo a própria narrativa. Temos ajudado a construir uma geração despreparada para o mundo real à medida que autorizamos o fascínio por vidas editadas, em que as frustrações, tristezas e dificuldades ficam do lado de fora, criando uma fantasia de que ter problemas e contrariedades não é normal, e deve ser combatido a todo custo.
Ninguém é cem por cento bem resolvido. Em um momento ou outro, cada um de nós enfrenta suas próprias batalhas, seus próprios monstros e fantasmas. Acreditar que é possível viver sem tédio, contrariedade, aborrecimento e insatisfação produz ainda mais descontentamento, e gera indivíduos ressentidos com a realidade e incapazes de enfrentar frustrações.
Ellen White adverte: "Depois da disciplina do lar e da escola, todos terão de enfrentar a severa disciplina da vida. Como enfrentá-la sabiamente é a lição que se deve explicar a toda criança e jovem. É verdade que Deus nos ama, que Ele está trabalhando para nossa felicidade, e que, se Sua lei tivesse sempre sido obedecida, jamais teríamos conhecido o sofrimento; não menos verdade é que neste mundo, como resultado do pecado, sobrevêm a nossa vida sofrimentos, perturbações e cuidados. Podemos proporcionar às crianças e jovens um bem para toda a vida, ensinando-os a enfrentar corajosamente essas dificuldades e encargos. Conquanto lhes manifestemos simpatia, que isso nunca seja de maneira a alimentar-lhes a compaixão de si mesmos. Eles necessitam daquilo que estimule e fortaleça, em vez de enfraquecer" (Orientações da Criança, p. 157).
Estamos diante de uma incrível geração de fotos sorridentes e travesseiros encharcados. O que é publicado, compartilhado e divulgado nas redes sociais nem sempre condiz com a realidade, com aquilo que se carrega no coração. Por isso devemos ser cuidadosos. Não colecionar expectativas, comparações nem exigências sobre-humanas a respeito da felicidade. Não viver acreditando que nossa vida está aquém do que deveria ser só porque não conseguimos manter um estado permanente e intocável de contentamento. Não nos sentir injustiçados só porque encontramos limitações.
Temos que preparar nossos filhos para os sustos, quedas e frustrações. Temos que ajudá-los a entender que a vida é um presente precioso, frágil e imprevisível, e que a felicidade não é um direito, e sim um modo de se relacionar com a existência. Temos que ampará-los na dor, mas não iludi-los a ponto de acharem o sofrimento uma anomalia.
Confira esse forte apelo de Ellen White: "Nesta época rebelde, os filhos que não receberam a devida instrução e disciplina, têm bem pouca compreensão de sua obrigação para com os pais. Dá-se muitas vezes que, quanto mais os pais fazem por eles, tanto mais ingratos são, e menos os respeitam. As crianças que foram mimadas e servidas, esperam sempre isto; e caso sua expectativa não se realize, ficam decepcionadas e perdem o ânimo. Essa mesma disposição se manifestará através de toda a sua vida; serão impotentes, dependendo do auxílio de outros, esperando que outros os favoreçam, e lhes façam concessões. E caso encontrem oposição, mesmo depois de atingirem a idade adulta, julgam-se maltratados; e assim atravessam penosamente o caminho pelo mundo, mal sendo capazes de levar as próprias cargas, murmurando e irritando-se frequentemente porque tudo não vai à medida de seus desejos" (O Lar Adventista, p. 293).
Que eles possam entender que viver é complicado sim, que nada cai do céu e que é preciso muita luta para ser realizado e feliz. Para isso, precisam de pais e mães verdadeiros, que olhem nos olhos e não finjam. Que compartilhem suas alegrias, mas também suas dificuldades. Que mostrem os sacrifícios que fazem pela família e o quanto custa um par de tênis novo. E que assim nossos filhos possam compreender que crescer é um processo contínuo, em que temos que aprender a conviver com as limitações, impossibilidades e imperfeições, tentando fazer o melhor que pudermos com o pouco que tivermos.
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