sexta-feira, 14 de outubro de 2022

POR QUE O PECADO FOI PERMITIDO?

Muitos vêem a obra do mal, com suas misérias e desolação, e põem em dúvida como isto pode existir sob o reinado de um Ser que é infinito em sabedoria, poder e amor. Os que se dispõem a duvidar, aproveitam-se disso como desculpa para rejeitar as palavras dos Sagrados Escritos. A tradição e a interpretação errônea têm obscurecido o ensino da Bíblia relativo ao caráter de Deus, à natureza de Seu governo e aos princípios que regem Seu trato com o pecado. 

É impossível explicar a origem do pecado de maneira a dar a razão de sua existência. Todavia, pode-se compreender o bastante em relação à origem e disposição final do pecado, para que se faça amplamente manifesta a justiça e benevolência de Deus. Ele não foi, de algum modo, responsável pela manifestação do pecado; não houve qualquer retirada arbitrária de Sua graça, nenhuma deficiência em Seu governo, para dar motivo ao irrompimento da rebelião. O pecado é um intruso, para cuja presença nenhuma razão pode ser oferecida. Desculpá-lo corresponde a defendê-lo. Se fosse possível encontrar uma desculpa para ele, deixaria de ser pecado. O pecado é a operação de um princípio em conflito com a lei do amor, que é o fundamento do governo divino. 

Antes da manifestação do mal, havia paz e alegria por todo o Universo. O amor a Deus era supremo; imparcial o amor de uns para com os outros. Cristo, o Unigênito de Deus, era um com o eterno Pai em natureza, caráter e propósito — o único Ser que poderia entrar nos conselhos e propósitos de Deus. “Pois nEle foram criadas todas as coisas, nos Céus e sobre a Terra, [...] sejam tronos, sejam soberanias, quer principados, quer potestades” (Colossences 1:16). 

Sendo a lei do amor o fundamento do governo de Deus, a felicidade de todos os seres criados dependia de sua perfeita harmonia com seus princípios de justiça. Deus não tem prazer na submissão forçada, e a todos confere vontade livre, para que possam prestar-Lhe serviço voluntário. 

Houve, porém, um ser que preferiu perverter essa liberdade. O pecado originou-se com aquele que, abaixo de Cristo, fora o mais honrado por Deus. Antes da queda, Lúcifer era o primeiro dos querubins cobridores, santo e incontaminado. “Assim diz o Senhor Deus: Tu és o sinete da perfeição, cheio de sabedoria e formosura. Estavas no Éden, jardim de Deus; de todas as pedras preciosas te cobrias. [...] Tu eras querubim da guarda, ungido, e te estabeleci; permanecias no monte santo de Deus, no brilho das pedras andavas. Perfeito eras nos teus caminhos, desde o dia em que foste criado, até que se achou iniqüidade em ti. [...] Elevou-se o teu coração por causa da tua formosura, corrompeste a tua sabedoria por causa do teu resplendor.” “Estimas o teu coração como se fora o próprio coração de Deus.” “Tu dizias no teu coração: Eu subirei ao Céu; acima das estrelas de Deus exaltarei o meu trono, e no monte da congregação me assentarei. [...] Subirei acima das mais altas nuvens, e serei semelhante ao Altíssimo” (Ezequiel 28:12-17; 28:6; Isaías 14:13, 14). 

Cobiçando a honra que o infinito Pai conferira a Seu Filho, esse príncipe dos anjos aspirou ao poder que era a prerrogativa de Cristo, unicamente, fazer uso. Uma nota dissonante deslustrava agora as harmonias celestiais. A exaltação do eu despertava prenúncios de males nas mentes para as quais a glória de Deus era suprema. Os concílios celestiais instavam com Lúcifer. O Filho de Deus lhe apresentava a bondade e justiça do Criador e a natureza sagrada de Sua lei. Afastando-se dela, Lúcifer desonraria a seu Criador e traria ruína sobre si mesmo. Mas a advertência tão-somente suscitou o espírito de resistência. Lúcifer permitiu que prevalecesse a inveja para com Cristo. 

O orgulho alimentou o desejo de supremacia. As honras conferidas a Lúcifer não despertavam gratidão para com o Criador. Ele aspirava ser igual a Deus. Todavia, o Filho de Deus era o reconhecido Soberano do Céu, igual ao Pai em autoridade e poder. Em todos os concílios de Deus, Cristo tomava parte, mas a Lúcifer não era permitido entrar no conhecimento dos propósitos divinos. “Por quê”, perguntava o poderoso anjo, “deveria Cristo ter a supremacia? Por que é Ele assim honrado acima de Lúcifer?” 

Descontentamento entre os anjos — Deixando seu lugar na presença de Deus, Lúcifer saiu difundindo o descontentamento entre os anjos. Operando em misterioso segredo, e escondendo seu real propósito sob a aparência de reverência para com Deus, esforçou-se por suscitar a insatisfação diante das leis que governavam os seres celestes, insinuando que elas impunham uma restrição desnecessária. Visto serem de natureza santa, insistia em que os anjos obedecessem aos ditames de sua própria consciência. Deus o tratara injustamente ao conferir honra suprema a Cristo. Alegava não estar pretendendo a exaltação própria, antes procurava conseguir liberdade para todos os habitantes do Céu, a fim de por este meio poderem alcançar condição mais elevada de existência. 

Deus suportou longamente a Lúcifer. Não foi degradado de sua posição elevada, nem mesmo quando começou a apresentar suas falsas pretensões diante dos anjos. Reiteradas vezes lhe foi oferecido o perdão, sob a condição de que se arrependesse e se submetesse. Esforços, que apenas o amor e a sabedoria infinitos poderiam conceber, foram feitos a fim de convencê-lo de seu erro. O descontentamento nunca antes fora conhecido no Céu. O próprio Lúcifer não compreendeu, a princípio, a verdadeira natureza de seus sentimentos. Sendo-lhe demonstrado que sua insatisfação era sem causa, convenceu-se de que as reivindicações divinas eram justas, e de que as deveria reconhecer como tais perante o Céu. Se ele tivesse feito isso, poderia ter salvo a si mesmo e a muitos anjos. Caso houvesse desejado voltar a Deus, satisfeito por preencher o lugar a ele designado, teria sido reintegrado em seu cargo. Mas o orgulho o impediu de submeter-se. Prosseguiu sustentando que não necessitava de arrependimento, e entregou-se por completo ao grande conflito contra seu Criador. 

Todas as faculdades de sua mente superior foram então aplicadas à obra de engano, a fim de conseguir a simpatia dos anjos. Satanás simulou haver sido mal julgado, e que se queria cercear a sua liberdade. Da falsa interpretação das palavras de Cristo, passou à falsidade direta, acusando o Filho de Deus de intentar humilhá-lo perante os habitantes do Céu. 

A todos quantos não pôde subverter e levar para o seu lado, acusou de indiferença aos interesses dos seres celestiais. Recorreu à falsa representação do Criador. Era sua tática tornar perplexos os anjos pelos capciosos argumentos relativos aos propósitos divinos. Tudo que era simples ele envolvia em mistério, e mediante artificiosa perversão lançava dúvida às mais compreensíveis declarações de Deus. Seu elevado cargo emprestava maior força às suas alegações. Muitos foram induzidos a unir-se a ele na rebelião.  

A desafeição converte-se em revolta ativa — Deus, em Sua sabedoria, permitiu que Satanás levasse avante sua obra, até que o espírito de dissabor amadurecesse em ativa revolta. Era necessário que seus planos se desenvolvessem completamente, para que sua verdadeira natureza pudesse ser vista por todos. Lúcifer era grandemente amado pelos seres celestiais, e sua influência sobre eles era forte. O governo de Deus incluía não somente os habitantes do Céu, mas de todos os mundos que Ele criara; e Satanás pensou que se fosse possível levar consigo à rebelião os anjos do Céu, poderia também levar outros mundos. Empregando sofismas e fraude, seu poder para enganar era grande. Mesmo os anjos fiéis não podiam discernir perfeitamente seu caráter, ou ver para onde levava a sua obra. 

Satanás fora tão altamente honrado, e todos os seus atos estavam de tal maneira revestidos de mistério, que era difícil desvendar aos anjos a verdadeira natureza de sua obra. Antes que se desenvolvesse completamente, o pecado não pareceria o mal que em realidade era. Seres santos não eram capazes de discernir as conseqüências de se pôr de parte a lei divina. Satanás a princípio alegara estar procurando promover a honra de Deus e o bem de todos os habitantes do Céu. 

Em Seu trato com o pecado, Deus somente poderia empregar a justiça e a verdade. Satanás podia fazer uso daquilo que Deus não usaria: lisonja e engano. O verdadeiro caráter do usurpador deveria ser compreendido por todos. Seria necessário tempo para que ele se manifestasse através de suas obras más. 

Satanás atribuiu a Deus a discórdia que o seu próprio procedimento determinara no Céu. Ele declarou que todo mal resultava da administração divina. Conseqüentemente, era necessário que demonstrasse a natureza de suas pretensões, provando o efeito de suas propostas mudanças na lei divina. Sua própria obra deveria condená-lo. Todo o Universo deveria ver o enganador desmascarado. 

Mesmo quando foi decidido que ele não poderia mais permanecer no Céu, a Sabedoria Infinita não destruiu a Satanás. A submissão das criaturas de Deus deve repousar sobre a convicção de Sua justiça. Os habitantes do Céu e de outros mundos, estando despreparados para compreender as conseqüências do pecado, não veriam a justiça e a misericórdia de Deus na destruição de Satanás. Se ele tivesse sido destruído imediatamente, os outros teriam servido a Deus por temor em lugar do amor. A influência do enganador não teria sido completamente extinta, tampouco desarraigado o espírito de rebelião. Para o bem do Universo através de infindáveis eras, Satanás devia desenvolver mais plenamente seus princípios, para que suas acusações contra o governo divino pudessem ser vistas sob sua verdadeira luz por todos os seres criados. 

A rebelião de Satanás deveria constituir para o Universo um testemunho dos terríveis resultados do pecado. Seu governo mostraria quais os frutos de rejeitar a autoridade divina. A história dessa terrível experiência de rebelião deveria constituir perpétua salvaguarda a todos os seres santos e inteligentes, livrando-os de cometer pecado e sofrer o seu castigo. 

Quando foi anunciado que, juntamente com todos os que com ele simpatizavam, deveria ser expulso das bem-aventuradas habitações, o chefe rebelde confessou ousadamente seu desdém pela lei do Criador. Denunciou os estatutos divinos como restrição à sua liberdade, declarando ser de seu intento conseguir a abolição da lei. Livres dessa restrição, as hostes angélicas poderiam entrar em condições de existência mais elevada. 

Banidos do Céu — Satanás e sua hoste lançaram a culpa de sua rebelião sobre Cristo; se eles não houvessem sido reprovados, não teriam se rebelado. Obstinados e arrogantes, ao mesmo tempo que, blasfemando, pretendiam ser vítimas inocentes do poder opressivo, o arqui-rebelde e seus sequazes foram banidos do Céu (Apocalipse 12:7-9). 

O espírito de Satanás ainda inspira a rebelião sobre a Terra, nos filhos da desobediência. Semelhantes a ele, prometem liberdade aos homens com base na transgressão da lei de Deus. A reprovação do pecado ainda suscita espírito de ódio. Satanás leva os homens a justificar-se e a procurar a simpatia de outros em seu pecado. Em vez de corrigirem seus erros, indignam-se contra aquele que reprova, como se fosse ele a causa da dificuldade. 

Pela mesma representação falsa do caráter divino por ele dada no Céu, fazendo com que Deus fosse considerado severo e tirano, Satanás induziu o homem a pecar. Declarou que as injustas restrições de Deus haviam motivado a queda do homem, assim como determinaram a sua própria rebelião. 

Banindo Satanás do Céu, Deus declarou Sua justiça e honra. Contudo, quando o homem pecou, Deus ofereceu uma prova de Seu amor, entregando Seu Filho para morrer pela raça caída. Na expiação revela-se o caráter de Deus. O poderoso argumento da cruz demonstrou que o pecado de maneira alguma era atribuível ao governo de Deus. Durante o ministério terrestre do Salvador, o grande enganador foi desmascarado. A ousada blasfêmia de sua pretensão, de que Cristo lhe rendesse homenagem, a malignidade vigilante que O assaltava de um lugar a outro, inspirando o coração de sacerdotes e povo a rejeitar Seu amor, e o brado: “Crucifica-O! Crucifica-O!” — tudo isto despertou o assombro e indignação do Universo. O príncipe do mal exerceu todo o seu poder e engano a fim de destruir Jesus. Satanás empregou homens como seus agentes, a fim de encher de sofrimento e tristeza a vida do Salvador. Os fogos da inveja e maldade, ódio e vingança, irromperam no Calvário contra o Filho de Deus. 

Agora a culpa de Satanás se apresentava sem desculpa. Ele revelou seu verdadeiro caráter. Suas mentirosas acusações contra o divino caráter apareceram sob sua verdadeira luz. Acusara a Deus de procurar a exaltação de Si mesmo ao requerer obediência de suas criaturas, e declarara que, ao passo que o Criador reclamava abnegação de todos os outros, Ele próprio não a praticava e não fazia sacrifício algum. Viu-se agora que o Governador do Universo fizera o máximo sacrifício que o amor poderia efetuar, pois “Deus estava em Cristo, reconciliando consigo o mundo” (2 Coríntios 5:19). Cristo, a fim de destruir o pecado, humilhou-Se a Si próprio e Se fez obediente até a morte. 

Argumento em favor do homem — Todo o Céu viu a justiça de Deus revelada. Lúcifer declarara que a raça pecadora se colocara para além da redenção. Mas a penalidade da lei recaiu sobre Aquele que era igual a Deus, ficando o homem livre para aceitar a justiça de Cristo e, através de arrependimento e humilhação, triunfar sobre o poder de Satanás. 

Mas não foi meramente para redimir o homem que Cristo veio à Terra e aqui morreu. Veio para demonstrar a todos os mundos que a lei de Deus é imutável. A morte de Cristo prova que ela não pode ser modificada e demonstra que a justiça e a misericórdia são o fundamento do governo de Deus. Na execução final do juízo será visto que não existe causa para o pecado. Quando o Juiz de toda a Terra perguntar a Satanás: “Por que te rebelaste contra Mim?”, o originador do mal não poderá apresentar resposta alguma. 

No brado agonizante do Salvador — “Está consumado!” — soou a sentença de morte de Satanás. A grande controvérsia foi então resolvida, a erradicação final do mal se tornou certa. “Pois eis que vem o dia, e arde como fornalha; todos os soberbos, e todos os que cometem perversidade, serão como o restolho; o dia que vem os abrasará, diz o Senhor dos exércitos, de sorte que não lhes deixará nem raiz nem ramo” (Malaquias 4:1).

Jamais o mal se manifestará outra vez. A lei de Deus será honrada como a lei da liberdade. Uma criação experimentada e provada nunca mais se desviará da fidelidade para com Aquele cujo caráter foi manifesto como expressão de amor infindável e infinita sabedoria.

Ellen G. White - O Grande Conflito (condensado), pp. 217-222

Nenhum comentário:

Postar um comentário