segunda-feira, 20 de fevereiro de 2023

OS CRISTÃOS DEVEM SER VEGETARIANOS?

A questão do vegetarianismo na Bíblia é um pouco complexa. A Bíblia aborda o assunto no contexto da criação original e da nova Terra. Mas, ao mesmo tempo, as Escrituras permitem que o ser humano utilize determinados tipos de carne. Portanto, não podemos exigir que o vegetarianismo seja parte do estilo de vida cristão. Vamos, porém, examinar algumas evidências bíblicas que respondem à sua pergunta.

1. Vegetarianismo na Bíblia: É bem conhecido o fato de que a dieta original dada por Deus ao ser humano era vegetariana (Gênesis 1:29), e assim permaneceu mesmo após a entrada do pecado no mundo (Gênesis 3:18). Essa dieta foi dada quando Deus disse que Adão e Eva deveriam exercer domínio sobre os animais (Gênesis 1:28), o que estabelecia um limite do poder humano sobre o reino animal. No contexto da Criação, a dieta vegetariana indicava a ausência de violência e morte entre as criaturas, e o propósito divino era manter essa condição. Mas a dieta também revelava a sabedoria e o amor de Deus em providenciar ao ser humano um tipo de alimento que tornaria possível a ele cooperar com o Criador na preservação da vida em suas melhores condições. A carne era desnecessária para manter a vida. É interessante que a Bíblia afirma que, na consumação dos séculos, após o pecado ser erradicado da criação de Deus, os seres humanos serão novamente vegetarianos. Isso é mostrado especialmente na descrição profética sobre a transformação do mundo animal e a ausência de violência nele: “Ninguém fará nenhum mal, nem destruirá coisa alguma em todo o Meu santo monte, pois a Terra se encherá do conhecimento do Senhor como as águas cobrem o mar” (Isaías 11:9; veja também Isaías 11:6-9; 65:25). A ausência de violência no mundo animal pressupõe também sua ausência entre os seres humanos.

2. Consumo restrito de carne: Após o dilúvio mundial e no contexto da ausência de vegetais, Deus permitiu aos seres humanos que se alimentassem de carne (Gênesis 9:3), com base na distinção entre animais puros e impuros (Gênesis 7:2; conforme Levítico 11). Esse uso restrito de carne tinha dois objetivos principais. Em primeiro lugar, visto que era uma lei alimentar (ou de saúde), ela identificava quais carnes poderiam melhor contribuir para a preservação da vida humana em um mundo de pecado e morte. Em segundo lugar, essa lei servia para impor limites à violência humana contra a vida dos animais ao permitir apenas o consumo de um número restrito de tais criaturas. Os animais temeriam os seres humanos e, ao ver alguém, literalmente correriam para salvar a própria vida (Gênesis 9:2).

O ideal divino de uma alimentação sem carne não foi esquecido posteriormente na Bíblia. Quando o povo de Israel estava no deserto e necessitava de alimento, Deus enviou o maná. Quando os israelitas insistiram em comer carne, o Senhor lhes deu codornizes; o resultado, porém, foi doença entre eles (Números 11:4-23 e 31-33). De acordo com o relato bíblico, o Senhor raramente provia carne para Seu povo (conforme 1Reis 17:6). Em realidade, a alimentação habitual dos israelitas era basicamente vegetariana. Apenas em circunstâncias especiais eles comiam carne, como, por exemplo, em alguns rituais de sacrifício (Levítico 3:1-9). A posse de animais domésticos determinava a riqueza de uma pessoa (era sua “conta bancária”) e constituía fonte de leite, coalhada e queijo (Deuteronômio 32:14; Juízes 5:25; 2Samuel 17:29).

3. O ideal de Deus para Seu povo: Os adventistas têm levado a sério a lei dos animais puros e impuros, e consideram-na como o mínimo do que o Senhor requer de nós em relação a uma alimentação apropriada. Submetemo-nos a esses conselhos em gratidão e obediência à vontade de Deus, porque essa lei expressa Seu amoroso interesse em nosso bem-estar físico e espiritual. Quando cuidamos de maneira adequada de nosso corpo, que é o templo do Espírito Santo, glorificamos a Deus (conforme 1Coríntios 6:19-20). A evidência bíblica levou os adventistas a concluir que o vegetarianismo é o ideal de Deus para Seu povo. Esse ideal é bastante significativo em um mundo que, aos poucos, tem se conscientizado dos benefícios dessa dieta. O vegetarianismo tem se tornado popular ao redor do mundo por vários motivos: ético, ecológico, religioso e até narcisista. Talvez esse seja o momento certo para reafirmar o ideal divino, evitando-se o uso de carne em reuniões oficiais da igreja (reuniões de obreiros, “junta-panelas” na igreja, etc.) e, sempre que possível, não a utilizando em nossa mesa.

4. Vegetarianismo nos escritos de Ellen G. WhiteO tema da carne foi apresentado pela primeira vez à autora na visão de 1863. Os principais conceitos relacionados ao alimento cárneo também foram recebidos nessa ocasião. A carne de porco foi condenada como imprópria para o consumo.1 Além disso, a visão orientou para a abstinência de outros tipos de carne, dando preferência ao vegetarianismo. É importante esclarecer que o sentido da palavra “carne” usada por Ellen G. White quase sempre se refere à carne vermelha, uma vez que os peixes são tratados como um tema à parte.2 

No ano seguinte, com a publicação do quarto volume de Spiritual Gifts, a autora passou a insistir na adoção de uma dieta sem carne. Ela declarou que: (1) o alimento ideal de Deus para Suas criaturas está no Éden; (2) o Senhor permitiu que se comesse carne após o dilúvio para diminuir a vida do homem; (3) na peregrinação do deserto, Ele não proibiu a carne, mas proveu um alimento melhor; (4) a carne condimentada produz um estado febril e contamina o sangue; (5) quem consome muita carne não apreciará uma alimentação saudável de imediato; (6) crianças que comem carne favorecem as tendências animais; e (7) a carne de muitos animais está enferma devido às condições precárias em que eles são mantidos antes de serem abatidos.3 

Anos mais tarde, Ellen G. White continuou a escrever sobre os malefícios do regime cárneo, e apontou que ele: (1) afeta a atividade intelectual (1890);4 (2) prejudica a capacidade mental para entender a Deus e a verdade (1897);5 (3) debilita as faculdades físicas, mentais e morais (1901);6 (4) desperta o desejo de consumir bebidas alcoólicas (1901);7 e (5) aumenta a possibilidade de contrair enfermidades (1905).8 Em um dos seus mais importantes livros sobre saúde, ela também alertou sobre outro aspecto que raras vezes é mencionado. O regime cárneo “envolve crueldade para com os animais [...] criaturas de Deus”9 e, também por isso, seu consumo é objetável. 

Ao longo de seu ministério, as advertências de Ellen G. White sobre a carne se tornaram mais enfáticas. Ela reconheceu que a qualidade da carne estava cada vez pior. Em 1905, escreveu que “a carne nunca foi o melhor alimento; seu uso agora é duplamente objetável, visto as doenças nos animais estar crescendo com tanta rapidez”.10 

No entanto, por mais que Ellen G. White advogasse fortemente em favor da dieta vegetariana, ela não insistia nisso para todas as pessoas em todos os lugares.11 É importante admitir que havia exceções que ela mesma experimentou em sua vida pessoal. No fim de 1868, a autora escreveu ao esposo de uma senhora muito doente que teria sido melhor comer uma pequena porção de carne que sentir um profundo desejo por ela.12 Ela também recomendou cautela quanto ao deixar a carne: “Ninguém deve ser solicitado a fazer abruptamente a mudança.”13 Para Ellen G. White, o vegetarianismo jamais seria uma prova de comunhão entre os membros da igreja.14 

Já no fim da vida, em 1909, a escritora registrou o que pode ser entendido como o resumo de sua ideia em relação ao consumo de carne: “Não estabelecemos regra alguma para ser seguida no regime alimentar, mas dizemos que nos países em que há muita fruta, cereais e nozes, os alimentos cárneos não constituem alimentação própria para o povo de Deus.”15 Assim, por mais que não exista uma regra fixa quanto a uma dieta particular, está claro que onde e quando for possível, o povo de Deus deve preferir comer “frutas, cereais e verduras, preparados de forma simples”.16 

Alguns criticam Ellen G. White por não ter vivido a mensagem de saúde como ela mesma propôs em seus escritos quanto ao comer carne. No entanto, um estudo cuidadoso de sua biografia aponta que a autora foi fiel e coerente às instruções que recebeu. Ela afirmou que, depois da visão de 1863, eliminou de imediato a carne de seu menu diário, mas isso não significaria que ela não comeria mais carne.17 Em 1933, William White escreveu a George Starr que a família White havia sido vegetariana, mas não totalmente abstêmia de carne.18 Apesar de seu vegetarianismo, o consumo esporádico de carne podia acontecer devido a uma viagem longa ou quando a cozinheira não sabia preparar comida vegetariana.19 

Foi somente em 1894 que Ellen G. White decidiu que não comeria mais carne, nem mesmo ocasionalmente. Ela relatou: “Desde a reunião campal de Brighton (janeiro de 1894) bani absolutamente a carne da minha mesa.”20 A autora sempre demonstrou bom senso quanto ao consumo de alimento cárneo e foi tolerante a seu uso ocasional até quando entendeu que comê-lo seria demasiado prejudicial. Foi a partir desse período que suas advertências mais sérias contra a carne foram escritas. 

Em resumo, pode-se afirmar que os escritos de Ellen G. White nos ensinam que a carne deve ser evitada nos lugares em que há abundância de frutas, cereais e verduras. No entanto, é preciso cautela, pois não se pode descartar o alimento cárneo abruptamente, sem prover adequada substituição nutricional. A carne não é um alimento saudável e pode trazer prejuízos em nossa relação espiritual com Deus. 

Ellen G. White foi fiel a esses princípios e sempre advogou bom senso e cuidado com extremismos. Em 1904, ela afirmou: “Tenho melhor saúde, não obstante achar-me com setenta e seis anos de idade, do que tinha em meus tempos juvenis. Dou graças a Deus pelos princípios da reforma de saúde.”21 

Referências 
1 Ron Graybill, “The development of adventist thinking on clean and unclean meats”, < https://goo.gl/FecV4K>.
2 Andrés Afonso Tovar Galarcio, “Análisis de citas controversiales sobre el consumo de la carne en escritos de Ellen G. White: un estudio históricocontextual” (dissertação de mestrado, Universidade Peruana União, 2016), p. 56. 
3 Ellen G. White, Spiritual Gifts, v. 4, p. 120-150. 
4 Ellen G. White, Conselhos Sobre o Regime Alimentar (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2007), p. 388. 
5 Ibid., p. 383. 
6 Ibid., p. 268. 
7 Ibid
8 Ellen G. White, A Ciência do Bom Viver (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2004), p. 313. 
9 Ibid., p. 315. 
10 Ibid., p. 313. 
11 Denis Fortin, Jerry Moon, Michael W. Campbell e George R. Knight, eds. The Ellen G. White Encyclopedia (Hagerstown, MD: Review and Herald, 2013), p. 1247. 
12 Ellen G. White, Testemunhos para a Igreja, v. 2 (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2015), p. 384. 
13 Ellen G. White, A Ciência do Bom Viver, p. 317. 
14 Ellen G. White, Conselhos Para a Igreja, p. 240. 
15 Ellen G. White, Testemunhos para a Igreja, v. 9 (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2015), p. 159. 
16 Ellen G. White, Conselhos Sobre o Regime Alimentar, p. 355. 
17 Ibid., p. 482. 
18 Herbert Douglass, Mensageira do Senhor, p. 316. 
19 Denis Fortin, Jerry Moon, Michael W. Campbell e George R. Knight, eds. The Ellen G. White Encyclopedia, p. 1247. 
20 Ellen G. White, Conselhos Sobre o Regime Alimentar, p. 488. 
21 Ibid., p. 482.

[Com informações das revistas MinistérioAdventist World)

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