Entre todos os milagres de cura realizados por Jesus, os do restabelecimento da visão aos cegos sempre me fascinam. Os diversos métodos pelos quais Jesus recuperou a vista aos cegos incluem o toque – como no caso dos dois homens cegos (Mt 9:27-30), a saliva (Mc 8:22-26), o lodo (Jo 9) e por meio da palavra – simplesmente ordenando que o cego visse (Mc 10:52). Fosse qual fosse o método, o resultado era sempre o mesmo: o dom da visão era concedido a alguém que havia sido cego.
Contudo, maravilhosos como são os milagres de cura realizados por Jesus em favor dos fisicamente cegos, a Bíblia contém, igualmente, numerosas ocorrências em que Deus cura a cegueira espiritual, essa cegueira que impede aos aflitos a compreensão das verdades celestiais, a percepção do plano de Deus para sua vida. É plenamente possível para alguém possuir visão física 20/20 e ser espiritualmente cego.
Cegados pelo materialismo – “Então, o Senhor abriu os olhos a Balaão, ele viu o anjo do Senhor, que estava no caminho, com a sua espada desembainhada na mão; pelo que inclinou a cabeça e prostrou-se com o rosto em terra” (Nm 22:31). Momentos antes de ter os olhos abertos, Balaão havia recebido suborno para amaldiçoar o povo de Deus. Mesmo depois de o Senhor lhe haver falado explicitamente que não acompanhasse os embaixadores do rei moabita, ele não pôde suportar a idéia de perder os presentes valiosos e o dinheiro. Percebendo que seus esforços eram inúteis, os emissários estrangeiros voltaram para casa. Mas, em lugar de ser agradecido por haver sido poupado de uma tentação futura, em sua mente Balaão começou a deixar-se seduzir pela gratificação material. E quando o Senhor, por Sua graça, terminou com a jornada do profeta, bloqueando-lhe o caminho, Balaão estava de tal modo influenciado pela paixão da recompensa terrena diante dele que não conseguiu ver o que sua mula enxergava. Mesmo a fala miraculosa de uma besta de carga não lhe despertou o sentido espiritual.
Ellen G. White descreve a cena: “Balaão devia a conservação de sua vida ao pobre animal que tratara tão cruelmente. O homem que pretendia ser profeta do Senhor, que declarou estar ‘de olhos abertos’, e ver ‘a visão do Todo-poderoso’ (Nm 24:3 e 4), estava tão cego pela cobiça e ambição que não pôde divisar o anjo de Deus, visível para seu animal” (Patriarcas e Profetas, p. 442).
Balaão foi salvo da destruição imediata quando o anjo do Senhor misericordiosamente lhe abriu os olhos, concedendo-lhe a visão de dimensão espiritual. Então, ele se prostrou com temor da presença de Deus. Em nossa conduta materialista, nós também somos inclinados à cegueira. Mas, em Sua graça, o Senhor nos concede estímulo espiritual para restabelecer nossa visão.
Cegados pelo temor – “Orou Eliseu e disse: Senhor, peço-Te que lhe abras os olhos para que veja. O Senhor abriu os olhos do moço, e ele viu que o monte estava cheio de cavalos e carros de fogo, em redor de Eliseu” (2Rs 6:17).
Dotado de visão espiritual, Eliseu recebeu revelações divinas a respeito de atitudes específicas adotadas pelo rei da Síria. O rei, irado por terem sido frustrados os seus planos secretos contra Israel, enviou então um exército de busca para destruí-lo. Perseguindo Eliseu à aldeia de Dotã, os mercenários chegaram durante a noite, cercaram-no e prepararam-se para matálo. O servo de Eliseu, tendo-se levantado cedo para buscar água, percebeu que estavam completamente cercados pelos soldados inimigos. Tomado de terror, ele exclamou: “Ai! Meu senhor! Que faremos?” (verso 15)
Os capítulos 4, 5 e 8 de 2 Reis identificam o servo de Eliseu como Geazi, nome que significa “vale da visão”. De fato, sua visão física foi perfeita naquela manhã, pois ele divisou os soldados sírios ocultos em meio às árvores dos arredores. Sua visão espiritual, entretanto, estava ofuscada.
Eliseu lhe assegurou: “Não temas, porque mais são os que estão conosco do que os que estão com eles (2Rs 6:16). Entretanto, isso não foi o bastante. Sentindo que seu servo estava a ponto de ser completamente vencido pelo temor, Eliseu proferiu uma oração pedindo a Deus que curasse a cegueira espiritual de Geazi: “Senhor, peço-Te que lhe abras os olhos para que veja” (verso 17). Instantaneamente, o milagre foi realizado. O servo, trêmulo, viu incontáveis carruagens de fogo e cavalos, em número muito maior que o inimigo ameaçador.
Quando somos assaltados pelo temor diante de obstáculos intransponíveis, também podemos pedir que o Senhor nos abra os olhos espirituais.
Cegados pela auto-piedade – “Abrindo-lhe Deus os olhos, viu ela um poço de água, e, indo a ele, encheu de água o odre, e deu de beber ao rapaz” (Gn 21:19).
Perdida no deserto, a mãe chorava. Ao seu redor, nada mais havia além dos oceanos de areia escaldante. Ela não mais podia suportar ter que olhar para Ismael, seu filho adolescente, que desfalecia de sede. Após vários dias vagueando pelo deserto em áridos círculos, ela estava de volta ao mesmo lugar. Em certo sentido, o cenário era uma metáfora da vida dela. Muitos anos antes, ela havia estado em um deserto semelhante. Tendo concordado em servir de mãe substituta do filho de Abraão, sofreu desprezo e abuso despertados pelas paixões do ciúme. Depois que ela fugiu para o deserto, o anjo do Senhor disse que ela deveria voltar e concedeu-lhe a promessa de grandes bênçãos para seu filho que haveria de nascer.
Quinze anos depois, ciúmes latentes foram inflamados com o nascimento de Isaque. Novamente, Hagar encontrava-se no mesmo deserto em que havia estado antes. Seus sonhos estavam despedaçados, suas aspirações, desvanecidas. Até mesmo Deus parecia haver quebrado Suas promessas. Mas, quando tudo parecia perdido, um anjo do Senhor lhe apareceu. Enquanto ela se debatia em auto-piedade, deixava de perceber uma poderosa luz: Embora ela estivesse perdida no deserto, Deus não a havia perdido! O anjo lhe assegurou que Deus ouvira os gritos do filho dela e, então, um milagre ocorreu: Deus lhe abriu os olhos e ela viu um poço com água.
Deus havia conduzido Hagar ao poço, mas seus olhos turvados pelas lágrimas não conseguiram divisar Sua providência. Quando, em nossa própria experiência, formos levados ao deserto, bem faremos em buscar as fontes de água viva de Deus. Desespero e auto-piedade depressa produzem cegueira espiritual e morte. Mas, quando o Senhor nos abre os olhos para vermos Sua fonte, Ele nos promete que jamais teremos sede outra vez.
Cegados pela fadiga – “Pedro e seus companheiros achavam-se premidos de sono; mas, conservando-se acordados, viram a Sua glória e os dois varões que com Ele estavam” (Lc 9:32).
Ao aproximar-se o pôr-do-sol do ministério de Jesus na Terra, Ele procurou preparar os discípulos para o período de adversidade à frente deles. Depois de um dia inteiro de trabalho intenso, convocou Seus discípulos mais achegados para um retiro de oração na montanha. A princípio, eles uniram suas orações com a de seu Mestre, diz Ellen White, “em sincera devoção”. Mas, com o avanço das horas, eles foram “vencidos pela exaustão e falta de repouso. Mesmo empenhando-se por manter o interesse”, eles adormeceram (ver Spirit of Prophecy, vol. 2, p. 327.)
Enquanto eles dormiam, uma transformação magnífica ocorreu com Cristo. Moisés e Elias Lhe foram enviados para conceder-Lhe a certeza do triunfo na crise que se aproximava. Subitamente, despertando do sono, diz Ellen White que os discípulos “contemplam a visão sublime diante deles, [e] são tomados de êxtase e temor” (Ibidem, p. 330).
Recobrando os sentidos, eles contemplam a glória de Deus e conseguem captar parte do que o bendito Jesus havia planejado para eles. Eles teriam sido beneficiados muito mais, naquela ocasião, se não tivessem sido cegados pela fadiga física!
Quando nos envolvemos de tal maneira em nossos deveres terrenos, quando ficamos estressados pelos cuidados do dia-a-dia, em nossa sonolência espiritual, Deus escolhe momentos para nos abrir os olhos para as realidades celestiais. A exemplo dos discípulos, Ele nos desperta para a luz de Sua glória.
Cegados pela desesperança – “E aconteceu que, quando estavam à mesa, tomando Ele o pão, abençoouo e, tendo-o partido, lhes deu; então se lhes abriram os olhos, e O reconheceram; mas Ele desapareceu da presença deles” (Lc 24:30 e 31).
Dois dos discípulos de Jesus estavam desesperançados acerca de Jesus, Sua mensagem e a igreja. Deixando Jerusalém atrás de si, estavam cegados ao voltar para Emaús. O movimento messiânico havia enfraquecido e se extinguira, como havia acontecido com outros antes dele. Maria e Pedro lhes haviam contado a respeito da tumba vazia, mas eles não podiam compreender que havia ocorrido justamente o maior evento da história cósmica.
Cristo uniu-Se a eles na jornada e procurou confortá-los. Queria que Seus ensinamentos lhes evocasse a memória para que O reconhecessem. Mas eles estavam tremendamente cegados pela desesperança. Ao chegarem em casa, Cristo permaneceu com eles. Ele mesmo deu graças e partiu o pão. Então, repentinamente aconteceu: eles reconheceram o Salvador! Subitamente como havia surgido, Jesus desapareceu. A cegueira espiritual dos discípulos, entretanto, foi curada. Tinham visto o Cristo ressurreto!
A desesperança havia desaparecido diante da glória de Deus. Revigorados, eles não mais sentiam fome. Deixaram tudo; voltaram para Jerusalém fazendo um retorno em U para a mensagem, para a igreja, para a comunhão com os apóstolos.
Em nossa vida, há ocasiões em que somos rodeados pelo desânimo, pela desesperança. Em nosso desvalimento podemos até receber lampejos de atos dos crentes fiéis. Nesses momentos, seremos tentados a voltar as costas para Deus e para a igreja. Porém, jamais devemos nos esquecer da última promessa que Cristo fez aos Seus seguidores, antes de ascender ao Céu: “E eis que estou convosco todos os dias até à consumação do século” (Mt 28:20).
Abre meus olhos – Hoje, nos vangloriamos de nossa inteligência, porém nossa percepção espiritual é necessária a fim de que compreendamos adequadamente os eventos que nos circundam. O apóstolo Paulo escreveu que “o deus deste século cegou o entendimento dos incrédulos, para que lhes não resplandeça a luz do evangelho da glória de Cristo, o qual é a imagem de Deus” (2Co 4:4).
Cegueira espiritual, entretanto, não se limita apenas aos descrentes. Atualmente, há muitos que professam o nome de Jesus e ainda são incapazes de ver a manifestação de Seu poder em sua vida. Diagnosticando a raiz da cegueira, Paulo disse que “o homem natural não aceita as coisas do Espírito de Deus, porque lhe são loucura; e não pode entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente” (1Co 2:14). Sem o discernimento espiritual, não podemos ver a beleza da glória de Deus mais que uma pessoa daltônica pode apreciar a beleza do arco-íris.
Outro alerta importante encontramos em Apocalipse 3:14-22. A mensagem de Jesus aos cristãos em Laodiceia é uma impressionante acusação, e é aplicável ao povo de Deus no tempo presente. A igreja de Laodiceia simboliza a situação espiritual da igreja de Deus perto do fim da história da Terra. Vejamos o que Ellen White diz: "Que maior ilusão pode sobrevir ao espírito humano que a confiança de se acharem justos, quando estão totalmente errados! A mensagem da Testemunha Verdadeira encontra o povo de Deus em triste engano, todavia sinceros em seu engano. Não sabem que sua condição é deplorável aos olhos de Deus. Ao passo que aqueles a quem se dirige se lisonjeiam de achar-se em exaltada condição espiritual, a mensagem da Testemunha Verdadeira derriba-lhes a segurança, com a assustadora acusação de seu verdadeiro estado de cegueira espiritual. Foi-me mostrado que a maior causa de o povo de Deus se achar agora nesse estado de cegueira espiritual é o não receberem a correção. Muitos têm desprezado as reprovações e advertências que lhes foram feitas. A Testemunha Verdadeira condena o estado morno do povo de Deus, o qual dá a Satanás grande poder sobre eles, neste tempo de espera e vigilância" (Testemunhos Seletos, vol. 1, pp. 327-333).
A perda da visão espiritual também afeta os líderes espirituais. Em Seus dias, Cristo advertiu contra os perigos de seguir os guias espirituais cegos: “Deixai-os; são cegos, guias de cegos. Ora, se um cego guiar outro cego, cairão ambos no barranco” (Mt 15:14).
Se realmente quisermos enxergar as dimensões espirituais anteriormente invisíveis para nós, devemos pedir que Jesus nos abra os olhos. Então, responderemos como fez o cego que Jesus curou: “Uma coisa sei: eu era cego e agora vejo” (Jo 9:25).
Daniel L. Honore (via Revista Adventista)
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