quinta-feira, 18 de janeiro de 2024

O JULGAMENTO DE JESUS

Estudei o chamado “julgamento” de Jesus em uma perspectiva legal, e descobri que as injustiças foram muito maiores do que eu imaginava. Jesus foi processado e condenado por dois tribunais: o Sinédrio (o Supremo Tribunal Hebraico) e o Romano. Ambos sistemas judiciais são conhecidos pela maneira zelosa com que defendiam a justiça. No entanto, esses sistemas legais foram prostituídos para destruir o homem mais inocente que já viveu.1

A prisão de Jesus, o julgamento e a sentença foram processos ilegais, tornando Seu caso uma farsa total, do início ao fim! “Durante todo o decurso desse julgamento, as regras do processo da lei judaica foram repulsivamente violadas, e o acusado foi privado dos direitos pertencentes até ao mais insignificante cidadão. Ele foi preso à noite, amarrado como um malfeitor, espancado antes de Sua acusação e golpeado em audiência pública durante o julgamento; foi julgado em um dia de festa, antes do amanhecer; foi obrigado a incriminarSe, sob um juramento judicial solene, e foi condenado no mesmo dia da acusação. Em todos esses aspectos, a lei foi totalmente desconsiderada.”2 Este artigo consiste na análise das violações da lei hebraica e romana que culminaram no assassinato de Jesus.

Violações da lei hebraica

A prisão de Jesus, por si só, foi ilegal em pelo menos três fundamentos do direito hebraico: o aprisionamento foi feito à noite; foi realizado com a participação de Judas, que teria sido considerado cúmplice de Jesus; e não foi baseado em causa provável por oficiais que procuravam por um julgamento justo.3

O processo judeu foi feito à noite, sigilosamente. Julgamentos à noite eram proibidos4, e por uma boa razão: eles poderiam ser usados para encobrir interesses escusos, sem o devido processo legal. Também foi solapado o direito de participação do público. Grande parte do julgamento foi em oculto, mas a lei hebraica exigia que o julgamento fosse público.5

O Sinédrio não realizou duas sessões com um dia de intervalo. As duas sessões foram realizadas, no máximo, com apenas algumas horas de intervalo.6 Isso não ofereceu oportunidade para que as cabeças esfriassem e a justiça pudesse prevalecer. Em casos importantes, a sentença não poderia ser pronunciada até a tarde do segundo dia. Se o Sinédrio votasse para condenar no primeiro dia, eles deviam deixar a sala de pedra lavrada e reunir-se em grupos de cinco ou seis para discutir o caso. Eles voltavam para casa de dois em dois, de braços dados, ainda buscando argumentos a favor do acusado. Depois do pôr do sol, convocavam um ao outro para discutirem o caso e orar por orientação divina. No dia seguinte, deveriam orar e jejuar até que o caso fosse decidido. Eles se encontravam após o sacrifício da manhã e novamente analisavam as evidências. Podiam mudar o voto para absolver o acusado, mas não para condená-lo. Antes da execução, convidavam pessoas que acompanhavam o julgamento a apresentar, se tivessem, evidências a favor do condenado.7 Jesus não foi beneficiado pelo adequado processo legal, pois os juízes eram obrigados a fazer duas sessões, com um dia de intervalo. Também não era permitido que se reunissem no sábado semanal ou no sábado festivo, além de não terem autorização para reunir-se no dia anterior ao sábado.8

O julgamento ocorreu antes do sacrifício da manhã. De acordo com a lei hebraica, “nenhum homem era considerado competente para atuar como juiz antes do sacrifício e orações que tinham sido oferecidos ao grande Juiz do Céu”.9

Jesus foi agredido fisicamente durante o julgamento, embora Ele devesse ter sido presumido inocente e tratado com respeito. Jesus foi golpeado por um oficial que não gostou da maneira como Ele falou com Anás (João 18:22). Entre as duas sessões do Sinédrio, Jesus também foi repetidamente espancado. Cuspiram nEle, vendaram Seus olhos e O ridicularizaram (Mateus 26:67 e Marcos 14:65, Lucas 22:63-64). Foram atos de brutalidade ultrajantes e cruéis que a lei hebraica não permitia.

As acusações contra Jesus eram vagas. No decorrer do julgamento, a acusação foi mudada de sedição – o que não foi provado, pois as testemunhas “não estavam de acordo” – para blasfêmia, uma vez que Jesus afirmou ser o Filho de Deus (Marcos 14:55-64). As acusações contra um réu deveriam ser sobre um crime específico, e o julgamento precisaria estar baseado nessa acusação. Ainda hoje, se durante um julgamento um promotor não conseguir provar as acusações originais e, por isso, tentar alegar um novo crime, o juiz e o júri irão considerar essa tentativa absurda. Quando as falsas testemunhas contra Cristo não conseguiram provar o crime de sedição, o caso deveria ter sido anulado.10 Blasfêmia, a nova acusação, era um dos delitos conhecidos como dos mais graves para os judeus, porque desrespeitava o próprio Deus, e por isso era considerado equivalente à traição.

O juiz do Sinédrio iniciou a nova acusação de blasfêmia (Mateus 26:63-66). Os juízes do Sinédrio não podiam acusar ou julgar, mas apenas investigar as acusações feitas por testemunhas.11 As testemunhas tinham que dar início às acusações, atuar como promotores, e até mesmo executar a sentença em casos de morte.12 Deuteronômio 17:7 diz: “As mãos das testemunhas serão as primeiras a proceder à sua execução, e depois as mãos de todo o povo.” Aparentemente, a razão para essa regra é que se você tivesse que apedrejar alguém até a morte, você seria levado a pensar duas vezes sobre o motivo de sua acusação. Na realidade, nenhuma testemunha se apresentou para acusar a Jesus de blasfêmia. Acusando a Jesus de blasfêmia, o juiz agiu como um promotor, embora devesse atuar como defensor.13 Além disso, nenhum juiz poderia falar contra o acusado até que, pelo menos, um juiz tivesse falado em seu nome,14 o que não aconteceu no julgamento de Jesus.

A convicção de que Jesus cometera o crime de blasfêmia foi baseada em Suas próprias declarações, e em mais nada.15 A lei hebraica proíbe condenar alguém com base unicamente em sua própria admissão.16 O mesmo ocorre em muitos tribunais modernos, como base no princípio jurídico de Corpus Delicti. Nenhuma testemunha se apresentou para acusar Jesus de blasfêmia.

Jesus foi condenado pelo voto unânime do Sinédrio, que deveria ter resultado em absolvição. Marcos 14:64 diz: “Todos o julgaram digno de morte.” Um júri anglo-saxônico em geral deve ser unânime para chegar a um veredito válido, mas não deveria ser assim com a lei hebraica. A lei hebraica argumentava que o acusado precisava ter pelo menos um defensor no tribunal. De outra forma, a misericórdia estaria ausente, e daria espaço para o espírito de conspiração ou a violência da multidão.17

Os juízes não eram qualificados porque subornaram Judas para lhes entregar Jesus. O próprio Judas admitiu que Jesus era inocente quando confessou publicamente “traí sangue inocente” (Mateus 27:4).

Os juízes eram tendenciosos contra Jesus e O odiavam absolutamente. Portanto, não eram qualificados para julgá-lO de maneira justa. Várias vezes, o chefe dos sacerdotes e os fariseus conspiraram para matar Jesus, inclusive depois que Ele ressuscitou a Lázaro de entre os mortos. João 11:53 registra que “daquele dia em diante, resolveram tirar-lhe a vida”. “Quando um juiz decide em desacordo com a verdade, ele faz a majestade de Deus se afastar de Israel. Mas se julga de acordo com a verdade, mesmo que seja apenas por uma hora, é como se ele restaurasse o mundo inteiro, pois é no julgamento que a presença divina encontra sua habitação em Israel.”18

Os juízes ignoraram a evidência esmagadora a favor de Cristo ser o Messias e, portanto, ser inocente do crime de blasfêmia. A lei hebraica exigia que fossem feitos todos os esforços para encontrar evidências a favor do acusado.19 De acordo com o Antigo Testamento, Jesus cumpriu todas as profecias que mostram que Ele é o Messias. Por exemplo, Ele nasceu em Belém, nasceu de uma virgem, era da casa de Davi, fugiu para o Egito, operou milagres, fez uma entrada triunfal sobre um jumento em Jerusalém, foi traído por 30 moedas de prata, e foi um homem de aflições, pobreza e sofrimento, para citar apenas algumas evidências.

Os juízes procuraram e chamaram falsas testemunhas para condenarem a Jesus. Mateus 26:59-61 diz: “Os chefes dos sacerdotes e todo o Sinédrio estavam procurando um depoimento falso contra Jesus, para que pudessem condená-lo à morte, mas não encontraram, embora se apresentassem muitas falsas testemunhas. Finalmente, surgiram duas testemunhas que afirmaram: ‘Este homem disse: Sou capaz de destruir o santuário de Deus, e reconstruí-lo em três dias.’” Supostamente um julgamento é a busca pela verdade.

A exigência de que pelo menos duas testemunhas, que concordassem em detalhes essenciais, incriminassem a Jesus, não foi cumprida (Deuteronômio 17:6).

Violações do direito romano

Depois de violarem impiedosamente muitas de suas próprias leis destinadas a salvaguardar a justiça, os judeus, em seguida, procuraram as autoridades romanas para executarem a sentença de morte contra Jesus. Por causa de sua reputação de ser injusto e cruel, os judeus estavam confiantes em que Pilatos honraria o desejo demoníaco deles, embora Roma se orgulhasse de ter um sistema judicial muito civilizado e justo. Como o advogado Walter Chandler observou: “O sistema judicial romano é incomparável na história da jurisprudência. A Judeia deixou o legado da religião; a Grécia, da literatura; Roma, das leis para a humanidade. Com base nisso, são realizados os julgamentos em todo o mundo.”20

Mau como era, Pilatos viu algo diferente no prisioneiro que estava diante dele. Em vez de carimbar o desejo de morte, ele exigiu que apresentassem as acusações contra Jesus. Os judeus condenaram Jesus por blasfêmia, mas sabiam que essa acusação religiosa não seria suficiente para os romanos. Então, a acusação religiosa foi transformada em acusação política. De acordo com Lucas 23:1 e 2, acusaram Jesus de três violações do direito civil, que culminavam em traição contra César: perversão da nação – sedição contra o governo; proibição do pagamento de impostos, o que é suficiente para chamar a atenção de qualquer político; e alegação de ser rei – traição contra César. Jesus admitiu a Pilatos que Ele era um rei, mas que Seu reino não era deste mundo e que não era uma ameaça para o governo romano. Como os judeus, Pilatos, então, cometeu uma série de erros judiciais, desviando-se das proteções fundamentais das leis romanas.

Pilatos violou a lei contra a dupla incriminação. Depois de investigar a Cristo, e sem testemunhas de acusação, Pilatos deu o veredito: “Não acho nEle motivo algum de acusação” (João 18:38). Segundo Simon Greenleaf, que foi um proeminente professor da Faculdade de Direito da Universidade de Harvard, a decisão de Pilatos “era uma sentença de absolvição, judicialmente pronunciada e irreversível, exceto por um poder superior, mediante recurso. Era dever de Pilatos ter liberado Jesus”. 21 Pilatos tinha o dever de fazer cumprir sua decisão, de expedir soldados romanos para dispersar a enfurecida multidão, e proteger Jesus de seu descontrole. Os judeus se recusaram a aceitar o veredito de Pilatos e inventaram outra acusação de sedição, afirmando que Jesus subverteu o povo da Galileia contra Jerusalém (Lucas 23:4-5). A lei contra a dupla incriminação diz que um homem não pode ser julgado duas vezes pela mesma conduta. Essa lei originou-se com o direito romano, e é um princípio importante na jurisprudência moderna. Pilatos ignorou essa lei e manteve ativo o processo contra Jesus. Pilatos era um covarde, e estava tentando satisfazer sua consciência e a multidão. Vendo uma saída fácil, Pilatos, então, enviou o caso para Herodes. Inescrupuloso como era, Herodes se recusou a condenar Jesus. Atitude equivalente a uma nova absolvição.

Depois de absolver novamente a Jesus, em uma vã tentativa de manter um compromisso com a multidão, Pilatos ordenou que um homem inocente fosse punido com uma surra cruel (Lucas 23:13-16). Essa ação era flagrantemente imoral, ilegal e covarde. Se Jesus era culpado, Ele deveria ter sido punido com algo mais do que uma surra. Mas se era inocente, deveria ter sido libertado e protegido dos judeus. Como o castigo de Jesus não conseguiu apaziguar os acusadores, Pilatos fez outra tentativa frustrada de encerrar o caso: matar um homem. Em comemoração à Páscoa judaica, ele estava disposto a libertar a Jesus ou ao desprezível Barrabás, que era realmente culpado de sedição, roubo e assassinato – acusações levantadas contra Jesus. Pilatos subestimou o ódio dos judeus por Cristo. Os judeus escolheram a libertação de Barrabás e pediram a crucificação do Messias do mundo.

Pilatos mostrou total desprezo pelo inocente Filho de Deus e pela seriedade dos processos judiciais, permitindo que Jesus fosse escarnecido com um manto real púrpura e uma coroa (João 19:2-5).

Pilatos anulou o Estado de Direito, que exige a absolvição de um homem inocente, para preservar sua função política. Pilatos ilegalmente reverteu os seus múltiplos vereditos de inocência, quando os judeus o ameaçaram com uma queixa para César. Uma regra bem estabelecida do direito romano declarava: “O clamor infundado da população não deve ser considerado quando clamam para que um homem culpado seja absolvido ou um inocente seja condenado.”22 Com um show teatral, Pilatos lavou as mãos, quando deveria tê-las usado para “apontar à legião o campo do dever e da glória”23 a fim de combater o crime organizado. A água não lavou o sangue de Jesus de suas mãos. Toda “a água do Mediterrâneo não teria sido suficiente para lavar a culpa do governador romano”.24 Pilatos condenou e matou a Jesus, mesmo que nenhum crime tenha sido declarado formalmente; nenhuma testemunha, chamada; nenhuma evidência, apresentada; nenhuma prova de um ato criminoso, encontrada; e Ele tenha sido considerado inocente! 25

O objetivo deste artigo não é tanto condenar os tribunais humanos, mas elevar a majestade de Jesus Cristo. Quanto maior a injustiça sofrida por Jesus, mais Seu amor brilha por nós. Quanto mais escura a noite, maior o brilho de Sua luz. Embora eu tenha crescido como um cristão e tenha sido ensinado sobre Jesus, não me converti até que tive um encontro pessoal com a injustiça do Calvário. A vontade de Jesus em suportar com paciência e sem oposição a maior farsa da injustiça que o mundo já havia conhecido revelou-me o perfeito amor e bondade de Deus. Então O aceitei em minha vida, e Ele preencheu com alegria meu coração vazio – que em vão tinha perseguido poder, prazer, status e riqueza. Embora seja interessante avaliar todas as injustiças cometidas por judeus e romanos; em última análise, todos somos responsáveis pela morte de Cristo, já que Ele foi “ferido por nossas transgressões” (Isaías 53:5). “Cristo foi tratado como nós merecíamos para que pudéssemos receber o tratamento a que Ele tinha direito. Foi condenado pelos nossos pecados, nos quais não tinha participação, para que fôssemos justificados por Sua justiça, na qual não tínhamos parte. Sofreu a morte que nos cabia, para que recebêssemos a vida que a Ele pertencia. Pelas Suas pisaduras fomos sarados.”26

David Steward (via Diálogo)

REFERÊNCIAS

  1. Honorable Harry Fogle. The trial of Jesus. Jurisdictionary Foundation, Inc., 2000.
  2. GREENLEAF, Simon. The testimony of the evangelists examined by the rules of evidence administered in courts of justice. New York: James Cockcroft & Company, 1874. p. 566.
  3. CHANDLER, Walter M. The trial of Jesus from a lawyer’s standpoint. New York: The Empire Publishing Co., 1908. Vol. 1. p. 226-237.
  4. DUPIN, M. The trial of Jesus before Caiaphas and Pilate. Trad. John Pickering. Boston: Charles C. Little e James Brown, 1839., p. 37.
  5. SALVADOR, Joseph. Histoire des institutions de Moise. Paris: Michel Levy-Freres, 1862). p. 365-366.
  6. BUNCH, Taylor. Behold the man. Mountain View, Califórnia: Pacific Press, Assn., 1940, p. 84-85.
  7. Ibid, p. 67.
  8. WISE, Isaac M. The martyrdom of Jesus. Cincinnati/Chicago: The Bloch Publishing and Printing Co., 1888. p. 91.
  9. BUNCH, p. 90.
  10. Ibid, pp. 85-87.
  11. EDERSHEIM, Alfred. The life and times of Jesus the messiah. New York: Longmans, Green and Company, 1906. p. 309.
  12. MENDELSOHN, S. The criminal jurisprudence of the ancient hebrews. Baltimore: M. Curlander, 1891. p. 110.
  13. BUNCH, p. 64.
  14. Ibid, p. 67.
  15. Ver Marcos 14:61-64.
  16. BUNCH, p. 93
  17. CHANDLER, vol. 1, p. 280
  18. BUNCH, p. 66.
  19. Ibid, p. 105.
  20. CHANDLER, vol. 2, p. 5.
  21. GREENLEAF, p. 565.
  22. DUPIN, p. 81-82 (nota de rodapé da página: Law 12, Code de Poenis)
  23. CHANDLER, vol. 2, 00. p. 137-138.
  24. BUNCH, p. 159.
  25. ROSADI, Giovanni. The trial of Jesus. New York: Dodds, Mead & Company, 1905. p. 237-237, 288, 294.
  26. WHITE, Ellen G. O desejado de todas as nações. Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2001. p. 25. 

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