Em Mateus 19:16-30 (ver também Marcos 10:17-31; Lucas 18:18-30) aparecem o relato do jovem rico, que não conseguiu se desvencilhar de suas posses materiais, e as declarações de Cristo sobre o perigo das riquezas. Depois que o jovem “retirou-se triste”, Cristo afirmou:
“Em verdade vos digo que um rico dificilmente entrará no reino dos céus. E ainda vos digo que é mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que entrar um rico no reino de Deus” (Mateus 19:22-24).
Alguns comentaristas bíblicos procuraram minimizar o efeito paradoxal da expressão “passar um camelo pelo fundo de uma agulha” reinterpretando o significado dos termos “camelo” e “fundo de uma agulha”. Por exemplo, há quem diga que a palavra “camelo” se refira aqui não ao próprio animal conhecido por esse nome, mas a um “cabo” ou “corda” de navio. Os defensores dessa teoria se baseiam no fato de que alguns manuscritos bíblicos, produzidos vários séculos depois de Cristo, trazem nesse verso a palavra “cabo” em vez de “camelo”. Como no original grego os termos “camelo” (kámelos) e “cabo” (kámilos) possuem certa semelhança entre si, é provável que alguns copistas e tradutores do Novo Testamento tenham substituído intencionalmente o termo “camelo” por “cabo”.
Outra teoria popular pretende identificar o “fundo de uma agulha” com uma suposta portinhola lateral nos muros de Jerusalém, pela qual passavam os pedestres quando os grandes portões daquela cidade já estavam fechados. Embora as portinholas de algumas cidades mais recentes da Síria fossem denominadas de “olho da agulha”, não existem evidências de que esse era o caso com Jerusalém nos dias de Cristo. Como a teoria da portinhola surgiu séculos depois de Cristo, não cremos que Ele a tivesse em mente no texto em consideração.
As palavras “passar um camelo pelo fundo de uma agulha” são, sem dúvida, uma expressão proverbial semelhante a várias outras usadas no mundo antigo para descrever uma completa impossibilidade. Mesmo na literatura judaica posterior, aparecem alusões ao “elefante” como incapaz de passar pelo fundo de uma agulha. Sendo que os discípulos estavam bem mais familiarizados com o camelo do que com o elefante, Cristo decidiu contrastar o maior dos animais da Palestina (o camelo) com o menor dos orifícios conhecidos na época (o fundo de uma agulha).
As tentativas de interpretar o “camelo” como um cabo e o “fundo de uma agulha” como uma portinhola acabam enfraquecendo, portanto, a força do argumento de Cristo. O texto de Mateus 19:16-30 deixa claro que o propósito de Jesus era levar Seus discípulos a entender a completa impossibilidade de alguém, semelhante ao jovem rico, ser salvo enquanto ainda apegado às suas riquezas. O problema não está nas riquezas em si, mas no apego indevido a elas. Mas quando o ser humano aceita o convite à renúncia de si mesmo (ver Mateus 16:24-26), aquilo que é “impossível aos homens” se torna possível ao poder transformador da graça divina (Mateus 19:26).
Ellen G. White diz: "É plano divino que as riquezas sejam usadas devidamente, distribuídas de modo a serem uma bênção aos necessitados, e para promover a causa de Deus. Se os homens amam as riquezas mais do que amam aos semelhantes, ou mais do que amam a Deus ou as verdades da Sua Palavra, se têm o coração preso às riquezas, não poderão então ter a vida eterna. Aqui as criaturas são provadas; e, como o jovem rico, muitos se afastam, tristes, porque não podem levar suas riquezas e tesouros para o Céu. 'Para Deus todas as coisas são possíveis' (Marcos 10:27). A verdade, incutida no coração pelo Espírito de Deus, expulsará o amor das riquezas. O amor de Jesus e amor do dinheiro não podem habitar no mesmo coração. O amor de Deus ultrapassa tanto o amor do dinheiro que o possuidor rompe com as riquezas e transfere suas afeições para Deus. Pelo amor é ele então levado a ministrar às necessidades dos pobres e ajudar a causa de Deus. É seu maior prazer dispor da devida maneira os bens de seu Senhor. Considera tudo que tem como não lhe pertencendo, e desobriga-se fielmente de seus deveres, como mordomo de Deus que é. Deste modo é possível entrar o rico no reino de Deus" (Nos Lugares Celestiais, p. 309).
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