Celebrado neste 20 de novembro, o Dia da Consciência Negra será feriado nacional pela primeira vez em 2024, instituído pela Lei 14.759/2023.
Consciência é a capacidade de a mente humana perceber a relação que tem com o ambiente, com a realidade em que está inserida. “Ser consciente” implica vivências, experiências, a compreensão da vida.
Por isso, é preciso aprendizados formais e informais, “con-vivências”, aberturas ao outro e a outras existências, (co)existir. Quanto mais experimentamos para além do que temos e somos tomamos mais consciência da complexidade da vida, sua diversidade, suas demandas.
É muito significativo que tenhamos um dia para destacar a “consciência negra” no Brasil. Por séculos, a colonização política e cultural europeia instituiu que negros seriam uma segunda categoria de humanos, uma raça inferior, para justificar a escravidão dos povos africanos.
Isto se fez com o apoio da ciência (teoria das três raças) e da religião (teologia da maldição de Caim, o fratricida da primeira família humana criada por Deus que teria se exilado na África).
Muita gente dedicou a vida à contestação desta ordem cruel. No século XVIII, os negros quilombolas, simbolizados na figura de Zumbi dos Palmares, se opuseram à ordem imposta para fazer valer a vida e a dignidade dos negros como humanas.
Ao mesmo tempo, cristãos brancos conscientes da opressão colonial denunciaram e contradisseram as ideologias racistas na Inglaterra, o país que mais traficou escravos. Entre eles estavam o inspirador da Igreja Metodista John Wesley e o anglicano William Wilbeforce.
A escravidão chegou ao fim, ao menos como prática oficializada, e foi condenada pela história. A ciência corrigiu seus rumos e o Projeto Genoma derrubou a teoria das raças ao provar que a raça humana é uma só.
Mais cristãos fomentaram uma leitura da fé para a superação do racismo, formaram consciências e inspiraram movimentos por igualdade e justiça que até hoje marcam o mundo. Entre eles estão o pastor batista estadunidense Martin Luther King e o leigo metodista da África do Sul Nelson Mandela.
Ainda que leis de segregação racial nos Estados Unidos tenham sido superadas e o regime do apartheid na África do Sul tenha sido vencido, o racismo ainda persiste nestes países e em muitos outros. As marcas da ideologia da supremacia branca e da exploração das pessoas negras, insistem em permanecer vivas, mesmo que sejam criadas leis para superá-las, como no Brasil.
É atroz o racismo estrutural como o que ocorre com o descaso do mundo com a África e no Brasil. Aqui ele se dá via barreiras (invisíveis) de acesso a cargos públicos, postos de trabalho qualificados, vagas de estudo, locais de lazer e moradia, e índices de trabalhadores de serviços gerais, pessoas encarceradas, moradores de periferias.
Este racismo presente na cultura permite que líderes políticos brancos afirmem, sob risos de uma plateia branca: “Eu fui num quilombo. O afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas (medida usada para pesar gado). Não fazem nada. Eu acho que nem para procriador ele serve mais. Mais de 1 bilhão de reais por ano é gasto com eles” (Jair Bolsonaro, ex-presidente do Brasil, Clube Hebraica, Rio de Janeiro, 3 de abril de 2017).
Conforme lemos na Declaração da Igreja Adventista sobre o Racismo, "o racismo está entre os piores dos arraigados preconceitos que caracterizam seres humanos pecaminosos. Suas consequências são geralmente devastadoras, porque o racismo facilmente torna-se permanentemente institucionalizado e legalizado. Em suas manifestações extremas, ele pode levar à perseguição sistemática e mesmo ao genocídio."
A norma para os adventistas está reconhecida na Crença Fundamental nº 14 da Igreja, “Unidade no Corpo de Cristo”, baseada na Bíblia. Ali é salientado: “Em Cristo somos uma nova criação; distinções de raça, cultura e nacionalidade, e diferenças entre altos e baixos, ricos e pobres, homens e mulheres, não deve ser motivo de dissenções entre nós. Todos somos iguais em Cristo, o qual por um só Espírito nos uniu numa comunhão com Ele e uns com os outros; devemos servir e ser servidos sem parcialidade ou restrição.” Qualquer outra abordagem destrói o âmago do evangelho cristão.
A consciência negra é afirmativa da negritude e por isso demanda libertação destas tantas amarras que persistem. Consciência negra, portanto, não diz respeito somente aos negros, sua auto-valorização e afirmação social. Consciência negra é algo a ser cultivado por todos os seres humanos, de qualquer cor, classe social, local de moradia.
É construir sentimentos e percepções do que é correto e do que é errado, do que é suficiente e do que falta, do que é comum e do que pede atenção, do que é saudável e do que demanda cuidado, do que é benefício e do que exige reparação. É aprender a (co)existir. É para a vida toda.
Ellen G. White diz: “Quando for derramado o Espírito Santo, haverá um triunfo da humanidade sobre o preconceito em buscar a salvação de todos os seres humanos. Deus dominará as mentes. Os corações humanos amarão como Cristo amou. E a barreira da cor será considerada por muitos de maneira bem diferente daquela em que é considerada agora. Amar como Cristo ama eleva a mente a uma atmosfera pura, celestial e altruísta. Quem se acha intimamente ligado a Cristo é elevado acima do preconceito de cor ou casta. Sua fé apodera-se das realidades eternas” (Testemunhos para a Igreja, vol. 9, p. 209).
[Com informações de Carta Capital]