quinta-feira, 9 de junho de 2011

A Igreja e a Serra Elétrica

Podemos ser uma igreja que atua de forma artesanal ou industrial











Visitei uma árvore caída na rua. As raízes romperam o duro concreto da calçada e ela tombou – o que antes fora um enorme ser vivo, agora era um toco agonizante. Abatida e torcida, a árvore parecia gemer com suas fraturas expostas. Continuei andando pensando o seguinte: uma coisa é derrubar uma árvore com machado, e outra, bem diferente, é abatê-las com serra elétrica. A natureza se recompõe e se renova. Não podemos dizer que o lenhador seja um agressor, que por capricho e raiva abate as pobres árvores. No entanto – pensava eu enquanto andava –, o mesmo não podemos falar daqueles que derrubam árvores com potentes serras elétricas. As grandes derrubadas para atender às demandas industriais, à primeira vista, parecem que são mais velozes do que a natureza no seu esforço para se recompor.

É claro que estes pensamentos me ocorreram e eu não tinha a menor pretensão de sistematizá-los, ou sequer de que fossem coerentes. Simplesmente estava pensando enquanto andava, até que encontrei um pastor que estava à porta do templo esperando outros colegas para uma reunião de oração. Ele me disse que regularmente um grupo pequeno de pastores se reúne ali para orar e pensar no que chamou de “ferramentas adequadas” para a construção dos seus ministérios. Foi neste instante que falou algo que me intrigou: “Nós podemos realizar o ministério com várias ferramentas. Podemos usar um serrote ou podemos usar uma serra elétrica. Onde estamos e o que queremos é que vai determinar o tipo de instrumento que queremos usar.”

Tomei um susto quando ele disse aquilo. Parecia que o diálogo não era com o que eu lhe falava, mas com o que eu pensava. Por uns instantes, fiquei calado, sem saber o que representava aquela coincidência. Os outros pastores chegaram e o diálogo sobre ferramentas ministeriais terminou sem que eu dissesse nada sobre o que vinha pensando acerca de machados e serras elétricas desde que vira aquela árvore tombada na rua.

A primeira coisa que me veio à mente foi a de que podemos optar por ser uma igreja que produz em escala industrial. Óbvio que, para conseguir esse objetivo, é necessário se ajustar aos procedimentos típicos de uma indústria. Numa igreja com esta ênfase, tempo é dinheiro, templo é a marca, a eficiência é tudo, a mídia é o padrão e as pessoas são números. Convenhamos que uma igreja que assim se organiza e produz está adequadamente afinada com o espírito da nossa época. Em outras palavras, podemos ser uma igreja com “serra elétrica”, que só atua pensando na produção em larga escala e aceita os desafios hoje impostos pelo mercado religioso.

Já uma igreja que entende que seu trabalho não pode ser generalizado e impessoal prefere talhar o caráter de seus membros. Para isso, o trabalho tem que ser artesanal. Peça por peça, vida por vida. As particularidades de cada um não são chamadas de exceções. Para quem tem a missão de formar pessoas usando como modelo o próprio Jesus Cristo, não há pressa. Estamos falando de uma igreja comunitária, onde vínculos profundos se formam. Nesta igreja, tempo é partilha, templo é aconchego e discipulado é a pérola de grande valor. As pessoas ali sabem que Deus as conhece pelo nome e as ama – daí porque a igreja por elas se interessa, pretendendo também conhecê-las e amá-las. Uma igreja artesanal lida com a complexidade humana, sem simplificações dos jargões religiosos e sem as malandragens da linguagem de um marketing viciado e agressivo.

Devemos promover um ministério marcadamente artesanal, onde cada um ponha a mão na parte que lhe cabe, definida pelo Espírito Santo, para a execução daquilo que Deus define como tarefa nossa neste tempo. Queremos e devemos produzir, construir, edificar, mas sem causar males à natureza do Evangelho e às pessoas. O que há de nos pautar é o caráter de Cristo e não o espírito mercantilista de nosso tempo. É notório que igrejas que caem na tentação de atuar com serra elétrica padecem pelos seus próprios descaminhos: conseguem visibilidade, mas anunciam com seus discursos práticas e alianças que renunciam ao essencial para não perder o emergencial.

Que rumo o Senhor quer que tomemos? As respostas que a igreja de Antioquia encontrou, mencionadas em Atos 13, podem nos ajudar. Ali havia profetas e mestres – e ambos os ministérios esmeram-se por entender e compartilhar a palavra de Deus. Profetas anunciam coisas novas, convidam aos rompimentos, estimulam, inquietam, provocam, confrontam. A voz profética é, sobretudo, uma voz que lembra aos esquecidos o rumo apontado e determinado por Deus. E o Senhor não está retido no passado distante. Deus fala, e fala ao homem de hoje. Quanto aos mestres, esses ensinam apontando para a revelação de Deus e o fazem com a própria vida. O verdadeiro mestre é aquele que experimenta o conteúdo do que ensina.

Que haja entre nós a voz de Deus que anuncia as coisas novas e a voz de Deus que não nos deixa esquecer da sua revelação ao longo da história.

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