sexta-feira, 10 de junho de 2011

Bate-papo sobre louvor e adoração

















 - Não sei... o que é realmente sincero? Agora, tudo me parece artificial, forçado. Vejo-os levantarem as mãos, lacrimejando com olhinhos brilhantes, trejeitos, um sermão decorado, previsível. Até mesmo o que chamam de espontâneo.

- Afinal: o que te preocupa? O que eles fazem ou a forma correta na qual essas coisas são feitas de forma legítima?

- Desculpe, Mestre. Depois de tantos anos crendo que uma coisa é genuína, descobrir que tudo poderia ser uma encenação, que muito – ou quase tudo – que eles declaram, nem de longe, é vivido... basta conhecê-los para descobrir a grande verdade: uma mentira...

- Deixa que Eu cuido disso, ou você sabe melhor do que Eu, cuidar da existência humana? Olhe ali, vindo em meio à neblina. Aprenda com ele...

Olhei e vi um ancião envergado pelo tempo atravessar a bruma. Quanto mais se aproximava, mais jovem parecia, e diante de mim, era apenas um menino. Via-o através da penumbra e o sangue que o cobria parecia de um tempo diferente: quando o vi, estava velho, sujo de sangue seco, que sabia ser de muitos homens. Mas de perto, era um belo e límpido garoto, embora nele repousasse uma imponência rara, só visto nas almas inexplicavelmente nobres, havia ferocidade e tranquilidade naquele olhar e passou por mim como fantasma, sentando-se numa rocha, contemplando o pasto imenso como se fosse eterna novidade, observando as ovelhas de seu pastoreio, admirado com tudo que o cercava.

Sozinho, exercia seu ofício, cuidando das ovelhas, levando-as ao riacho, desenroscando-as dos espinheiros, mantendo-as longe dos predadores naturais.

- Aproxime-se... disse o Mestre – Está ouvindo?

- Ouvindo o quê?

- Mais perto... ouça... ele sussurra...

O menino balbuciava uma canção, tocando sua pequena harpa, e seus olhos molhavam suas sardas. Não era tristeza, estava profundamente emocionado, mas não havia ninguém para que admirasse suas lágrimas, nem ouvir seu cântico: ele cantarolava admiração, ele exprimia com um cântico, uma profunda e íntima devoção, e se permitia às vezes cantar mais alto, ou dançar alegre entre os cordeiros indiferentes de seu rebanho.

“Nada sinto falta, pois como sou pastor delas, o Senhor é o meu...” - solfejava desafinado, enquanto erguia os braços aos céus azuis e quentes, como um menino graceja para o próprio pai. - “Como faço ao cuidar com zelo de meus bichinhos, assim faz Tu com minha vida...”

- Quis que conhecessem essas músicas. Ele compôs várias... gostei muito do som delas, são muito boas, concorda? Por isso, resolvi perpetuá-las.

- Confesso, Mestre, que ouvir ele cantar dessa forma me emocionou de uma forma diferente...

- Envolveu você, não é? Quando o cântico é legítimo, a coisa funciona assim, mesmo sem público, sem arranjo, sem produção pirotécnica. Não que eu me importe ou deixe de me importar com isso... não é essencial.

- Mas parecia tão simples na boca do menino...

- Sim... mas não esqueça que a canção não nascia na sua garganta: vinha de um lugar secreto, que só pode ser aberto por quem está realmente grato, ou admirado. Ele não enxergava a criação sem conseguir me ver na autoria dela, é assim que Eu queria ser visto: ser reconhecido por algo que fiz para vocês, e ser apercebido pelos motivos que me levaram a isso... Ser louvado pelo que fiz para vocês, e adorado pelo Amor que tenho em minha essência. Outra: não se atente para a aparência de menino: nele repousa um rei que tem o coração segundo o meu agrado...

- Essa maneira de adoração e louvor me parece tão simples, tão acessível, tão fácil de alcançar...

- Sim... mas nela não cabe hipocrisia, mentiras... imagine a vergonha desses cantores se soubessem que se põem na minha presença, mas esquecem que Eu estou vendo que fazem por público, por aplauso, dinheiro...

- Creio que seja capaz de Te louvar e adorar assim... o som de Davi me contagiou...

- O problema está no instante em que você for reconhecido pelos outros com aplausos, apenas por ter rasgado sua alma em minha presença...

- O Senhor que me livre...

- Que assim seja, para isso servem essas quedas que eu permito, e que intimamente vocês escondem, abafam, ocultam daqueles que os bajulam com seus aplausos...

- Duro ouvir isso, Pai...

- Se houvessem outros remédios eficazes e menos dolorosos, certamente, Eu os teria aplicado. Eu tenho os séculos dos séculos de experiência com vocês. Sei o que faço...

Zé Luís - Cristão Confuso

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