Estou escrevendo este texto dentro do Maracanãzinho, entre um set e outro do jogo da seleção brasileira de vôlei contra os Estados Unidos, pela Liga Mundial. Sempre fui mais das bibliotecas do que dos estádios, mas quando se ganha convites de graça e está com parentes de fora do Rio hospedados na sua casa, parece que surge uma obrigação para ir ao ginásio. Então viemos.
Confesso minha ignorância: tirando o técnico, Bernardinho, não conheço nenhum jogador. Sei que eles são bastante altos e, segundo minha priminha, “lindos”. Tudo bem, acredito. Não acompanho nenhum campeonato, não estou por dentro da tabela e reconheço que ainda acho muito estranho o vôlei não ter “vantagem”. Sou velho, fazer o quê? Em resumo: vim como um alienígena, peregrino em uma terra muito estranha. Então sou um torcedor atípico e, por isso, meu olhar acaba sendo mais distanciado. E, admito, é bem interessante uma pessoa tão distante do mundo dos esportes como eu estar em uma situação dessas, pois me possibilita observar com uma visão crítica, diferente da de um fã. O que mais me chama a atenção é como tudo – absolutamente tudo – o que a torcida faz é dirigido, conduzido.
Esqueça tudo o que você vê na TV: nada é espontâneo. Nada. Nos dizem o tempo inteiro o que temos de fazer: o que cantar, o que gritar, quando sentar, quando levantar as mãos, em que momentos dizer tal e tal coisa. Todas as vibrações, as olas, o batuque com esses tubos infláveis amarelos e até o ritmo da batucada tem alguém conduzindo: um DJ com cocar de índio dita o ritmo em que o povo bate palmas e os bastões. A cada saque do Brasil mensagens no telão dizem quando devemos gritar “Ace!”. E quando parar.
As vibrações nos intervalos dos sets são regidas por um “animador de auditório”, que, de microfone na mão, parece o Sergio Mallandro, fazendo todo tipo de palhaçadas. Músicas, com letras na tela, aparecem nos telões como um gigantesco videokê, que nos diz o que cantar, em que ritmo e, de novo, quando parar. Lamento, CBV, mas não vou cantar “vai, popozuda, vai, vai popozuda” só porque vocês querem. Dizem a hora exata em que devemos emitir os gritos de guerra do tipo “ôôô, Brasil!”. Minha filha, sentada em meu colo, está com a cara seriíssima, sem entender por que as pessoas gritam tanto. “Muito barulho, papai”. Mas tem algo que chama a atenção dela: um cidadão vestido com uma fantasia se jacaré dança alucinadamente, em esforços grandes para fazer pessoas dançarem e pularem quando as câmeras apontam para elas.
Estou vestindo uma camisa amarela, que me foi entregue na porta do ginásio. A logo do patrocinador ocupa todo o peito e tive de procurar bem até encontrar na manga a palavra “Brasil”. É uma camisa do patrocinador e não do Brasil, afinal. Outro aspecto interessante: as câmeras sempre focalizam o lado em que estou. A metade do ginásio que fica atrás das câmeras da Globo está em tons de cinza, dada a mistura de tantas camisas normais. É, quem senta atrás das câmeras não ganha camiseta amarela. Algo me faz crer que só interessa compor um cenário bonito e amarelo para você, que está em casa vendo pela televisão.
Tem umas pessoas espalhadas pelas arquibancadas com macacões pretos, cheios de luzes coloridas que piscam. Durante as jogadas, as luzes se apagam. Quando há um ponto, quando o técnico pede tempo, no intervalo entre os sets… aí as luzes acendem. Todas juntas, de todas as pessoas contratadas para usar aqueles trajes, visivelmente por um controle remoto, acionado em momentos estratégicos. Pausa. O “Sergio Mallandro” manda todo mundo tirar a camisa amarela e fazer ola ao som e ritmo da valsa “Danúbio Azul”, de Johann Strauss. De repente muda para a música-tema de “Tropa de Elite”, do grupo Tihuana, e todos descobrimos que “agora o bicho vai pegar”. Êxtase geral. Nada como manipular emoções. Para tentar somar, cinco cheerleaders se esforçam para animar o povo. Ninguém dá atenção a elas, tadinhas, afinal as meninas somem em meio ao universo de cores e brilhos. Podiam ter posto umas cem, em vez de cinco, para chamar mais atenção. Ah, peraí… é que “Nívea”, o patrocinador, só tem cinco letras, uma estampada na camisa de cada animadora de torcida: N-I-V-E-A, formam elas. Entendi.
Belo teatro. Mas confesso que me sinto bem manipulado aqui. Minha alegria me soa meio forçada. Como a de todo mundo ao meu redor, na verdade. Quando apareceu minha imagem junto com minha filha entediada no telão senti instantaneamente o impulso de sacudi-la e falar “filhinha, sorri, dá um oi pra câmera!”, como todos são condicionados a fazer. Mas resisti a agir como todos agem e como estávamos permanecemos: sérios. Reparei que a câmera ficou bem menos tempo na gente do que nos torcedores que pulam enlouquecidamente quando são enquadrados pelas câmeras. Compreensível: rostos sérios não combinam com a grande festa que ali está acontecendo. Afinal, espera-se que sejamos alegres integrantes de um coral sendo regido pela CBV. Ou será pela Globo? Ou pelo DJ? Talvez pelo jacaré.
Ou, penso eu, em vez de coristas somos peças em um grande cenário, formado por marionetes. Por acaso, há uns caras batendo bola no meio de toda essa Disneylândia.
A esta altura, você pode estar se perguntando: mas o que, afinal, essa história toda tem a ver com um blog voltado à Igreja e às coisas de Deus? Bem… a verdade é que, em muitas e muitas de nossas igrejas, o que acontece não é muito diferente do que vi ali. O quê? Se você pensar bem tenho certeza que vai descobrir.
Paz a todos vocês que estão em Cristo,
Mauricio Zágari - Apenas
Nenhum comentário:
Postar um comentário