A quarta geração de adventistas da família Kuhn parece ter forte espírito missionário. Elbert é o presidente da Igreja Adventista na Mongólia e três irmãos dele servem à denominação. Natural de Rolante, RS, Elbert tem 44 anos. É casado com Cleidi, professora e terapeuta familiar, que trabalha como diretora da única escola adventista da Mongólia. O casal não tem filhos e vive em Ulan Bator, a capital mais gelada do mundo. Ele terminou o bacharelado em Teologia, em 1995, no Unasp. Atuou como pastor distrital no Rio Grande do Sul até 2003, quando foi enviado à Mongólia para trabalhar como evangelista e ministerial da missão local. De volta ao Brasil, em 2010, ele atuou como pastor da Igreja Central de Curitiba e, no ano seguinte, serviu como assistente da presidência na sede sul-americana da denominação. Em 2012, Elbert regressou à Ásia, como líder da Igreja Adventista na Mongólia, país em que vivem 2 mil adventistas, distribuídos em 30 congregações. Sua missão é formar líderes que rompam com a cultura nômade do improviso e aprendam a planejar o futuro. Por isso, ele fez questão de trazer uma comitiva da Mongólia para o Brasil, em janeiro. Durante 20 dias, o grupo conheceu as principais instituições, igrejas e sedes administrativas daqui. Em sua passagem pelo campori sul-americano, realizado em Barretos, SP, Elbert concedeu esta entrevista.
Há quanto tempo o adventismo chegou à Mongólia?
Elbert Kuhn: Há 22 anos, assim que o comunismo ruiu e a Rússia abandonou o país da noite para o dia, deixando o povo num caos total. Foi nesse período, em que a Mongólia se abriu para toda e qualquer ajuda, que Deus tocou o coração de um jovem casal de voluntários norteamericanos que sonhava em migrar para um país que fosse fechado à pregação do evangelho. Enviados pelo ministério de apoio Adventist Frontier Mission (www.afmonline.org), Brad e Cathy Jolie atuaram ali por quatro anos. Fizeram um grande trabalho, porque iniciaram a tradução da Bíblia e de livros de Ellen G. White para a língua mongol. Infelizmente, Brad foi acometido de câncer e teve que voltar para os Estados Unidos.
Foi nesse momento que a Igreja Adventista enviou seu missionário oficial?
Sim. Depois que Brad faleceu, Dale Tunnel chegou ao país, em 1997. Dale foi quem estabeleceu a estrutura administrativa e as primeiras praxes da missão local. Nos dez anos seguintes, o adventismo cresceu num ritmo muito lento. O primeiro grande projeto de evangelização, chamado de Thousand Missionary Movement (www.1000missionary.com), foi realizado somente em 2002. Esse programa de treinamento missionário, muito popular na Ásia, capacitou cerca de 30 jovens para trabalhar em duplas no plantio de igrejas pelo país. Em 50 dias, eles foram treinados e receberam apenas Bíblias e alguns materiais evangelísticos. Esse foi o começo do adventismo ali: jovens com pouco tempo de conversão, treinados em curto prazo, mas com muita disposição para servir.
Atualmente, qual é o quadro do adventismo no país?
Em 2003, quando cheguei pela primeira vez à Mongólia, havia quatro igrejas e cerca de 300 membros. Hoje, são 30 congregações e aproximadamente 2 mil adventistas. A despeito das dificuldades, a Mongólia foi um dos países que apresentaram uma das melhores taxas de crescimento nos últimos anos. Lá, temos também a ADRA e uma escola adventista, que minha esposa e eu fundamos em 2009, pouco antes de voltarmos para o Brasil. A unidade oferece o ensino médio e tem 70 alunos. Um dos desafios é a formação de professores. Por isso, a Cleidi tem trabalhado com eles no que se refere à filosofia da educação adventista. Também temos o plano de construir um internato com as ofertas levantadas na Escola Sabatina mundial.
Como é o cenário religioso da Mongólia?
O país seguiu basicamente o mesmo processo do leste europeu. A primeira fase foi de abertura total para as influências externas, inclusive religiosas. Porém, depois da estabilização política e econômica, a população está retornando aos valores que formaram a identidade nacional antes do regime comunista e se iludindo com o materialismo capitalista. O país de tradição nômade e pastoril, agora vive a expectativa de enriquecer com a exploração de grandes jazidas de minérios.
Qual é a tradição religiosa dos mongóis?
É budista. A história do país remonta aos tempos de Gêngis Khan, no século 13. O conquistador mongol era tolerante para com outras religiões, inclusive algumas de suas esposas eram cristãs. Posteriormente, o budismo se tornou a fé predominante, até o início do regime comunista. Com a queda do regime, ganhou força um espírito de resgate da identidade nacional budista. Além disso, tem crescido o xamanismo – religião ocultista com base na invocação de espíritos – a ponto de alguns mongóis temerem as maldições dos xamãs, caso se convertam ao cristianismo.
No começo, a Igreja utilizou muito o evangelismo público. Depois, percebemos que era necessário agregar à pregação a prestação de serviços comunitários. Mas, hoje, a Mongólia já melhorou seu sistema de saúde e de assistência social. Por isso, temos enfatizado mais o discipulado, a formação de pequenos grupos e o testemunho pessoal. Em breve devemos ter uma clínica odontológica e todos os templos serão abertos para o serviço à comunidade, no intuito de que se tornem centros de influência.
Como o senhor tem adaptado seu estilo de liderança brasileiro ao contexto mongol?
No Brasil, temos uma denominação bem estruturada e com líderes visionários, sonhando com o futuro e se preparando para ele. Meu desafio na Mongólia é formar líderes que tenham essa visão de futuro. Isso não é fácil porque, na cultura nômade, o indivíduo vive para cada dia. A vinda desse grupo ao Brasil também teve esse propósito. Os mongóis são refratários a programas impostos, sem conversa e discussão. Um modelo de liderança assim gera obediência dos liderados, mas não o respeito deles. Por isso, tenho hoje uma liderança mais participativa, mas com cobrança de responsabilidade.
O que aprendeu com essa experiência missionária?
Ser missionário não era meu sonho e muito menos da Cleidi. Porém, olhando para trás, vejo que tudo isso estava no plano de Deus. Ele queria tirar algumas coisas do meu coração que estavam no lugar errado. No campo missionário, com lágrimas e dor no coração, aprendi a ser pastor, a trabalhar sem ter reconhecimento nem aprovação, e a servir a Deus independentemente das circunstâncias. Por isso, divido minha vida entre antes e depois da Mongólia.
Fale um pouco sobre a distribuição de livros missionários.
Em 2013, com a ajuda da Igreja Adventista sul-americana e da CPB, conseguimos imprimir 10 mil livros missionários A Grande Esperança em mongol. A resposta da igreja e da população foi muito positiva. Os membros comemoraram o fato de, finalmente, terem um material evangelístico na língua deles. Neste ano, com o auxílio dos mesmos parceiros, a ideia é entregar mais 10 mil livros. Estamos otimistas porque acreditamos que o livro do pastor Alejandro Bullón, A Única Esperança, será bem recebido por um povo que tem forte tradição oral, baseada em histórias.
Vocês planejam ter uma editora própria?
Estamos no processo de começar uma pequena editora. Temos um editor e 20 colportores. Já temos traduzidos para o mongol a Lição da Escola Sabatina dos adultos e das crianças, 15 livros de Ellen G. White, além de títulos sobre saúde e família. Queremos comprar uma máquina usada, para começar. Mas não podemos errar nisso, porque temos poucos recursos.
Como viver num dos países mais gelados do mundo?
Vivo na capital mais gelada do mundo: Ulan Bator. Lá, de novembro a abril, a temperatura pode variar de -20 a -50 oC. Nessas condições, fica difícil e perigoso viajar pelo país. As estradas são precárias e apenas o aeroporto da capital tem pista asfaltada. A Mongólia também tem na fronteira com a China o deserto de Gobi, o segundo maior do planeta. O país tem solo rochoso e menos de 2% de seu território é cultivável. A cultura é milenar, o povo é hospitaleiro e praticamente não temos problemas com crimes e drogas ilícitas. Em contrapartida, os mongóis consomem muito fumo, álcool, carne e gordura animal, hábitos que resultam em graves problemas de saúde pública. Um chá típico deles, por exemplo, é feito de leite, ervas, sal e gordura. Por isso, muitas crianças e jovens apresentam doenças renais sérias. Nesse contexto, a mensagem adventista de saúde tem muito a oferecer.
O senhor acha que a Igreja Adventista brasileira e os brasileiros podem oferecer uma contribuição maior para o campo mundial?
Sim. O brasileiro tem no exterior a imagem de pessoa feliz, sem preconceito e disposta. Mas precisamos vencer algumas barreiras administrativas e culturais. Somos um grupo representativo nas assembleias mundiais mas, via de regra, calado. Contudo, creio que, se continuarmos formando líderes comprometidos com Deus, poderemos dar uma contribuição internacional jamais vista. Tenho comigo que Deus tem preparado o Brasil para ser um dos carros-chefe da pregação final. O que nos falta? O domínio do inglês e o entendimento de que no exterior os resultados evangelísticos não são tão rápidos e grandes como aqui.
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