“Política, futebol e religião não se discutem. Se quiser ser meu amigo, não me fale de seu partido político, de seu time de futebol ou de sua religião. Cada um que vote em quem quiser, torça para quem quiser e escolha a religião que quiser”.
Certamente essas frases (ou suas variantes) já foram usadas inúmeras vezes para tentar aplacar ou prevenir uma discussão entre dois ou mais dialogantes. Em nosso país, onde a fragmentação política é grande, a paixão futebolesca arrebata e a diversidade religiosa cresce, as pessoas tendem a ficar cada vez mais divididas por esses temas tão pessoais. As preferências são formadas geralmente mais com os sentimentos que com a inteligência. Em consequência da defesa inflamada de um favoritismo pessoal, a violência não é rara quando as divergências estão ladeadas, como em comícios, eleições e jogos. Também as inimizades e discussões muitas vezes brotam quando as pessoas apresentam suas crenças religiosas.
Este ano, ocorrerá o mais repercutido evento esportivo do mundo. Milhões de pessoas em nosso país interromperão suas atividades para, de forma entusiasmada, acompanhar as partidas de futebol da Copa. Poucos meses depois, serão realizadas as eleições gerais no Brasil. Apesar da natureza distinta desses dois eventos, a torcida pelos candidatos não costuma ser muito diferente da torcida pelos times de futebol. Frequentemente os eleitores torcem pelos seus candidatos preferidos com muita paixão, substituindo frequentemente a racionalidade adequada a uma escolha eleitoral por uma devoção impensada.
Como o cristão, que busca a paz, deve se posicionar diante de divergências que envolvem convicções pessoais? Num passado relativamente recente, os evangélicos brasileiros mantinham-se um tanto alheios e indiferentes à coisa mundana que era considerada a política, e as igrejas reprimiam as paixões esportivas. Mas o crescimento das denominações cristãs coincidiu com as maiores oportunidades de participação política dos diversos setores da sociedade (incluindo as igrejas), e as recreações esportivas deixaram de ser condenadas, a ponto de os novos conversos nem saberem que um dia o futebol foi censurado nos sermões.
Hoje as denominações evangélicas contam com um número de adeptos na casa dos milhões. Os candidatos se dirigem esfomeados às igrejas buscando eleitores entre os fiéis, reescrevendo com linguagem bíblica suas agendas políticas. E, como as ideologias sociais contém tanto elementos convergentes quanto divergentes à fé cristã, há cristãos que passam a aceitar ou rejeitar determinadas ideologias com um fervor religioso, como se uma doutrina política específica fosse parte de sua doutrina cristã.
Surpreendentemente, existe agora a figura do cristão politizado. Ele confunde valores com conservadorismo ou caridade com progressismo. A ideologia é uma doutrina a mais no seu credo de fé. Assim, a cristandade está sendo dividida não somente pelas diferentes interpretações doutrinárias, mas também pelo sincretismo entre cristianismo e política. Essa situação leva à pergunta: “O ativismo partidário enriquece ou corrompe o cristianismo?”
É indiscutível que a pregação do evangelho resulta em transformação social. Mas a mensagem de Cristo vai além. Seu foco é a redenção espiritual: um ser humano perdido em pecado sendo salvo após o arrependimento por meio da fé em Cristo. Salvo do pecado e da morte eterna. Salvo para uma vida renovada, com pensamentos e atitudes alinhados com a revelação da vontade de Deus encontrada na Bíblia. Mudanças sociais podem ser um caminho para tocar o coração de uma pessoa quanto à necessidade de redenção espiritual, ou são consequências dessa redenção. Não combina com o discurso de Cristo substituir a redenção espiritual pela redenção social.
Nem Jesus nem os primeiros cristãos tiveram como meta mudar as estruturas sociais e políticas de seu tempo. João Batista, por exemplo, esteve mais preocupado com a condição espiritual de seu governante que com suas políticas públicas (Mt 14:3, 4). O apóstolo Paulo orientou os fiéis que a mudança de condição social é questão secundária (1Co 7:20-24), e Cristo recusou Se aproveitar de qualquer posição de liderança política para favorecer Sua missão (Jo 6:15).
Nenhuma ideologia política leva em conta a realidade espiritual, a condição do pecado e o plano da redenção. Respostas mais ou menos satisfatórias para os problemas sociais podem ser dadas, mas a política não apresenta a saída para o mais profundo dilema humano: o pecado, mal que verdadeiramente rouba a dignidade pessoal. Ideais políticos podem traçar caminhos para tirar pessoas da pobreza, da violência, dos vícios, da incultura e da doença, mas são incapazes de oferecer contentamento, paz interior, temperança, conhecimento da Verdade e cura para a alma. Podem melhorar o mundo, mas não melhorar as pessoas. Isso só Cristo faz.
Em vista disso, é irrazoável que o cristão aplique ao ativismo partidário o mesmo fervor que deveria devotar à Grande Comissão de Cristo (Mt 28:19, 20). Pode, e deve até certo ponto, se interessar pelas questões da sociedade, mas seu interesse e sua atuação sempre serão secundárias e subordinadas à missão maior de apresentar Cristo como única esperança para os problemas humanos. Mesmo se trabalhar na política, nenhuma agenda partidária substitui os valores do Reino de Deus. Davi, acima de ser rei, era um homem segundo o coração de Deus. Daniel, antes de ser um estadista, era um profeta do Altíssimo. José, além de ser o governador de uma nação, era principalmente um homem que sonhava os sonhos de Deus. Ester, adiante das preocupações da corte medo-persa, preocupava-se com o povo de Deus.
Numa sociedade polarizada, o cristão não tem a missão de acentuar as diferenças, mas a tarefa de convidar todas as pessoas a uma convergência em torno do Rei Jesus. Só assim as soluções humanas que dividem serão substituídas pela solução divina que une.
Fernando Dias (via Revista Adventista)
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