O primeiro debate televisivo envolvendo os candidatos à presidência do país, realizado por um canal de TV na noite desta última quinta-feira (10), alimentou as discussões sobre os rumos do país e acirrou os ânimos do eleitorado na internet.
Em ano de eleições sempre surgem discussões de como a igreja deve proceder, qual deve ser seu posicionamento em relação aos partidos e candidatos e, a questão mais abordada, se os adventistas do sétimo dia devem ou não se envolver com política.
A liderança da igreja na América do Sul votou recentemente um documento que estabelece os princípios e parâmetros em relação ao tema. O documento traz uma abordagem objetiva, de fácil compreensão (para acessar a declaração oficial, clique aqui).
Quanto à obrigação e ao direito de votar, creio que devemos buscar compreender mais amplamente três aspectos importantes. Primeiro, que a verdadeira esperança não está nos homens, mas em Deus. Ou seja, a verdadeira salvação não está no poder constituído de uma república, mas no Soberano Deus que governa o Universo.
Segundo, que neste mundo conturbado e complexo é preciso pedir ao Senhor discernimento e coragem para tomar decisões que, preservando os princípios sagrados do reino dos Céus, ofereçam oportunidades aos futuros governantes de se mostrarem éticos e responsáveis com a sociedade, rejeitando de vez o colapso moral que envolve o cenário político atual.
O terceiro aspecto tem que ver com o padrão que deve orientar nossa postura nas eleições. O parâmetro não pode ser somente a razão, pois a mente humana está contaminada pelo pecado. Também não pode ser o padrão de uma maioria que luta por uma causa, porque essa maioria frequentemente toma decisões alimentadas por interesses próprios. Igualmente, não pode ser o padrão de uma elite, tendo em vista que elas são propensas ao erro. A Palavra de Deus é o único padrão ideal. Em 2 Timóteo 3:16 e 17, Paulo declarou que toda a Escritura Sagrada é inspirada por Deus e é útil para ensinar a maneira certa de viver. Portanto, a Bíblia fornece toda a orientação necessária para cada área da vida, inclusive a política.
O maior desafio que os adventistas têm não é compreender esses aspectos mencionados, mas colocá-los em prática no contexto eleitoral. Tendo isso em vista, compartilho quatro sugestões que podem ajudar as pessoas a se manterem fiéis aos valores cristãos sem deixar de exercer a cidadania.
1. Discrição
Em Provérbios 5:2, a Bíblia nos orienta a conservar a discrição. Este princípio serve de base para lidarmos com situações polarizadas em torno da política nacional. Os escritos de Ellen G. White também trazem importantes conselhos que podem nos orientar em período de eleições nacionais: (1) devemos “agir com sabedoria, com grande cautela” e “não sacrificar nenhum princípio de nossa fé” (Testemunhos para a Igreja, v. 1, p. 356; (2) devemos abandonar “velhos preconceitos políticos” que vão de encontro aos princípios da verdade; (3) em questões políticas e preferências partidárias “o silêncio é eloquência” (Obreiros Evangélicos, p. 391); e (4) não devemos nos entusiasmar em expressar afeições e preferências políticas que resultem em divisões na igreja (Fundamentos da Educação Cristã, p. 340). Todas essas orientações foram proferidas por Ellen G. White em situações muito específicas que envolveram eleições ou questões relacionadas à política em sua época, mas que são apropriadas para nosso tempo.
2. Avaliação
Infelizmente, nem todos fazem uma avaliação criteriosa dos candidatos que pleiteiam cargo público antes de definir seu voto na urna. Mas não deveríamos deixar de tomar atitudes como:
Verificar o perfil do candidato ou seja, se ele é vocacionado para o poder público, se tem capacidade para gerenciar as necessidades e prioridades sociais básicas da cidade, do estado, ou do país; se ele defende o direito à liberdade religiosa, se observa os princípios constitucionais e se tem demonstrado valores e critérios éticos em sua história de vida.
Atrelado ao perfil do candidato, é preciso ainda avaliar as propostas de governo que ele defende. Por exemplo, se seu plano de ação vai servir à sociedade, oferecendo qualidade de vida e dignidade aos seus habitantes, ou se esses projetos atenderão apenas interesses próprios ou de seu partido. Avalie com muita atenção se as propostas de determinado candidato valorizam investimentos na educação, saúde e segurança, melhorias no saneamento básico, oportunidade de emprego para a população e o equilíbrio da economia. É igualmente importante considerar o partido ao qual ele está filiado, haja vista que os candidatos hoje são absolutamente regidos por suas legendas.
Buscar informações em fontes adequadas. A internet é um campo repleto de ambientes virtuais que ajudam a ampliar o conhecimento. Mas, diante de tanta informação disponível, é preciso ter cuidado para não cair em armadilhas. Afinal, nem todo conteúdo encontrado na rede é confiável. Uma pesquisa realizada nos Estados Unidos, Reino Unido, França e Brasil revelou que, de cada quatro pessoas, três verificam se a notícia é verdadeira antes de postar. A maioria dos que tem acesso à informação via internet tem dificuldade para distinguir boatos de informações confiáveis. Especialistas afirmam que as notícias falsas veiculadas na web possuem um padrão característico: geralmente são anônimas. Em vez de conteúdo informativo, apresentam opinião e discurso de ódio; geralmente vêm acompanhadas de muitas propagandas, para obter lucro com a venda de publicidade e estão sempre em sites considerados sensacionalistas.
Informações falsas, boatos e mentiras personificam a parte perversa da natureza humana. O originador da falsidade é Satanás que, além de mentiroso e enganador (Jo 8:44), tem procurado conservar a mente das pessoas na escuridão (2Co 11:4). Para não sermos enganados por ele, nem por seus agentes, busquemos Jesus que é “a luz do mundo” (Jo 8:12) e a verdade que liberta (Jo 8:32; 14:6). O cristão precisa ter a mente de Cristo (2Co 2:14-16), a única capaz de discernir os fatos com sensatez.
3. Oração
Buscar uma opção de candidato que seja honesto, responsável e disposto a servir a sociedade é uma tarefa quase impossível. É como procurar “agulha no palheiro”, justamente porque a classe política de nosso país passa por uma crise de integridade. Tem havido uma sucessão interminável de casos de corrupção envolvendo diferentes setores do poder público. Diante dessa constatação, nos perguntamos o que fazer na hora de votar?
É preciso tomar cuidado com as análises simplistas e as soluções fáceis. Não é certo aderirmos a protestos ou ficarmos indignados. O melhor que temos que fazer é orar ao Senhor em busca de sabedoria para agir. A oração foi o primeiro recurso que a igreja primitiva usou quando Herodes Agripa I, que era um político sem integridade de caráter, usou toda a sua crueldade para prejudicar a igreja (At 12:1-16). Enquanto o apóstolo Pedro se encontrava preso, aguardando o julgamento, a igreja não se revoltou nem protestou na corte de Herodes, mas orou incessantemente a Deus. Greg Laurie, comentando esse episódio, afirmou que “a ação mais efetiva que a igreja poderia ter desenvolvido era uma ação invisível e aparentemente não-agressiva: orar” (A Igreja Que Abala o Mundo, p. 169). Penso que o momento que estamos vivendo exige da igreja um empenho maior por intercessão em favor do país e de seus governantes.
4. Escolha
Toda pessoa habilitada a votar sabe que tem o direito de exercer sua escolha sem imposição e sem pressão. O Código Eleitoral brasileiro determina o sigilo do voto e a privacidade do eleitor no momento de sua escolha, amparando o cidadão para que ele faça uso do livre arbítrio na urna eleitoral. Isso mostra que quando temos o direito de votar, temos também a responsabilidade por essa escolha. Não devemos fragilizar nosso voto em uma eleição cedendo a influências nocivas que procuram afetar nossa consciência e eliminar os sagrados propósitos de Deus.
No século 19, a igreja enfrentou dias tensos com a aprovação da venda de bebidas alcoólicas. Diante dessa situação, Ellen G. White alertou os adventistas a não demonstrarem uma postura passiva no momento de sua escolha eleitoral. Ela escreveu na Review and Herald de 8 de novembro de 1881: “Quantos desmerecem sua prerrogativa como cidadãos de uma república – comprados por um copo de uísque para dar seu voto a algum candidato infame! Como classe, os intemperantes não hesitarão em usar de engano, suborno, e mesmo violência contra os que recusam ilimitada licença ao apetite pervertido”. Ela foi mais enfática ao afirmar: “Aqueles que, mediante seu voto, sancionam o comércio das bebidas espirituosas, serão considerados responsáveis pela perversidade praticada pelos que se encontram sob a influência da bebida forte” (Ellen G. White, Temperança, p. 254).
Ao longo de toda a sua história, a Igreja Adventista defendeu que seus membros assumissem a responsabilidade de cidadãos em sua comunidade, amparado no princípio bíblico de que todo poder civil constituído procede de Deus (Rm 13:1-7). Mesmo reconhecendo ser seu direito de votar livremente, o adventista deve ser sábio em suas escolhas, tomando uma posição firme ao lado daqueles que promovem a verdade, o bem, a vida, a paz, os valores éticos e morais, enfim, um país mais justo.
Fazendo a diferença
Estamos atravessando um momento em que, politicamente na história do mundo, há muita polarização e parece não haver perspectiva para a solução dos problemas sociais. A situação tende a piorar cada vez mais, mas nem por isso devemos ser omissos nem indiferentes com respeito ao dever de cidadania que cabe a cada um de nós exercer.
A igreja é detentora de uma cidadania celestial, mas não se encontra impedida de exercer sua cidadania terrena. O conselho que o apóstolo Paulo deu aos irmãos filipenses serve de orientação para a igreja de hoje: “Não importa o que aconteça, exerçam a sua cidadania de maneira digna do evangelho de Cristo (Fp 1:27, NVI). Elevamos o nível de nossa cidadania quando assumimos ser luz e sal do mundo, promovendo o bem e mostrando que o evangelho de Cristo produz transformações que podem ser úteis à sociedade (Mt 5:13, 14).
Em seu trato, por exemplo, com as muitas questões sociais do país, a igreja não se deixa consumir por um ativismo político raivoso, mas procura dar exemplo de uma comunidade que demonstra amor mesmo em meio às diferenças existentes, inclusive políticas. Sua ética do amor vai além dos irmãos na fé, alcançando também os não tão próximos e os que discordam ideologicamente dos valores do reino de Deus. Como escreveram Paul e Raphael Freston: “Se os cristãos não forem capazes de viver essa ética do amor, dentro da comunidade cristã e justamente no meio da tormenta política que nos divide, como ao país inteiro, não teremos nada a contribuir para com a sociedade, pois ninguém nos reconhecerá como discípulos de Cristo” (“A ética do amor em tempos de cólera política”, Ultimato, Edição 366, Julho/Agosto de 2017).
A atitude da igreja não é promover representantes políticos para concorrer a cargos públicos, muito menos marcar presença constante em movimentos que tentam influenciar decisões diretamente ligadas ao parlamento civil do país. O correto é a igreja revelar Jesus como o maior exemplo de integridade, demonstrando atitudes resultantes de uma vida espiritual autêntica e bíblica, bem como de uma fé verdadeira, para que as boas notícias do evangelho cheguem ao povo oprimido, injustiçado, abandonado e assaltado por um sistema de poder político corrompido. Sem dúvida, esse é o diferencial maior do povo de Deus que, enquanto peregrino neste mundo (Sl 119:19), aguarda viver plenamente feliz como cidadãos de uma pátria superior (Hb 11:16). Enquanto isso, a igreja não perderá sua consciência responsável de cumprir seu dever na escolha eleitoral de seus governantes.
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