Para Edgar Morin, o surgimento da ética da adolescência firma valores e preconiza um estilo de vida próprio. Isso não é ruim. Afinal, passaram-se milênios tratando a criança e o adolescente como um adulto em miniatura. Entretanto, a sociedade de consumo tem se modelado pelas aspirações do arquétipo do imaginário da juventude: imediatismo, pouco senso de historicidade, vontade de transgredir e preferência pela cultura do lazer.
A renovada música cristã não ficou imune a essas mudanças e a adolescentização cultural também perpassa as suas formas de composição e divulgação. O gospel tem mirado preferencialmente o público jovem, alvo também da indústria do entretenimento midiático.
Os cantores gospel tendem a reconfigurar os hinos da tradição cristã de uma maneira que, supostamente, a juventude irá preferir. A tendência de formatar um evangelismo digerível para as faixas etárias juvenis pode dotar de relevância e sentido os conteúdos bíblicos. Porém, essa releitura musical tem se pautado primordialmente por estilos dançantes e pop. Como exemplo secular, cito aquela propaganda de refrigerante que faz um arranjo estridente de pop/rock para a belíssima e serena What a Wonderful World (a versão clássica tem a voz rouca de Louis Armstrong, lembrou?). Nos círculos musicais evangélicos, o interpretar dos clássicos submeteu-se a retórica do grito, do ruído e da velocidade.
A fim de não perder o público jovem, os programas gospel de rádio e TV mimam-no com cantilenas pop para ouvir no som do carro e ladainhas infindáveis mas palatáveis. Além disso, a efemeridade confere às novíssimas canções (e a alguns novos cantores) a fama transitória característica da indústria musical pop. Não há, também, resenhas e críticas em revistas ou sites que apontem excessos ou mercantilização: tudo serve para evangelizar e salvaguardar o jovem crente do mundo.
Não estou dizendo que os hinários não contenham algumas melodias esquecíveis e letras empostadas que não falam ao espírito moderno e muito menos quero dizer que o melhor da música cristã foi composto há 150 anos ou que não há lugar para letras simples e facilmente memorizáveis. Nenhum repertório geral está consolidado para sempre. Por outro lado, vale refletir sobre os recentes critérios de elaboração musical que têm reduzido a música sacra a conceitos individualistas de gosto e têm transformado o fator de inovação em uma banalizada estratégia de marketing.
Assim como a superficialidade poética tem substituído a densidade teológica e a teatralidade gestual tem se tornado uma marca pessoal do cantor evangélico, os esforços de comunicar-se com a juventude, se podem dar sentido e relevância aos conteúdos bíblicos tradicionais, em algumas situações também têm se deixado modelar pelos estereótipos da indústria do pop adolescente.
Joêzer Mendonça (via Nota na Pauta)
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