quarta-feira, 11 de setembro de 2019

O islamismo e seu papel no contexto do fim dos tempos

Nos últimos anos, o islamismo foi alçado ao centro das atenções no mundo. Essa popularização ganhou força com os atentados que derrubaram as famosas Torres Gêmeas. As imagens das torres em chamas, exploradas à exaustão, funcionaram com uma propaganda, e o crescimento posterior do islã sugere a eficácia dela. Segundo relatório do Pew Research Center, em 2050 os muçulmanos deverão chegar a 29,7% da população mundial, bem perto dos 31,4% de cristãos. A proporção atual é de 22,5% para 33%. Uma das grandes surpresas é que a Europa deverá ter 10% de muçulmanos em 2050. A população cristã na Europa e nos Estados Unidos encolheu de 93% em 1910 para 63% em 2010, embora tenha crescido na África e América do Sul.

Além do crescimento, impulsionado também por taxas de natalidade, o islamismo tem chamado a atenção por causa da “primavera árabe” e das grandes migrações provocadas pela expansão do Estado Islâmico. De fato, o 11 de Setembro inaugurou uma nova modalidade de guerra. O mundo vive uma condição sócio-política sem precedentes. Jon Paulien diz que é a primeira vez na história que as nações ocidentais enfrentam um inimigo de natureza religiosa (Armageddom at the Door [Hagerstown, MD: Review and Herald, 2008], 184).

Diante da grandeza e universalidade desses fatos, muitos estudiosos têm ido às profecias bíblicas em busca de descrições que revelem a emergência do islamismo e seu papel no contexto do fim dos tempos. No entanto, a profecia bíblica revela o futuro da perspectiva do grande conflito e trata dos poderes que se relacionam diretamente com o povo da aliança, como aliados ou perseguidores. Nesse caso, a tensão terrorista entre Oriente Médio e Ocidente, entre muçulmanos e judeus ou cristãos, como forças históricas, não é necessariamente um tema nas profecias. Apesar disso, as visões do tempo do fim incluem todos os “reis” da Terra, uns fracos e outros fortes (Dn 2:43, 44), ou os “reis do mundo inteiro” (Ap 16:14), e todos que “habitam sobre a terra” (Ap 13:14), entre os quais certamente estão os atuais países de maioria muçulmana.

O “tempo do fim”, apontado pela profecia de Daniel, começa no final do século 18. Além dos capítulos 2, 7 e 8, Daniel 11:40 a 45 provê um importante vislumbre desse período, com a imagem do conflito final entre o rei do Sul e o do Norte, no qual diversos povos são envolvidos. Até o v. 39 o profeta descreve os ataques do rei do Norte (papado) aos fiéis de Deus na Idade Média, ao estabelecer a “abominação desoladora” (v. 31). No entanto, o rei do Sul interrompe a opressão, com a Revolução Francesa (v. 40; cf. Ap 11:7-12).

Mais à frente, o Sul é finalmente derrotado pelo Norte, ou seja, o papado suplanta os poderes ateístas e materialistas (v. 40-43). Por fim, o rei do Norte investe contra os santos (v. 44), a mesma batalha do Armagedom (Ap 12:17; 13:15; 16:16). Nessa última investida do Norte, o profeta diz que “muitos países cairão, mas Edom, Moabe e os líderes [as primícias] de Amom ficarão livres” (v. 41, NVI). A visão toda é relacionada ao povo da aliança, pois o anjo diz: “Agora, vim para fazer-te entender o que há de suceder ao teu povo nos últimos dias” (Dn 10:14).

Será possível que o islamismo faça parte desse cenário?
O relato de Daniel 11:40 a 45 reflete certos elementos do êxodo e da peregrinação dos israelitas para a terra de Canaã. Na jornada, eles não tiveram qualquer apoio, senão hostilidade por parte de Edom, Moabe e Amom, por cujas terras poderiam ter atravessado.

No contexto bíblico, os edomitas, moabitas e amonitas são tradicionais inimigos de Israel. Entretanto, eles são parentes ligados por laços sanguíneos a Abraão. Os moabitas e amonitas descendem de Ló, o sobrinho do patriarca. “E assim as duas filhas de Ló conceberam do próprio pai. A primogênita deu à luz um filho e lhe chamou Moabe: é o pai dos moabitas, até ao dia de hoje. A mais nova também deu à luz um filho e lhe chamou Ben-Ami: é o pai dos filhos de Amom, até ao dia de hoje” (Gn 19:36-38). Por sua vez, os edomitas são os descendentes de Esaú, que é conhecido também como Edom (Gn 36:1). Por meio de Esaú, os descendentes de Ismael foram reconectados ao pai Abraão. Moisés conta que “Esaú foi à casa de Ismael” e “tomou por mulher a Maalate, filha de Ismael” (Gn 28:9).

Assim, os três povos têm suas origens ligadas a Abraão, por meio de Ló, Ismael e Esaú. Mas a inimizade perpetuou entre eles e Israel.

Por ocasião do êxodo, Edom ameaçou Israel: “Não passarás por mim, para que não saia eu de espada ao teu encontro” (Nm 20:18). Mais tarde, após a conquista de Canaã, os filhos de Israel tiveram problemas permanentes com esses vizinhos. “Os amonitas e os moabitas, junto com os edomitas, invadiram o nosso país” (2Cr 20:10).

O Salmo 83 é bastante representativo dessa inimizade histórica entre Israel e os reinos de Edom, Moabe, Amom e Ismael. O salmista clama pela intervenção divina em um momento quando não só a segurança, mas a sobrevivência de Israel parecia ameaçada diante de uma aliança de seus inimigos, entre os quais se destacavam os povos aparentados. Diz o salmo: “Ó Deus” os teus inimigos “tramam astutamente contra o teu povo”, dizendo: “Vinde, risquemo-los de entre as nações; e não haja mais memória do nome de Israel.” Os inimigos de Israel firmaram “aliança”, incluindo entre eles “as tendas de Edom e os ismaelitas, Moabe”, “Amom”; eles estão unidos à “Assíria”, constituindo “braço forte aos filhos de Ló” (Sl 83:1-8). É curioso que os ismaelitas sejam incluídos aqui, como parte da aliança inimiga. Isso sugere que a relação deles com Edom não se restringiu ao casamento da filha de Ismael com Esaú.

Até o tempo do cativeiro babilônico, os três povos ainda afligiam os judeus (2Cr 20:10-11; Jr 9:26). Deus anunciou juízos contra eles (Jr 25:21; Ez 25:11; Sf 2:9). Entretanto, também fez promessas de salvação, com a típica expressão “mudarei a sorte de Moabe…” e “de Amom” (Jr 48:47; 49:6; Dn 11:41; cf. Am 9:12-14). O Senhor prometeu que Israel, por fim, iria integrar o remanescente de Edom (Am 9:12); e que Edom, Moabe e os filhos de Amom seriam parte do reino messiânico (Is 11:14).

Mas, quem seriam esses povos na profecia do “fim dos tempos”?
No período do Império Romano, Moabe já não existia mais, e Edom e Amom já não tinham qualquer influência ou poder político (ver The Achor Bible Dictionary, vol. 1:195). Portanto, de quem Daniel estaria falando?

O teólogo adventista Ángel Manuel Rodríguez propõe que essas nações são mencionadas por Daniel como “símbolos” de outras realidades e não como “entidades geográficas” (“Daniel 11 and the Islam Interpretation”, Biblical Research Institute Release 13, maio de 2015, p. 11). Para ele, Moabe seria “representativo daquelas nações que virão ao monte de Deus a fim de aprender seus caminhos” de salvação (Is 16:1-5).

Diante disso, Rodríguez diz: “Uma vez que Daniel também constrói sua profecia sobre a escatologia do Antigo Testamento, fica sugerido que as três nações, associadas ao êxodo de Israel do Egito, parecem representar pessoas das nações que invocarão o nome do Senhor e encontrarão refúgio e libertação no monte Sião” (p. 11). Assim, ele relaciona Edom, Moabe e Amom ao chamado “povo meu” que ainda está em Babilônia e que será chamado a sair (Ap 18:4) e se juntar ao remanescente fiel (Ap 12:17) a fim de formar o remanescente escatológico que verá o Senhor voltar. “Essas pessoas são encontradas em todas as comunidades cristãs e no mundo religioso” (p. 20).

Essa é realmente uma boa possibilidade. No entanto, pode parecer um pouco restritiva se enfatizar só “comunidades cristãs” em um tempo quando o evangelho deverá soar com poder no mundo todo, incluindo a Ásia, o Oriente Médio e Norte da África.

De fato, certas figuras históricas são empregadas nas profecias como símbolos, mas em geral representando entidades mais específicas. Jezabel (Ap 2:20; 17:4) já não existe mais, nem há uma montanha como o nome de Armagedom (Ap 16:16).

Entretanto, o significado profético desses símbolos depende necessariamente do que essas figuras são na história bíblica. Além disso, o conjunto “Edom, Moabe e os filhos de Amom” é tão marcado nas Escrituras (cf. 2Cr 20:22; Is 11:14; Jr 9:26; 25:21; 27:3; 40:11; Sf 2:8) que dificilmente Daniel usaria a expressão sem nenhuma conexão com os três históricos povos vizinhos e inimigos de Israel. Como estadista ele trata de povos e nações bem definidos (Dn 7:17; 8:20, 21).

No contexto bíblico, é curioso que, ao prometer restauração a Edom, Deus inclua outras nações como sendo chamadas pelo seu nome: “Naquele dia”, ou seja, o dia do Senhor, “levantarei o tabernáculo caído de Davi”, no reino messiânico, ocasião em que Israel vai possuir ou incluir o remanescente “de Edom” e de “todas as nações que são chamadas pelo meu nome, diz o Senhor” (Am 9:11, 12). Seriam essas nações chamadas pelo nome de Deus também descendentes de Abraão, por meio de Ló, Ismael e Esaú, a exemplo de Israel?

A tradição islâmica considera a Caaba, o mais importante templo árabe, na Arábia Saudita, como obra de Abraão e Ismael. Alguns muçulmanos fazem menção ao texto de Gênesis 12:7 e 8, como indicativo desse empreendimento: “Apareceu o Senhor a Abrão e lhe disse: Darei à tua semente esta terra. Ali edificou Abrão um altar ao Senhor, que lhe aparecera. Passando dali para o monte ao oriente de Betel, … ali edificou um altar ao Senhor.” Este texto é visto em paralelo à passagem de Alcorão, cap. 2, v. 127: “E quando Abraão e Ismael elevam as fundações da casa, dizendo, Nosso Senhor! aceita de nós (este trabalho).”

Assim, para a tradição islâmica, o altar ou casa que Abraão e o filho Ismael edificaram seria no exato local da atual Caaba, em Meca (cf. Ira G. Zepp, A Muslim Primer: Beginner’s Guide to Islam [The University of Arkansas Press, 2000], 5). Desta forma, os muçulmanos mantêm a tradição de que a religião fundada por Maomé, no 7º século, em Meca, tem suas raízes no monoteísmo estabelecido pelo pai da fé, de quem também se julgam descendentes espirituais. Os árabes pré-islâmicos circuncidavam seus filhos aos 13 anos, na idade em que que “Ismael, o pai da nação”, foi circuncidado. Os “sarracenos”, nome comum dos árabes antes do islamismo, ligavam suas origens a Ismael (F.E. Peters, Muhammad and the Origins of Islam [State University of New York Press, 1994], 120). “Os muçulmanos reivindicam que a grande nação prometida a Ismael é o povo árabe, que teria produzido o profeta Maomé” (Zepp, 5).

Os atuais estados do Líbano, Iraque, Síria e Jordânia, vizinhos dos árabes, foram estabelecidos após a Primeira Guerra Mundial, em parte do antigo território do Império Otomano. A religião fundada por Maomé, no 7º século, espalhou-se por esses territórios, que hoje têm maioria absoluta de muçulmanos. Curiosamente, parte do território dessas nações muçulmanas eram os antigos reinos de Edom, Moabe e Amom, os povos que Daniel diz que vão escapar do rei do Norte, no tempo do fim (ver mapa) e que são mencionados como aliados dos “ismaelitas” no Salmo 83 (v. 6).
Teria Deus entre essas nações um “povo seu” que poderá se juntar ao remanescente fiel no tempo do fim? Haverá entre eles quem possa “escapar” das mãos do “rei do Norte”, o papado?

Ao incluir Edom, Moabe, Amom e Ismael entre os inimigos de Israel, o Salmo 83 assume os contornos de uma profecia. O salmista retrata as guerras de Israel como um evento do grande conflito entre Deus e Satanás, no qual o povo da aliança é ameaçado por uma aliança entre as diversas nações do mundo. Essa mesma visão é refletida no Apocalipse quando João vislumbra o Armagedom. Ele fala de uma aliança entre os três espíritos de demônios, que representam as religiões da Terra, com os “reis do mundo inteiro” com o fim de destruir o Israel de Deus (Ap 16:13-16).

Nesse conflito final todas as nações da Terra estarão unidas em batalha contra o Israel de Deus. Os inimigos desejarão banir da Terra os guardadores do sábado, o selo de Deus. Segundo o Apocalipse (12:17; 13:14, 15; 16:16), a Babilônia terá o apoio dos reis da Terra em sua investida contra os santos. Entretanto, segundo Daniel 11:44 e 45, nesse conflito, o povo de Deus vence o rei do Norte. Além disso, um remanescente ou as primícias de Edom, Moabe e Amom serão integradas ao remanescente fiel.

Por que descendentes desses inimigos históricos de Israel deveriam ser preservados do poder do rei do Norte, ou da Babilônia, na crise final?

Curiosamente, Deus menciona um tipo de “pacto” com esses povos. Além da aliança com Israel como nação eleita, que recebeu por herança a terra de Canaã, Deus também tinha uma consideração especial por esses povos descendentes de seu amigo Abraão (Is 41:8; Tg 2:23). Ele disse claramente aos israelitas sobre os descendentes de Esaú: “Não vos darei a sua terra, nem ainda a pisada da planta de um pé; porquanto a Esaú [Edom] tenho dado a montanha de Seir por herança.” Além disso, Deus também falou dos filhos de Ló: “Então, o Senhor me disse: Não molestes Moabe e não contendas com eles em peleja, porque não te darei possessão da sua terra; pois dei Ar em possessão aos filhos de Ló” (Dt 2:5, 9).

Apesar da inimizade histórica entre esses povos e os israelitas, Deus parece, segundo esses textos, considerar a descendência dos mesmos por amor a Abraão. E, assim como Ele salva um remanescente dos judeus (Rm 11:5), um remanescente, ou as primícias, dos descendentes de Ismael, Ló e Esaú também pode estar em foco na profecia de Daniel.

Antes da investida final do rei do Norte, o remanescente fiel que guarda “os mandamentos de Deus” (Ap 12:17), sob o poder do Espírito Santo, fará soar o alto clamor. A Babilônia será desmascarada e o último apelo da graça alcançará os filhos de Deus que ainda se acham em seu domínio estendido sobre todo o globo, incluindo Oriente Médio e Ásia, os quais sairão dela para se juntar ao remanescente fiel de Deus e preparar-se para ver Jesus em glória e majestade. Entre esse imenso grupo a sair de Babilônia (o conjunto ecumênico das religiões mundiais) pode se esperar uma multidão de sinceros muçulmanos, filhos de Ismael, Ló e Esaú.

Afinal, Deus tem uma consideração pelos demais filhos espirituais de seu amigo Abraão, os quais são monoteístas, creem no juízo final, têm normas de temperança e acreditam na criação segundo o Gênesis. Sem dúvida, além das “comunidades cristãs”, há entre eles aqueles que respeitam a vida criada por Deus, não praticam o terrorismo e aguardam a manifestação do Messias. Dentre esses, um grupo numeroso poderá atender ao chamado “sai dela, povo meu” para se juntar ao povo da aliança eterna.

Vanderlei Dorneles (via Revista Adventista)

Nota: Há apenas um parágrafo nos escritos de Ellen G. White, uma referência histórica no apêndice de O Grande Conflito, em que ela menciona o que hoje chamamos de Islamismo:

"O Salvador disse: 'Quem crê no Filho tem a vida eterna; mas aquele que não crê no Filho não verá a vida, mas a ira de Deus sobre ele permanece' (Jo 3:36). E outra vez ele disse: 'E a vida eterna é esta: que te conheçam a Ti, o único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste' (Jo 17:3). O Islamismo tem seus conversos em muitos países, e seus defensores negam a divindade de Cristo. Será esta crença propagada, sem que os defensores da verdade consigam demonstrar intenso zelo pela derrota do erro, ensinando aos homens sobre a preexistência do único Salvador do mundo? Oh, como precisamos de homens que esquadrinhem e creiam na Palavra de Deus, que apresentem Jesus ao mundo em Sua natureza divina e humana, declarando com poder na demonstração do Espírito que 'debaixo do céu nenhum outro nome há, dado entre os homens, pelo qual devemos ser salvos' (At 4:12). Oh, como precisamos de crentes que apresentem Cristo na vida e no caráter, que O representem diante do mundo como o resplendor da glória do Pai, proclamando que Deus é amor!" (The Home Missionary, setembro de 1892)

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