segunda-feira, 30 de setembro de 2019

O poder dos introvertidos

O que têm em comum Isaac Newton, Albert Einstein, Frédéric Chopin, Marcel Proust, George Orwell, Steven Spielberg, Mahatma Gandhi e Steve Jobs? Além de serem pessoas extraordinárias nos seus respectivos campos, todos revelam um traço característico: a introversão. 

No entanto, o que é exatamente a introversão? Para responder a essa pergunta, devemos fazer referência ao célebre texto Tipos Psicológicos, publicado em 1921 pelo psicanalista suíço Carl Gustav Jung, que viveu entre 1875 e 1961. Segundo Jung, os introvertidos são atraídos pelo mundo interior do pensamento e do sentimento, enquanto os extrovertidos são atraídos pelo mundo exterior das pessoas e do fazer. Os extrovertidos tendem a ser sociáveis e assertivos, ao passo que os introvertidos tendem a ser mais reservados, reflexivos e menos sociáveis. 

Jung observou ainda que “o introvertido e o extrovertido no estado puro não existem; se existissem, acabariam trancados num hospício”. 

DUAS TIPOLOGIAS
Cada um de nós, no íntimo, é um ser humano esplendidamente complexo, e os traços da introversão e da extroversão interagem com outros aspectos da nossa personalidade e da nossa história pessoal (gênero, etnia, educação, cultura, religião, família, escola, valores), dando vida a um variado leque de indivíduos, todos diferentes entre si e com pontos fortes e defeitos. 

Apesar disso, é importante compreender melhor esses aspectos da psicologia para nos conhecermos melhor e melhorarmos cada vez mais. O teste da página 20 poderá ajudar você a descobrir se pertence mais à esfera da introversão ou à da extroversão. 

Vamos analisar alguns fatores que caracterizam esses dois traços da personalidade humana. Veja como introvertidos e extrovertidos se relacionam com vários aspectos da vida: 

• Recuperação da energia. Os introvertidos “recarregam as baterias” ficando sozinhos, num ambiente silencioso, onde haja paz. Os extrovertidos, ao contrário, têm necessidade de socializar para se recarregarem. 

• Trabalho. Via de regra, os introvertidos trabalham mais devagar e com mais ponderação. Preferem dedicar-se a um desafio de cada vez e têm uma capacidade de concentração extraordinária. Os extrovertidos são o oposto. Tomam decisões com rapidez, não têm problemas em se empenharem em multitarefas e gostam de correr riscos. 

• Socialização. Os extrovertidos gostam de festas e companhia. Riem, contam anedotas e se sentem à vontade na presença de estranhos. Têm uma vida social muito ativa, cuidam dos relacionamentos interpessoais, telefonam, fazem convites para jantar. Os introvertidos também podem desfrutar de uma festa e divertir-se, mas, depois de pouco tempo, não veem a hora de voltar para casa a fim de usufruir da comodidade de estar de pijama e chinelos. Tendem a dedicar seus relacionamentos sociais a amigos, colegas ou familiares mais íntimos. 

• Comunicação. Os extrovertidos são grandes faladores e muito eloquentes. Preferem falar a ouvir e raramente ficam sem palavras. Como meio de comunicação, preferem o telefone. Os introvertidos ouvem mais do que falam e preferem expressar-se por escrito. 

• Fama e sucesso. Geralmente, os introvertidos não são atraídos pela riqueza, pelo sucesso ou pela fama. Ao contrário, os extrovertidos ambicionam fazer carreira e desempenhar papéis em que aparecem como protagonistas. 

• Rendimento no ambiente profissional. Os extrovertidos trabalham melhor em grupo, em que tendem a estar no centro das atenções. Os introvertidos trabalham melhor sozinhos e em ambientes silenciosos. 

• Período de férias. Os introvertidos preferem passar as férias lendo debaixo do guarda-sol ou fazendo passeios sozinhos. Os extrovertidos saem de férias para se socializar e praticar esporte em grupo. 

• Emoções ou sensações. Os introvertidos estão à vontade com estímulos reduzidos, apreciam um bom filme ou simplesmente preferem ler um livro. Os extrovertidos gostam de emoções fortes, como esquiar numa pista íngreme, saltar de paraquedas, correr numa moto e ir a uma festa para conhecer novas pessoas. 

Na prática, introvertidos e extrovertidos têm estratégias diferentes para enfrentar a vida, o trabalho, a amizade, a diversão e a comunicação. Os dois tipos têm aspectos positivos e negativos.

QUALIDADE VALORIZADA 
No entanto, a sociedade atual parece premiar mais a extroversão do que a introversão. Esta é, pelo menos, a tese defendida pela autora Susan Cain, uma introvertida diplomada por Harvard que destacou o sofrimento dos introvertidos no seu livro O Poder dos Quietos: Como os Tímidos e Introvertidos Podem Mudar um Mundo que Não Para de Falar (Agir, 2012). 

A maior parte das escolas, conforme enfatiza Cain, ensina os alunos a ser extrovertidos, expansivos, dominantes e a estar à vontade diante da turma. Muitos professores adotam uma técnica de ensino chamada “colaborativa”, desenvolvida em pequenos grupos. Em muitas escolas elementares, os bancos já não estão dispostos em filas voltadas para a cátedra, mas agrupados de quatro em quatro, para permitir atividades em grupo. Mesmo nas empresas se dá muito destaque ao trabalho em equipe. Às vezes, os escritórios são abertos e sem barreiras arquitetônicas, e muitas pessoas dividem o mesmo espaço. 

No mundo do trabalho, os candidatos devem demonstrar capacidade assertiva e competência relacional, além de conseguir tomar decisões rapidamente. Para fazer carreira, é preciso saber vender a própria imagem. As pesquisas científicas são mais facilmente financiadas no caso de cientistas que têm uma personalidade forte e segura, combinada com seus méritos efetivos. O mesmo é válido para os artistas, músicos e escritores, que, para promover suas obras, são ensinados a se sair bem nas entrevistas televisivas. 

A admiração pelos extrovertidos já existia entre os antigos gregos e romanos, para os quais a oratória (ou seja, a arte de falar em público para obter um consenso) era uma virtude digna do máximo respeito. Mesmo hoje, muitos cursos de desenvolvimento pessoal enfatizam, talvez de maneira exagerada, a capacidade de saber persuadir para prender a atenção do público. 

Nesse ponto, muitos introvertidos começam a se sentir inadequados em relação aos padrões do mundo moderno. Eles são rotulados pelos extrovertidos como tímidos, antissociais ou muito sensíveis. Por isso, alguns fingem ser extrovertidos e tentam ser o que não são. 

Contudo, segundo as pesquisas, os introvertidos perfazem entre 30% e 50% da população. Susan Cain exorta a reavaliar a introversão, porque aqueles que a têm revelam características únicas, que eles devem aprender a proteger como a um tesouro. Quais são? Calma, capacidade de ouvir, autonomia, criatividade, concentração, profundidade do pensamento, capacidade de inovar. 

Para a autora, os introvertidos são, acima de tudo, pensadores indispensáveis para que a civilização possa progredir, porque “a solidão é o verdadeiro catalisador para a inovação, enquanto a sociabilidade é o refúgio de quem é menos original e criativo”. 

Por isso, embora a sociedade queira que sejamos todos líderes, ousados, sociáveis, loquazes e apressados, devemos lembrar que, sem os introvertidos, o mundo não teria tido a lei da gravitação universal (Newton); a teoria da relatividade (Einstein); os “Noturnos” (Chopin); Em Busca do Tempo Perdido, de Proust; A Revolução dos Bichos, de Orwell; o filme A Lista de Schindler, de Spielberg; a desobediência civil não violenta, promovida por Gandhi; e a Apple, criada por Steve Jobs. 

Massimo Piovano (via Revista Adventista)

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