Evangelizar é partilhar as boas-novas de que “Deus amou ao mundo de tal maneira que deu o Seu Filho unigênito, para que todo o que nEle crê não pereça, mas tenha a vida eterna” (João 3:16 - ARA). Essas boas-novas estão baseadas na mais fundamental revelação, o clímax da Bíblia: “Deus é amor” (1 João 4:8). Deus mostra benevolência para com toda a família humana. Ele foi encarnado em Jesus Cristo para nos livrar do mal. O evangelho é essas boas-novas: o gracioso oferecimento do perdão de Deus, da libertação do domínio do mal, da aceitação em Sua família e da participação na Sua natureza divina.
“Seu divino poder nos deu tudo de que necessitamos para a vida e para a piedade, por meio do pleno conhecimento dAquele que nos chamou para a Sua própria glória e virtude. Dessa maneira, Ele nos deu as suas grandiosas e preciosas promessas, para que por elas vocês se tornassem participantes da natureza divina e fugissem da corrupção que há no mundo, causada pela cobiça” (2 Pedro 1:3, 4).
O evangelho é, portanto, as boas-novas do advento do reino de Deus, o parentesco e domínio real já manifesto em todos aqueles que acreditam e entregaram sua vida à Sua completa soberania.
Entre os componentes multifacetados e incontestáveis do evangelho estão as boas-novas fundamentais do sacrifício todo-suficiente de Cristo e o Seu ministério sumo sacerdotal para a finalização da reconciliação de Deus e a comunhão eterna em amor com aqueles que aceitam a salvação por Ele oferecida.
O evangelho é também as boas-novas que habitam nos fiéis por meio do Espírito Santo que os ensinará e consolará para sempre (João 14:16. 17, 26).
O evangelho deve ser partilhado da maneira como Deus revelou, do mesmo modo que Ele partilha Suas bênçãos conosco: em amor, em liberdade e sem coerção, como um dom gratuito e como fruto do Espírito Santo. Essas boas-novas devem ser comunicadas conforme Deus deseja, não com as armas do mal, como humilhar os outros, denegrir sua dignidade ou violar sua liberdade. Para partilhar o evangelho não se deve usar o discurso do ódio.
O mundo, em sua maior parte, chegou a um consenso a respeito do mal que resulta do discurso do ódio.[1] A comunidade internacional concluiu, por meio de tratados, convênios, convenções e declarações, que as formas de se relacionar com os outros, que depreciam a sua dignidade, são inaceitáveis. Em nossos dias e em nossa época, acusar os outros de serem apóstatas – hereges – porque eles creem de maneira diferente, é considerado uma forma de maldade.
Esse tipo de atitudes são reminiscências do tempo das acusações generalizadas, das perseguições, inquisições, cruzadas, conquistas e guerras religiosas da era medieval.
Em nosso mundo contemporâneo, a prática de depreciar a religião ou as crenças de outros tem servido de pretexto para que alguns países adotem as chamadas leis antiblasfêmia, que solapam a liberdade religiosa e torna difícil até mesmo a prática pública da própria fé. A liberdade religiosa é garantida pelas leis internacionais, conforme citado na DUDH (Declaração Universal dos Direitos Humanos). No entanto, as leis antiblasfêmia têm sido e estão atualmente sendo usadas para perseguir as religiões minoritárias. A crítica feita por pessoas de outras crenças gera um ambiente tóxico em que o testemunho cortês e inteligente sobre a própria crença é substituído por atitudes antagonistas e hostis para com os seres humanos criados à imagem de Deus.
O evangelismo é incompatível com o ódio em qualquer de suas formas – com exceção do ódio para com o mal, que deveria sempre ser denunciado. O ódio nunca deveria ser dirigido aos seres humanos. Jonas teve que aprender essa lição. Deus tratou rigorosamente os maus pensamentos que esse profeta abrigava. No livro de Jonas, a mesma palavra (“mal”) é usada para descrever os atos dos habitantes da cidade de Nínive e o ódio que Jonas tinha contra aquelas pessoas.
O discurso de ódio faz parte do modus operandi dos terroristas, mas isso, com certeza, não deveria ser verdade em relação aos cristãos genuínos. Os ateus, os agnósticos – na verdade, qualquer um que acredita de forma diferente – deveriam se relacionar de forma respeitosa, reconhecendo a dignidade da diferença e reprimindo qualquer forma de abuso verbal ou violência física.
O evangelismo não pode ser usado para denegrir os outros, violar sua dignidade e ofender sua consciência ou escolha para acreditar ou não. O evangelho pregado por Jesus nunca teve o propósito de ser um discurso de ódio ou de incitação a qualquer forma de violência; ao contrário, é um convite para a vida.
As boas-novas eternas pronunciadas naquelas que são chamadas de “As Três Mensagens Angélicas”, citadas em Apocalipse 14, iniciam com um convite para a vida; é isso o que significa “Temei a Deus” (verso 7 – ARA).
Repetidamente nas Escrituras, a expressão idiomática “temei ao Senhor” está associada à amizade com Deus, ao ódio e à rejeição do mal e à decisão de escolher e abraçar a vida, não a morte. Alguns exemplos serão suficientes:
“O Senhor confia os Seus segredos aos que O temem, e os leva a conhecer a Sua aliança” (Sl. 25:14).
“Não seja sábio aos seus próprios olhos; tema o Senhor e evite o mal. Isso lhe dará saúde ao corpo e vigor aos ossos” (Provérbios 3:7, 8).
“Temer o Senhor é odiar o mal” (Provérbios 8:13).
“O temor do Senhor prolonga a vida” (Provérbios 10:27)
“O temor do Senhor é fonte de vida, e afasta das armadilhas da morte” (Provérbios 14:27).
“O temor do Senhor conduz à vida” (Provérbios 19:23).
As boas-novas também estão relacionadas ao juízo. É necessário um tempo de juízo para a restauração da justiça. Em Apocalipse 6, os mártires clamam a Deus pelo juízo. Apocalipse 14 anuncia as boas-novas do juízo em favor dos santos, e não para os santos derrotarem ou humilharem seus inimigos.
Nas Escrituras, os santos bendisseram até mesmo os seus inimigos. Jesus orou por aqueles que O estavam crucificando, que O rejeitaram ou O abandonaram. Estêvão orou por aqueles que o estavam apedrejando. Daniel orou e salvou a vida de seus inimigos na Babilônia, até mesmo dos magos pagãos. O povo de Deus hoje também está envolvido na obra de salvar vidas proclamando a mensagem de saúde e temperança, construindo hospitais, clínicas e centros de vida saudável, todos dedicados a salvar e melhorar a qualidade de vida de nossos semelhantes, sem discriminação contra qualquer um.
Aqueles que estão convencidos de que têm a missão de partilhar o evangelho devem fazê-lo sem denegrir, discriminar ou criminalizar outros com base em suas crenças, por serem diferentes.
O mercado das ideias hoje é caracterizado pela liberdade, mas também pela demanda por responsabilidade: a necessidade de respeitar os outros. Essa disposição é o verdadeiro antídoto contra o racismo, nacionalismo, tribalismo, etno-centrismo ou qualquer outra forma de supremacia.
EVANGELISMO: NÃO HÁ LUGAR PARA O ÓDIO
O discurso de ódio deve ser entendido por aquilo que ele é: o mal. Evangelistas e pregadores colocam em descrédito a sua mensagem quando empregam a violência, o discurso de ódio, insultos e maldades semelhantes. Essas práticas, e muitas fazem parte da era medieval, envolvem coerção, medo, intimidação e ameaças como meio de subjugar as massas incultas e não têm parte alguma na proclamação do evangelho de Cristo. Os secularistas apontam para essas práticas maldosas com o objetivo de colocar a religião em descrédito. Eles não deveriam receber munição para restringir o poder do evangelho.
Nosso mundo necessita das verdadeiras boas-novas. É possível apresentar todos os fatos do evangelho dado por Deus, de todo o plano da salvação, claramente pronunciado e não diluído, sem recorrer aos atos das trevas. A beleza e a profundidade do evangelho merecem ser partilhadas sem adulteração e sem mistura de amargura, ódio ou desprezo de outros. Vamos dar às boas-novas uma chance. O Espírito Santo transforma vidas quando o povo ouve a genuína palavra vinda de um Deus de amor. O evangelho, ou boas-novas, tem a ver com a derrota do mal e das formas pecaminosas de lidar com os seres humanos criados à imagem de Deus, que devem se tornar templos do Espírito Santo.
A Bíblia retrata o mal e as forças do mal por meio do uso de metáforas, como Babilônia. Por exemplo, quando o livro de Apocalipse proclama: “Caiu, caiu a grande Babilônia” (Apocalipse 14:8), o significado é claro: Babilônia representa os falsos sistemas religiosos opostos à verdade e à justiça oferecidas por Deus. Na perseguição dessa Causa, Babilônia não hesita em subjugar, oprimir, coagir ou enganar o povo de Deus. A mensagem de Apocalipse 14:8, porém, sobre a queda de Babilônia, é uma garantia para o Seu povo de que ela está sob os juízos de Deus, e a sua queda é certa. Essa queda é parte fundamental das boas-novas. Ela prepara o povo de Deus para ir ao Lar.
Proclamar as boas-novas do evangelho é prerrogativa e privilégio do evangelismo. Para isso, existem meios de reafirmar sua própria identidade sem comprometimento e fazer reivindicações de sua própria identidade, mensagem e missão singulares sem prejudicar outras pessoas. É possível prestar contas da própria fé de maneira amorosa e respeitosa.
O apóstolo Paulo disse isso muito bem: “Sejam sábios no procedimento para com os de fora; aproveitem ao máximo todas as oportunidades. O seu falar seja sempre agradável e temperado com sal, para que saibam como responder a cada um” (Colossenses 4:5, 6).
EVANGELISMO: NÃO HÁ LUGAR PARA O NEGATIVISMO
O evangelismo é o ato de partilhar as boas-novas do evangelho, é um ato de amor e de interesse. O evangelismo é um amoroso convite para vir voluntariamente, sem qualquer coerção, e provar a doçura, bondade, perdão e alegria que são tão fundamentais no evangelho de Jesus. No evangelismo não há espaço para acusar outras religiões ou mesmo outras denominações cristãs de serem provedoras de falsidades. O evangelho não permite qualquer negativismo ou incitação ao ódio, discriminação ou criminalização de outros.
É vital para os cristãos, especialmente em nossa época, promover o evangelho não como tristeza e maldição, mas como as boas-novas que têm a capacidade de tornar a vida alegre e significativa – especialmente numa época em que nosso planeta enfrenta toda espécie de desafios espirituais, morais e físicos, incluindo as mudanças climáticas, tsunamis, terremotos, deslizamentos de terra, enchentes, guerras e limpeza étnica que a cada dia fazem parte dos noticiários e que interrompem e impactam milhões de vidas.
O evangelismo é uma proclamação – não somente de que Jesus nos salva do pecado, mas também que Ele está vindo para colocar um fim ao reinado do mal. Melhor ainda, o evangelismo anuncia que Cristo está vindo para abençoar aqueles que por Ele esperam. O evangelismo é as boas-novas de poder participar da antecipação dessa bênção futura, naquele dia em que Jesus dirá: “Venham, benditos de meu Pai! Recebam como herança o Reino que lhes foi preparado desde a criação do mundo” (Mateus 25:34). Quando nós nos envolvemos no evangelismo, convidamos as pessoas para o banquete das bênçãos. Os cristãos são certamente chamados a agir como os profetas na sociedade, mantendo e promovendo a justiça. No entanto, eles não podem fazer isso enquanto lançam mão de más práticas ao lidar com os semelhantes. Isso seria injustiça e pecado.
Civilidade, cortesia e todos os frutos do Espírito Santo são um dever na sociedade civil. Eles são parte intrínseca do testemunho cristão. Difamar os semelhantes ou desonrá-los de qualquer forma é contra o que está explicitado no mandamento bíblico para tratar a todos “com o devido respeito” (1 Pedro 2:17).
O cristão é chamado a seguir as ordens do Espírito Santo, expressas por meio de Pedro: “Quanto ao mais, tenham todos o mesmo modo de pensar, sejam compassivos, amem-se fraternalmente, sejam misericordiosos e humildes. Não retribuam mal com mal, nem insulto com insulto; ao contrário, bendigam; pois para isso vocês foram chamados, para receberem bênção por herança.
Pois, quem quiser amar a vida e ver dias felizes, guarde a sua língua do mal e os seus lábios da falsidade. Afaste-se do mal e faça o bem; busque a paz com perseverança.
Porque os olhos do Senhor estão sobre os justos e os seus ouvidos estão atentos à sua oração, mas o rosto do Senhor volta-se contra os que praticam o mal” (1 Pedro 3:8-12).
O verdadeiro conceito bíblico de evangelismo diz claramente que a esperança do cristão descansa inteiramente em Jesus e Sua vinda para estabelecer o Seu reino de paz, liberdade e justiça. Aos fiéis é prometida cada bênção espiritual em Cristo. Eles são predestinados no amor, escolhidos, adotados, abençoados no Amado, redimidos, perdoados, recebedores da herança, selados com o prometido Espírito Santo (cf. Efésios 1:1-14).
O evangelismo é um convite a essa qualidade de vida, com base na fé, na esperança e no amor. Desses, o maior é o amor (1 Coríntios 13:13). Amar o nosso próximo como a nós mesmos é o que Deus, que é amor, espera de todos aqueles que se unem a Ele em Seu amor. Isso, na realidade, é o verdadeiro evangelismo.
Ganoune Diop - PhD pela Universidade Andrews, Michigan, EUA, é o Diretor de Assuntos Públicos e Liberdade Religiosa na sede mundial da Igreja Adventista do Sétimo Dia, em Silver Spring, Maryland, EUA, e secretário geral da Associação internacional de Liberdade Religiosa (IRLA). Ele também atua como secretário da Associação de Secretários das Comunidades Cristãs Mundiais. (via Diálogo Universitário)
NOTAS E REFERÊNCIAS
1. “O PIDCP [Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos] impõe aos Estados Participantes a obrigação de proibir o discur- so de ódio [...] O Artigo 20 (2) estabelece o seguinte: ‘Qualquer defesa de ódio nacional, racial ou religioso que constitua incita- mento à discriminação, hostilidade ou violência deverá ser proi- bida por lei.’ Todos os três Tratados sobre os Direitos Humanos – a Convenção Europeia de Direitos Humanos (ECHR), a Convenção Americana de Direitos Humanos (ACHR) e a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos (ACHPR) [esses pela sigla em inglês] – garantem o direito à liberdade de expressão [...]; a ACHR prevê especificamente a proibição do discurso de ódio no Artigo 13 (5), conforme segue: ‘Qualquer propaganda de guerra e qualquer defesa de ódio nacional, racial ou religioso que con- stituam incitamentos à violência ilegal ou a qualquer outra ação ilegal semelhante contra qualquer pessoa ou grupo de pessoas, por qualquer motivo, incluindo raça, cor, religião, idioma ou origem nacional devem ser consideradas infrações puníveis por lei.’” Citado por Toby Mendel, diretor executivo do Centro de Direito e Democracia, “Hate Speech Rules Under International Law” (2010 (3): http: //www.law-democracy.org / wp-content / uploads / 2010/07 / 10.02.hate-speech.Macedonia-book.pdf. A Convenção Europeia dos Direitos Humanos e a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos têm disposições semelhantes às encontradas no PIDCP.
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