No início deste ano, mais precisamente em 27 de janeiro, foi lembrado o fim do campo de concentração de Auschwitz-Birkenau, sul da Polônia, em que há 75 anos, soldados soviéticos libertaram os poucos sobreviventes torturados. Registra-se que mais de 1,1 milhão de pessoas foram exterminadas pelo regime nazista só ali naquele lugar. Apenas por volta de 7 mil judeus, entre eles, cerca de 500 crianças, sobreviveram em condições precárias em Auschwitz.
Nos horrores do Holocausto, entre o extermínio de milhares de pessoas, encontramos o mundialmente conhecido mártir-teólogo e pastor luterano Dietrich Bonhoeffer (1906-1945), que foi executado devido a sua resistência ao sistema nazista. Bonhoeffer, certamente foi um dos raros homens da igreja que resistiu a maldade instituída por Adolf Hitler.
Desde cedo, Bonhoeffer decidiu ser teólogo e com isso se tornou um dos mais profícuos e renomados teólogos do século 20. Quando jovem decidiu-se seguir a carreira pastoral na Igreja Luterana, doutorou-se em teologia na Universidade de Berlim e fez um ano de estudos no Union Theological Seminary em Nova York. Retornou à Alemanha em 1931. Aos 27 anos assumiu o pastorado em uma congregação de Londres na Inglaterra; dois anos depois retornou à Alemanha para dirigir o Seminário Teológico da Igreja Confessante. Em seguida, tomou a importante decisão de ingressar-se no movimento de resistência. Tornando-se um militante contra o sistema de opressão nazista, teve a sua habilitação à docência na Universidade de Berlim cassada, assim como a proibição de palestrar e escrever.
Bonhoeffer se tornou muito ativo na luta entre a Igreja Confessante (ala da igreja evangélica contrária à política nazista) e a Igreja dos "Deutsche Christen" (alemães cristãos defensores do nacional-socialismo). Peter Ciaccio, pastor, em artigo publicado por Riforma, em 09/04/2015, escreveu:
"Se hoje na Europa ainda podemos dizer-nos cristãos sem ter vergonha é graças a um jovem pastor luterano que num momento entendeu tudo. Enquanto milhões de cristãos na Europa fascista aderiam à ditadura, poucos milhares entenderam que o fascismo não era somente uma ideia política, mas uma operação criminal."
Bonhoeffer foi um dos mentores e signatários da Declaração de Bremen, quando em 1934 diversos pastores luteranos e reformados, formaram a Bekennende Kirche, Igreja Confessante, rejeitando desafiadoramente o nazismo:
"Jesus Cristo, e não homem algum ou o Estado, é o nosso único Salvador."
Obviamente o movimento foi posto em ilegalidade e em Abril de 1943 foi preso por ajudar judeus a fugirem para a Suíça. Levado de uma prisão para outra, em 9 de Abril de 1945, três semanas antes que as tropas aliadas libertassem o campo, foi enforcado, junto com seu irmão Klaus, e cunhados Hans von Dohnanyi e Rüdiger Schleicher, no campo de concentração de Flossenbürg.
Sua obra mais famosa, escrita no período de ascensão do nazismo foi "Discipulado" (Nachfolge) na qual desenvolve a polêmica acerca da teologia da graça, fundamento da obra de Lutero. O livro opõe-se a ênfase dada à "justificação pela graça sem obras da lei", afirmando que:
“A graça barata é inimiga mortal de nossa Igreja. A nossa luta trava-se hoje em torno da graça preciosa que é um tesouro oculto no campo, por amor do qual o homem sai e vende tudo que tem (...) o chamado de Jesus Cristo, ao ouvir do qual o discípulo larga suas redes e segue (...) o dom pelo qual se tem que orar, a porta a qual se tem que bater.”
Destas linhas já se denota o profundo "fazer teológico poético" que tanto caracteriza a obra de Bonhoeffer.
Quando já estava sendo perseguido pelo nazismo, Bonhoeffer escreveu um tratado considerado por muitos uma das maiores obras primas do protestantismo, que denominou simplesmente "Ética". É nesta obra que ele justifica, em parte, seu engajamento na resistência alemã anti-nazista e seu envolvimento na luta contra Adolf Hitler, dizendo que:
“É melhor fazer um mal do que ser mau.”
Suas cartas da prisão são um exemplo de martírio e também um tesouro para a Teologia Cristã do século 20.
Em sua biografia consta que ele atuou como agente secreto tramando inclusive o assassinato do líder nazista. Com um espírito democrático, chegou a estar a salvo nos EUA, mas aceitou o convite de se infiltrar na Alemanha na intenção de restabelecer a paz mundial.
O papel de Bonhoeffer como agente contrário ao nazismo era o de passar mensagens sigilosas ao bispo britânico George Bell, que as direcionava ao primeiro-ministro da Inglaterra, Winston Churchill. Assim o pastor luterano participou do planejamento de diversas ações para salvar judeus, além, é claro, das tentativas de assassinar Hitler. Quando se deu a "Operação Valquíria" (1944), o mais famoso dos golpes para eliminar o "Fuhrer", Bonhoeffer já estava preso pela polícia secreta alemã. E foi justamente pela falha da Operação Valquíria que os nazistas descobriram o seu papel como agente duplo que culminou em seu enforcamento.
Um médico, testemunha dos últimos instantes de vida de Bonhoeffer, deixou por escrito palavras capazes de nos comover:
"Através da porta entreaberta em uma sala dos barracos, eu vi o pastor Bonhoeffer, antes de vestir o seu uniforme da prisão, ajoelhar-se no chão para orar a Deus com fervor. Fiquei profundamente tocado pelo modo com que esse amável homem orava, tão devoto e seguro de que Deus ouvia a sua oração. [...]. Nos quase 50 anos de profissão médica, eu nunca tinha visto um homem morrer tão totalmente submisso à vontade de Deus".
Milhares foram as vítimas de todo o sistema nazista. Pesquisadores estimam 11 milhões de mortos; além de mais da metade serem judeus, ainda tinham padres, pastores, ciganos, portadores de deficiências mentais ou físicas, comunistas, sindicalistas, testemunhas de Jeová, anarquistas, gays, poloneses, povos eslavos e combatentes da resistência. Ao relembrar esta história de horror, biografias como a de Dietrich Bonhoeffer são imprescindíveis para o aprendizado das novas gerações, para que ditaduras deste tipo não aconteçam nunca mais.
"Os ímpios erram o caminho desde o ventre; desviam-se os mentirosos desde que nascem. [...]. Mas, de fato, os justos têm a sua recompensa; com certeza há um Deus que faz justiça na terra" (Sl 58:3,11).
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