terça-feira, 25 de agosto de 2020

Em nome de Deus...

Está ficando cada vez mais comum aparecerem líderes religiosos nas páginas policiais dos jornais, envolvidos em fraudes financeiras e fiscais, assassinatos, abusos, falsos milagres... Eles trazem escândalo para o evangelho e desviam muitas pessoas sinceras do caminho da fé. Confira essas recentes histórias:

Flordelis
A deputada federal Flordelis dos Santos, de 59 anos, foi acusada formalmente nesta segunda-feira (24) de ser a mandante do assassinato de seu marido, alvejado ano passado na casa de Niterói onde o casal morava com seus 55 filhos, quatro deles biológicos e os demais adotivos. A polícia afirma que a parlamentar, que também é pastora evangélica, ordenou que seus filhos matassem o pai em meio à disputa por poder e dinheiro na Igreja que ambos fundaram. Segundo o promotor Sergio Lopes Pereira, numa troca de mensagens com um dos filhos, Flordelis diz que não poderia se separar do marido por questões religiosas, e, portanto, segundo o promotor, decidiu matá-lo: “Fazer o quê? Separar dele não posso, porque senão ia escandalizar o nome de Deus”.

Padre Robson
Um dos religiosos mais populares da Igreja Católica no Brasil, o padre Robson de Oliveira Pereira, reitor do Santuário Basílica do Divino Pai Eterno, em Trindade (GO), até semana passada, foi proibido temporariamente de realizar celebrações. Ele é investigado pelo Ministério Público de Goiás pelo suposto desvio de R$ 120 milhões em doações de fiéis. O dinheiro teria sido usado na aquisição de imóveis, entre os quais uma fazenda de R$ 6 milhões em Abadiânia (GO), e uma casa de praia, no valor de R$ 3 milhões, em Guarajuba, na Bahia. Os promotores apuram os crimes de organização criminosa, lavagem de dinheiro, apropriação indébita, falsificação de documentos e sonegação fiscal.

Em vídeo postado em suas redes sociais, o padre Robson afirmou que todo o dinheiro arrecadado com doações foi utilizado em atividades religiosas e diz estar "sereno e confiante" de que tudo será esclarecido. "Sabemos que a vida é feita não somente de alegrias, mas também de provações. Meu caminho nessa missão evangelizadora nunca foi fácil. Desde o início, já testemunhei várias vezes, sempre carreguei muitas cruzes”, disse.

João de Deus
De um lado, curas milagrosas, operações espirituais e a amizade e a admiração de celebridades e poderosos do nível de Bill Clinton, Oprah Winfrey e Xuxa. De outro, centenas de acusações de abuso sexual, uma organização criminosa, um passado de homicídios. Essa é a história (uma parte) de João de Deus, médium, curandeiro e cirurgião espiritual brasileiro que foi do céu ao inferno depois de cativar milhares de pessoas em todo o mundo por cinco décadas com sua fama de milagres, enquanto abusava de mulheres e meninas aonde quer que fosse. Os mais de 18 meses de investigação jornalística que resultaram nas denúncias e na prisão do médium agora são apresentados na Globo como uma série documental de seis capítulos chamada Em Nome de Deus.

Em nome de Deus...
Confira abaixo um trecho do excelente artigo de autoria de Diego Barreto (via O Reino):

Nenhum de nós é bom (Romanos 3:10). Somos todos nascidos sob a infecção do mal (Salmos 51:5). A única coisa que nos impede de levar esse mal às últimas consequências são as circunstâncias (Provérbios 30:9). E quando falo circunstâncias me refiro a muitas coisas como o local onde você nasceu, quem foram seus pais, o ambiente que você foi criado, como você foi educado, a religião da sua família, ambiente social, experiências específicas, situações específicas e etc… Não estou dizendo que quem rouba, rouba porque passa fome, pois há muitos que passam fome sem roubar. Estou dizendo que, na natureza, somos igualmente maus. São as escolhas que fazemos, ou seja, os motivos, as justificativas que damos para tomar uma decisão que corroboram essa natureza, ou a contrariam.

E o título desse artigo revela a mais potente motivação que um ser humano pode encontrar. Também confundida como “o bem maior”, ela pode ser transformadora ou devastadora. Vimos que, em nome de Deus, muito bem foi feito, e podemos citar avanços incríveis que foram realizados em nome de Deus. Mas também podemos citar terríveis acontecimentos levados a cabo pelo mesmo nome. Por exemplo, em nome de Deus já se fizeram escravos, no mesmo nome eles foram libertos. O grande problema é que quando incluímos Deus na nossa equação pessoal de visão de mundo podemos criar um sério problema.

A compreensão de que Deus é absoluto somada à noção de que nossas opiniões pessoais e/ou devaneios são a vontade de Deus confere a nosso argumento, seja ele qual for, autorização infinita, absoluta. Assim, em nome de Deus o indefensável se torna justificável. O absurdo passa a ter motivo de existir. Muitas vezes, mais do que função em um propósito, o absurdo pode se tornar um dever do individuo. Essa compreensão também empodera os atuantes. Eles se sentem mais motivados e mais fortes para agir de maneira cada vez mais ousada. 

Paulo passou por isso, em Filipenses 3:6, onde ele explica que em seu “zelo”, ou seja, na busca de preservar sua visão de mundo, em nome de um “bem maior”, no afã de preservar sua fé, defender a Deus, atacar o mundo, ele se tornou perseguidor da igreja. Paulo lutou do lado errado da batalha, tempo suficiente para incorrer em absurdos e violência, em “nome de Deus”. Achando que Deus estava com ele, Paulo foi mais longe que todos os outros e investiu fortemente contra a igreja. Tentou justificar o injustificável do assassinato em nome de Deus. E não pense que você não incorreria no mesmo erro!

Paulo é um dos homens mais inteligentes nas escrituras, e ainda assim, foi enganado por seu próprio “zelo”. Só quando Jesus, em pessoa, aparece para ele que convencê-lo se torna possível, caso contrário, permaneceria cego em sua caçada. Isso pode acontecer facilmente comigo e contigo também. Ninguém pede para ficar cego. Nós acabamos nos cegando com “bons motivos” e, muitas vezes, no próprio “nome de Deus”.

Enfim, percebemos que o problema não está no “nome de Deus”, este é apenas um potencializador, o problema está naquilo que fazemos com o “nome de Deus”. Como podemos torná-lo uma desculpa para nossas próprias agendas de terror, ódio, intolerância, segregação, julgamento, opressão, inveja, calúnia, controle e etc… O problema não é apenas a maldade que temos em nós, mas as desculpas que criamos para elas.

Muitos estão dispostos a criar desculpas perfeitas para a ações equivocadas como, por exemplo, defender a Deus. Eva foi atraída ao pecado e árvore da qual devia se distanciar, porque ouviu uma frase mentirosa da serpente e se prontificou a defender Deus. Os caras mais errados da Bíblia foram precisamente aqueles que tentaram defender a honra de Deus: Bildade, Zofar e Elifaz. No fim do livro de Jó, Deus os repreendeu, enquanto passaram a maior parte do livro tentando defender e justificar a Deus. Será que Deus foi ingrato? Acho que não. Ele estava apenas nos ensinando a não fazer o que fazemos: Justificar nossas visões de mundo com o nome dEle.

Adventistas, cristãos, judeus, muçulmanos, enfim, todos que estiverem lendo este artigo, em nome do Deus criador de todas as coisas e do bom senso não justifiquem suas visões particulares da religião e da vida com o nome de Deus. Deus não precisa de defensores, Sua honra não está em jogo, Sua justiça não depende de agentes humanos, Sua verdade não está sujeita a nós e Seu amor não tem limites como o nosso. Cuidemos todos para que o “zelo” não corrompa as nossas ações. O Reino de Deus não é hostil. Não existe cristianismo de guerrilha, que usa a verdade como ferramenta de maus tratos. Nossas palavras não são para ferir e machucar, nossos atos não são para dividir, julgar e acusar. Nossa postura não é a do confronto, do ódio ou da intolerância. NADA JUSTIFICA ESSAS COISAS. NADA. Nem Deus.

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