Ellen White produziu vasto material bibliográfico.1 Além do impressionante acervo literário, ela revelou habilidade de observação e compreensão na abordagem dos assuntos que considerou necessários.2 Um dos assuntos fundamentais em seus escritos é a temática do mal. Ela entende que a luta entre o bem o mal é uma espécie de estrutura teológica necessária para compreender e interpretar a história da humanidade. Neste breve artigo, primeiramente veremos qual a importância desse tema nos escritos de Ellen White. Em segundo lugar, analisaremos o significado do mal. Finalmente, discorreremos a respeito de Deus e o mal.
A IMPORTÂNCIA DO TEMA
O teólogo Herbert Douglas, em seu livro A Mensageira do Senhor, concluiu que o problema do bem e do mal é um tema-chave na teologia de Ellen White3 , inserido no que ela mesma chama de “grande conflito”. O pastor Alberto Timm também considera o tema do mal como sendo de fundamental importância. Em sua tese de doutorado, ele afirma que o sistema doutrinário adventista pioneiro incluía, entre outros, a temática de “uma moldura de conflito cósmico”4 .
A própria Ellen White afirma que “o tema central da Bíblia, em redor do qual giram todos os outros, é o plano da redenção, a restauração da imagem de Deus no ser humano”5 . O estudante da Bíblia, por sua vez, deve compreender que há dois princípios antagônicos sob os quais se desenrola a História da humanidade; as consequências destes princípios antagônicos – o bem e o mal – penetram em “todos os aspectos da experiência humana”6 .
Como se pode perceber, Ellen White entende que os temas centrais da teologia cristã são: o plano de redenção, com o propósito de restaurar a imagem de Deus nos seres humanos e o grande conflito entre o Bem e o Mal (Deus e Satanás). Assim sendo, o problema do mal é, para a autora, assunto da mais alta importância. Não se pode compreender e nem valorizar devidamente a obra redentora de Deus em favor da humanidade, a menos que se compreenda o impacto do mal na vida das pessoas.
O SIGNIFICADO DO MAL
Ellen White entende o mal de três maneiras diferentes. Em primeiro lugar, ela compreende que o mal é uma experiência constitutiva do ser humano. Não se pode pensar em pessoas sem pensar no mal, e não apenas porque as pessoas são más, mas porque se vive na dependência dele. Ela diz que o ser humano vive num “estado de culpa”. Em outras palavras, o mal é da natureza humana, a qual ficou “depravada pelo pecado”7 .
Em segundo lugar, Ellen White compreende que, devido ao mal ser um constitutivo das pessoas, a raça humana está exposta à dor e ao sofrimento; é o mal como vivência. De fato, o conhecimento e a prática do mal acompanham o ser humano “por todos os dias de sua vida”, desde o momento em que Adão e Eva livremente o escolheram8 . Como resultado disso, o ser humano vivencia “a onda de desgraças que resultou da transgressão de nossos primeiros pais”9 . Infelizmente, “o pecado deles abriu as portas a uma enxurrada de desgraças sobre o mundo”10.
Em terceiro lugar, Ellen White entende que o mal significa atos e ações – o mal moral. Neste sentido, o ser humano vive num “estado de culpa consciente”11. Ou seja, a pessoa sabe quando suas práticas e ações são más, sentindo-se culpada por elas. O mal moral também se refere à quebra dos códigos de conduta divinos, os quais regem a conduta humana. Assim sendo, a desobediência às leis de Deus também está na esfera do mal moral.
DEUS E O MAL
Com a mesma ênfase pela qual afirma que Satanás é responsável pelo desenvolvimento do mal, Ellen White entende que Deus não é responsável pela existência do mal. Ela diz: “Nada é mais claramente ensinado nas Escrituras do que o fato de não haver sido Deus de maneira alguma responsável pela manifestação do pecado; e de não ter havido qualquer retirada arbitrária da graça divina, nem deficiência no governo divino, para que dessem motivo ao irrompimento da rebelião”12.
Não foi pela ausência da graça de Deus que o pecado surgiu. A graça de Deus pode ser compreendida como o elemento que possibilita a boa convivência entre Ele e Suas criaturas. E Deus também não pode ser acusado pela sua “incompetência administrativa” ou alguma falha na gestão dos seres sob seu comando. Então, qual a relação entre Deus e o mal? Inicialmente, pode-se afirmar que a luta entre o bem e o mal é uma demonstração do amor de Deus. “A história do grande conflito entre o bem e o mal, desde o tempo em que começou no Céu até o fim da rebelião e extirpação total do pecado, é também uma demonstração do imutável amor de Deus”13.
Para Ellen White, o amor de Deus é visível na maneira pela qual Ele conduziu o processo do surgimento e desenvolvimento do mal. A atuação divina se percebe desde a origem do mal no Céu (não expulsando ou destruindo sumariamente a Lúcifer), passando pela entrada do mal no planeta (alertando e auxiliando Adão e Eva) e culminando com o mal fazendo parte da humanidade como um todo (enviando Jesus Cristo para possibilitar a salvação das pessoas).
A esta altura, a pergunta fundamental é: Se Deus não pode ser culpado pela manifestação do mal, por que Ele o permitiu? Ellen White responde que, estando o mal em franca rebelião contra Deus, seria necessário seu desenvolvimento, a fim de que se pudesse perceber sua verdadeira natureza e tendência14. Ora, só é possível perceber algo quando esse algo se demonstra em toda sua extensão, ou pelo menos se apresenta de modo suficiente a ser compreendido pelas pessoas, a fim de, com base em observações pontuais, fazer um julgamento a respeito de sua intencionalidade. Assim sendo, Deus permitiu que o mal avançasse a fim de que se apresentasse com toda sua intensidade, até que fosse descoberta sua “capa da falsidade”15. Não havendo essa maturidade – para a qual o tempo era fundamental – o mal não pareceria como em realidade é. Não haveria possibilidade de compreender sua natureza e malignidade16.
Eliminando o mal sumariamente, as pessoas também não compreenderiam suas consequências. Por outro lado, ao eliminar o mal imediatamente, Deus pareceria um ser arbitrário, infundindo temor às pessoas, que O serviriam “por medo, e não por amor”17. Por isso, o mal precisava amadurecer. Além disso, “o verdadeiro caráter do usurpador e seu objetivo real devem ser compreendidos por todos. Ele deve ter tempo para se manifestar por meio de suas obras iníquas”18.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nos escritos de Ellen White é muito consistente a ideia de que Deus criou o ser humano como entidade moral livre19. Isso possibilitou o surgimento e desenvolvimento do mal. Em nome da liberdade humana, Deus criou o homem com a possibilidade de transgressão, como diz a afirmação a seguir: “Deus poderia ter criado o ser humano sem a capacidade de transgredir Sua lei, poderia ter privado a mão de Adão de tocar no fruto proibido. No entanto, nesse caso, o homem teria sido não um ser moral, livre, mas um simples robô. Sem liberdade de opção, sua obediência não teria sido voluntária, mas forçada. Não poderia haver desenvolvimento de caráter. [...] Seria uma ação indigna do homem como um ser inteligente, e teria contribuído para a acusação, feita por Satanás, de governo arbitrário por parte de Deus”20.
Percebe-se que a finalidade de Deus para o ser humano era o desenvolvimento do caráter, o que seria possível mediante a obediência voluntária. Logo, sem obediência, o caráter não poderia ser plena e adequadamente desenvolvido. Em contrapartida, a obediência forçada estagnaria o caráter humano, pois o tornaria um simples autômato – um robô – sem possibilidade de escolha, o que caracterizaria seres humanos sem liberdade. Daí que a única alternativa era permitir dois caminhos, o bem e o mal. Infelizmente, o ser humano escolheu o mal.
Entretanto, Ellen White acredita que o mal não existirá para sempre. Assim como Deus permitiu sua existência como contingência da liberdade humana, chegará o dia em que Ele o destruirá. Mas, até então, a humanidade terá plena consciência dos seus efeitos nocivos. Isso será essencial para que o mal não se levante pela segunda vez.
Adolfo Suárez (via Revista do Ancião)
Referências
1 Ellen G. White escreveu mais de cinco mil artigos e 49 livros, totalizando aproximadamente cem mil páginas manuscritas. Incluindo compilações, hoje estão disponíveis mais de cem livros em inglês e cerca de 70 em português. Ellen White é a escritora mais traduzida em toda a história da literatura. Sua obra Caminho a Cristo já foi publicada em cerca de 150 idiomas.
2 Podem ser citados os seguintes: oração, fé, mal, pecado, culpa, arrependimento, confissão, perdão, lei, graça, educação, saúde, família, evangelização, salvação e liberdade.
3 Herbert E. Douglas, A Mensageira do Senhor (Tatuí, SP: CPB, 2001), p. 256.
4 Alberto R. Timm, O Santuário e as Três Mensagens Angélicas (Engenheiro Coelho, SP: Imprensa Universitária Adventista, 1999), p. 282, 283.
5 Ellen G. White, Educação (Tatuí, SP: CPB, 2011), p. 125.
6 Ibid., p. 190.
7 Ellen G. White, Patriarcas e Profetas (Tatuí, SP: CPB, 2011), p. 61.
8 Ibid., p. 59.
9 Ibid., p. 60.
10 Ibid., p. 61.
11 Ibid.
12 Ellen G. White, O Grande Conflito (Tatuí, SP: CPB, 2012), p. 493.
13 White, Patriarcas e Profetas, p. 33.
14 White, O Grande Conflito, p. 497.
15 White, Patriarcas e Profetas, p. 41.
16 White, O Grande Conflito, p. 497.
17 Ibid., p. 499.
18 White, Patriarcas e Profetas, p. 42.
19 Ver, por exemplo: Patriarcas e Profetas, p. 331, 332; Mensagens Escolhidas (Tatuí, SP: CPB, 1985), v. 1, p. 216; História da Redenção (Tatuí, SP: CPB, 2012), p. 30, 37; Mente, Caráter e Personalidade, (Tatuí, SP: CPB, 2011), v. 2, p. 595.
20 White, Patriarcas e Profetas, p. 49.
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