segunda-feira, 30 de maio de 2022

O PROBLEMA DA XENOFOBIA

O Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) aponta que o número de refugiados cresceu em 2021. Foram registradas 172 mil pessoas a mais, em comparação a 2020. Com isso, o total ultrapassou 20,8 milhões.

A situação se agravou após a guerra na Ucrânia. Afinal, esse conflito, conforme ressaltou o diretor da ACNUR Europa, Pasquale Moreau, se tornou a maior crise de refugiados neste século e já é o maior fluxo humanitário da Europa desde a Segunda Guerra Mundial.

Os brasileiros convivem com diversos refugiados, uma vez que o país acolhe muitas solicitações, sobretudo de venezuelanos, haitianos e cubanos. A sexta edição do relatório Refúgio em Números constata que em 2020 já tínhamos aproximadamente 58 mil pessoas refugiadas reconhecidas em solo brasileiro.

O Brasil abriga também migrantes que, diferentemente dos refugiados, não deixaram sua terra natal por conta de guerras ou conflitos, mas foram forçados a buscar melhores condições de vida. Enquanto os refugiados não podem voltar ao seu país de origem, os migrantes continuam a contar com a proteção do seu governo.

Uma parceria entre a Organização Internacional para as ­Migrações (OIM) e a agência humanitária da Igreja Adventista (ADRA) tem beneficiado centenas de pessoas que enfrentam o processo de adaptação em um novo território. Por meio dessa iniciativa conjunta, as famílias vindas de outros países estão sendo inseridas no mercado formal de trabalho. Entre os projetos desenvolvidos, o Connect Brasil, no Rio Grande do Sul, proporciona treinamentos em diversas áreas, com destaque para o setor alimentício, envolvendo cursos de panificação e confeitaria.

O recomeço em terras estrangeiras não é fácil. As famílias enfrentam grandes dificuldades, pois são necessários ajustes burocráticos, adaptações culturais e físicas, procura por trabalho, moradia e educação. Como se tudo isso não bastasse, alguns estrangeiros ainda sofrem ataques xenofóbicos. A xenofobia é a hostilidade voltada aos estrangeiros que resulta em atitudes de ódio.

Um cidadão xenofóbico possui sentimentos e práticas que desconsideram o valor humanitário e relega o estrangeiro a segundo plano por considerá-lo inferior ao nativo. Dessa maneira, não há acolhimento do refugiado nem do migrante por se pensar que aqueles que vêm do exterior não devem ter as mesmas condições que os nascidos na região.

HOSTILIDADE INTOLERÁVEL
O conflito na Ucrânia expôs a intolerância em um território que sofre constantes ataques. A despeito do caos das rotas de fuga para civis, nem todos receberam as mesmas oportunidades e um tratamento respeitoso. Tivemos relatos de complicações para grupos estrangeiros, sobretudo africanos e indianos, ao tentarem acessar essas rotas e cruzar as fronteiras.

Mesmo em localidades sem guerras, a xenofobia acaba sendo praticada. Recentemente vimos atos brutais contra um congolês de 24 anos, Moïse Mugenyi Kabgambe, que foi morto a pauladas em um quiosque no Rio de Janeiro após ter cobrado duas diárias de serviço em atraso.

Esses atos extremos atingem os direitos básicos, como a liberdade e a integridade física, e demonstram que a violência contra os estrangeiros, infelizmente, é mais comum do que se imagina, opondo-se à valorização da vida e ao cuidado com o próximo.

Os cristãos precisam estar atentos para unir esforços e atender os que são de fora, refugiados ou migrantes, com a mesma disposição de ajudar os amigos mais chegados. Na Bíblia percebemos que, em diferentes épocas, os ensinos divinos por meio de profetas, mestres, apóstolos e do próprio Cristo exaltam o devido atendimento aos estrangeiros.

A BÍBLIA E O CUIDADO COM OS DE FORA
Na Palavra de Deus, vemos ­Moisés recebendo diretamente do Senhor a certeza de que o estrangeiro que peregrinava com os israelitas não deveria ser oprimido, mas sim amado (Êx 23:9; Lv 19:33, 34). Afinal, o povo hebreu sabia o significado de ser estrangeiro devido à sua experiência durante o cativeiro egípcio.

Essa preocupação ainda abrangia a alimentação e os estatutos (Lv 23:22; 24) porque a parte da colheita que caía não devia ser recolhida, pois serviria aos de fora. E tanto os estrangeiros quanto os naturais recebiam a mesma lei.

O tratamento precisava ser igual também nas cidades de refúgio que serviam de proteção na época. Elas abrigavam os filhos de Israel e os estrangeiros (Nm 35:15).

Deus reforçou continuamente o pedido de misericórdia e piedade para que Seu povo não oprimisse os que haviam se juntado a eles (Sl 146; Is 56; Jr 7; Jr 22; Zc 7; Ml 3).

Já o Novo Testamento mostra judeus e samaritanos como inimigos acirrados. Para romper esse problema, Jesus fez questão de passar por Samaria e Se encontrar com a mulher no poço de Jacó e então Se apresentar como o próprio Messias (Jo 4:26). A atenção foi tanta aos estrangeiros que, a pedido deles, Cristo ficou em Sicar dois dias e, assim, muitos creram em Suas palavras.

Atos 8 é outro exemplo da mensagem de amor que alcança todos. O encontro de Filipe com o eunuco etíope, oficial da rainha Candace, resultou na explicação das boas-novas de Jesus e no batismo do etíope.

Quando o assunto é o estrangeiro no Novo Testamento, o ­apóstolo Paulo tem muitas passagens em que afirmou que Deus o colocou como representante perante eles. Mais que isso, ele é enfático ao frisar que seu ministério estava voltado aos de fora, denominados naquela época de gentios (At 9, 22, 28). Aliás, qualquer pessoa que não fosse descendente de judeus era automaticamente considerada gentia.

Essa ênfase paulina aparece de suas cartas (Gl 1; 1Tm 2), sem contar que Paulo exaltou seu ministério aos de fora (Rm 11:13) e ainda fez questão de demonstrar seu amor pela missão voltada aos gentios (Ef 3:1).

RESPEITO E AJUDA AOS ESTRANGEIROS
Diante de tantos exemplos bíblicos do cuidado com os estrangeiros, é preciso atentar a essas situações. O atendimento aos refugiados e aos migrantes deve ser uma prática costumeira dos cristãos que “amam o próximo como a si mesmos” (Mt 22:39).

O exercício do amor assiste o próximo, seja ele o vizinho de porta ou alguém chegado de outro país, pois todos somos irmãos de um único Pai. Portanto, não deve haver disparidade no tratamento quando nos relacionamos com nativos ou estrangeiros, com familiares de sangue com quem convivemos durante toda a vida ou com irmãos em Cristo que acabamos de conhecer e com quem precisamos fortalecer laços e vínculos.

Toda ajuda aos refugiados e migrantes demonstra a disposição do amor cristão em servir como participante de um reino que demanda urgência na atenção à fragilidade humana. É essencial atender disposições cotidianas e reafirmar a esperança vindoura de uma pátria em que não mais seremos “estrangeiros e peregrinos na terra” (Hb 11:13).

O auxílio ao próximo é um remédio contra o coração egoísta, e o serviço a estrangeiros necessitados deve aumentar consideravelmente para que as situações de xenofobia sejam combatidas.

As seguintes palavras publicadas por Ellen White na Review and Herald de 25 de julho de 1918 parecem ganhar mais sentido atualmente: “O povo de Deus deve trabalhar fielmente em terras distantes, segundo Sua providência abrir o caminho; e deve também cumprir seu dever para com os estrangeiros de várias nacionalidades nas cidades e vilas e distritos rurais próximos”.

Se com o passar do tempo os relacionamentos que rompem fronteiras aumentam, é certo que também precisamos de boas práticas no acolhimento e no atendimento do estrangeiro. Enquanto um novo céu e uma nova Terra não chegam, devemos nos dispor a ser usados pelo Espírito para amenizar as tensões que chegam até nossa cidade.

Eduardo Teixeira (via Revista Adventista)

Ilustração da JustLove

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