Se tem algo que precisa ser observado com atenção pela sociedade é a explosão da violência e as motivações para esse grave contexto social. Há um sentimento em curso capaz de enfraquecer os esforços pela cultura de paz. O ódio parece despontar como sentimento dominante, e basta participar das redes e mídias sociais para chegar a esta conclusão. Da política a cultura, do comportamento a ciência, da educação a religião, não resta dúvida: o ódio prevaleceu.
Uma reflexão pertinente sobre esse assunto foi feita pelo antropólogo e crítico literário francês René Girard, de quem li um ensaio que me sensibilizou – o livro “Eu via Satanás cair como um relâmpago” – em que ele faz uma leitura da violência a partir da antropologia bíblica. Segundo Girard, o homem está marcado por um desejo de imitação, ao qual se refere como desejo mimético, e por esse motivo está envolvido em um circuito de comparações e rivalidades com o outro. O caráter violento desse comportamento seria um fenômeno metaforicamente “oculto desde a fundação do mundo”, daí o fato de Caim ter usado de violência contra seu irmão Abel.
Para Girard, como o ser humano não sabe o que desejar, imita o que os outros desejam. Uma tese simples e de angustiantes consequências. Primeiro, descobrimos que não somos indivíduos autossuficientes como quer nos fazer crer a mídia e a cultura do consumo. Segundo, nossa inveja por um objeto, pessoa ou ideia do outro acarreta em conflitos que resultam em ódio capaz de levar a sacrifícios, como o assassinato de Abel. Por trás desse pensamento está a cultura do narcisismo contemporâneo, baseada na imitação de estereótipos variados que nos levam à busca pela felicidade permanente ou pelo corpo perfeito ou pela prosperidade fácil ou pela celebridade instantânea. As pressões que resultam daí explicam o crescimento de ansiedades, depressões, suicídios, violências recorrentes manifestadas por meio do ódio político, religioso, ideológico, sexual, social e racial.
A igreja precisa ser o contraponto a essa explosão de sentimentos ruins que se manifesta em forma de ódio físico e virtual extremo, contra o semelhante ou contra instituições. É um esforço que precisa ser institucional e pessoal. Existem formas de levar esta ideia adiante. Basta as igrejas dedicarem tempo a criar uma cultura de paz, no bairro onde estão inseridas, com representantes participando ativamente do debate com governos e sociedades e com fiéis evitando a cultura de ódio que prolifera nas redes sociais.
Essa é a grande responsabilidade do cristianismo, inspirar os cristãos a não incorrerem neste mapa de ódio, mas apregoar o amor pelo outro, subverter as cadeias da violência, oferecer a outra face como um ato de contracultura e demonstrar a pessoas esmagadas por opressões diversas que é possível, sim, viver em paz e com esperança. Segundo a escritora americana Ellen G. White, as manifestações de ódio provocadas “pelos muros de preconceito ruirão por si mesmos, como aconteceu com os muros de Jericó, quando os cristãos obedecerem à Palavra de Deus, a qual recomenda que tenham supremo amor a seu Criador e amor imparcial ao próximo” (Review and Herald, 17 de dezembro de 1895).
Segue abaixo mais alguns conselhos de Ellen G. White encontrados na Meditação Matinal - Nossa Alta Vocação (p. 231) e no livro O Lar Adventista (p. 437) para que possamos evitar a cultura do ódio:
1. Cumpre submetermos um temperamento impulsivo, e dominar nossas palavras; e a esse respeito conseguiremos grandes vitórias. A menos que controlemos nossas palavras e nosso temperamento, somos escravos de Satanás. Achamo-nos sujeitos a ele. Ele nos leva cativos. Todas as palavras de altercação, palavras desagradáveis, impacientes, irritadas, são uma oferta feita a sua satânica majestade. E é uma custosa oferta, mais custosa do que qualquer sacrifício que possamos fazer a Deus; pois ela destrói a paz e a felicidade de famílias inteiras, destrói a saúde, e é afinal causa de perder-se uma vida eterna de felicidade.
2. Como Satanás exulta quando é capaz de pôr a alma no máximo calor da ira! Um relance de olhos, um gesto, uma entonação, podem ser apanhados e empregados, como a seta de Satanás, para ferir e envenenar o coração aberto para recebê-la. Dando a pessoa uma vez lugar ao espírito irado, fica tão intoxicada como aquele que levou o copo à boca.
3. Cristo trata a ira como homicídio. Palavras impetuosas são um cheiro de morte para morte. Aquele que as profere não está cooperando com Deus para salvar seus semelhantes. No Céu esse ímpio injuriar é posto na mesma lista do praguejar comum. Enquanto for acariciado o ódio no coração, não há aí um jota do amor de Deus.
4. Ao sentirdes surgir um espírito irado, apoderai-vos firmemente de Jesus Cristo pela fé. Não profirais uma palavra. O perigo jaz na emissão de uma só palavra quando estais irados, pois seguir-se-á uma sequência de frases impetuosas.
5. O homem que dá lugar à loucura proferindo palavras de paixão, dá um falso testemunho; pois nunca ele é justo. Exagera todo defeito que julga ver; é demasiado cego e irrazoável para se convencer de sua loucura. Transgride os mandamentos de Deus, e sua imaginação é pervertida pela inspiração de Satanás. Não sabe o que está fazendo. Cego e surdo, permite que Satanás tome o leme e o guie aonde lhe aprouver. Abre-se então a porta à malevolência, à inveja, e às ruins suspeitas, e a pobre vítima é desamparadamente levada. Há, porém, esperança enquanto duram as horas da graça, mediante a graça de nosso Senhor Jesus Cristo.
6. Não devemos nunca perder o controle sobre nós mesmos. Tenhamos sempre presente o Modelo perfeito. É pecado falar impacientemente, com irritação, ou sentir ira mesmo que não a expressemos. Devemos andar dignamente, dando uma justa representação de Cristo. O pronunciar uma palavra irada é como um seixo atritando outro: imediatamente promove sentimentos de raiva. Não sejais nunca um ouriço de castanheiro.
7. Procurai que dEle sejais achados imaculados e irrepreensíveis em paz” (2 Pedro 3:14). Esta é a norma pela qual todo cristão se deve esforçar, não em sua própria capacidade, mas pela graça que lhe é dada por Jesus Cristo. Lutemos pelo domínio sobre todo pecado, e sejamos capazes de controlar toda expressão impaciente, irritada.
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