Você conhece bem esses dois tipos. O primeiro é marcado por zelo sem entendimento; o segundo, por opiniões avançadas e liberais. Eles nunca se dão, mas conseguem o mesmo resultado: a destruição da vida espiritual da igreja. São descritos por Ellen G. White da seguinte maneira: "Muitos são fanáticos. São consumidos por um ardente zelo, o qual é tomado por religião.... Outros vão a outro extremo em sua conformidade com o mundo" (Testemunhos Seletos, vol. 1, pp. 169 e 170).
No dia-a-dia da igreja nos deparamos com esses personagens. Eles promovem muito barulho, mas o resultado é como o metal que soa ou como o sino que tine" (1Co 13:1).
Faz alguns anos, participávamos de uma solene reunião administrativa nos Estados Unidos. Os membros daquela comissão estavam analisando o ministério de determinado obreiro, que havia sido indicado para dirigir um importante departamento da Igreja. "Não concordo com a indicação dessa pessoa, porque sua pregação é liberal", bradou alguém. O fato é que, alguns anos depois, se viu o resultado: o pregador não tinha nada de liberal; ao contrário, seu ministério tem levado milhares de pessoas a entender a maravilhosa mensagem da justificação pela fé. Já o zeloso defensor da "essência da verdade", não foi muito longe: ao lidar com as várias situações da vida da Igreja, optou por uma linha dura que só produziu aleijões, contrapondo-se ao espírito que deve caracterizar os seguidores de Cristo.
Antes de tentarmos esboçar o perfil do fanático e do liberal, seria interessante registrar o que o Espírito de Profecia fala sobre Jesus, nosso modelo: "O Salvador nunca foi a extremos, nunca perdeu o domínio de Si mesmo, nunca violou as leis do bom gosto. Sabia quando convinha falar, e quando guardar silêncio. Estava sempre na posse de Si mesmo. Nunca errou no ajuizar os homens ou a verdade" (Obreiros Evangélicos, p. 317).
O fanático — O perfil desse personagem é complexo. Às vezes, dá a impressão de idoneidade e circunspecção. Quando se refere à mensagem, passa aos incautos a imagem de inusitado desvelo pelas normas da igreja. Tem inclinação natural para exacerbar problemas. Exagera os valores, e sempre pensa sozinho. Não pensa em parceria com o Espírito Santo. Suas idéias constituem sua medida. Ele, em síntese, é a medida de tudo e de todos. Além disso, é implacável na avaliação dos faltosos. Mas sua principal característica é a estreiteza de visão. Jamais dá atenção ao conjunto. Estriba-se num pontinho qualquer e faz disso sua causa, pela qual luta com unhas e dentes. Se você quiser conhecer o lado real de um fanático, vá à casa dele com certa frequência. Em pouco tempo ele será desmascarado. Sua piedade é apenas uma capa.
Ellen White assim o descreve: "Há muitos, muitos, que confiam em sua própria justiça. Estabelecem uma norma para si mesmos, e não se submetem à vontade de Cristo, nem permitem que Ele os envolva nas vestes de Sua justiça. Formam um caráter de acordo com o seu bel-prazer. Satanás se agrada de sua religião. Representam falsamente o caráter perfeito — a justiça — de Cristo. Enganados eles mesmos, por sua vez enganam outros. Não são aceitos por Deus. São capazes de levar outras almas para veredas falsas. Receberão afinal sua recompensa, juntamente com o grande enganador — Satanás" (Manuscrito 138, 1902).
Ellen White escreveu muito sobre o fanatismo. O fanático se deixa levar por momentos de arroubo. Aceita ou desenvolve ideias sensacionalistas. Gosta de maicar datas e prever acontecimentos sombrios. Chega a anunciar pragas para os que não aceitam suas ideias.
Hoje em dia, o fanático se confunde com o legalista. Exigente e estrito, cobra tudo de todos e impõe a si mesmo um rosário de formalidades inúteis.
O perfil desse personagem é um guarda-chuva que inclui fanatismo pela reforma de saúde, fanatismo pelos tratamentos naturais, fanatismo pela observância exterior das normas da igreja, fanatismo pela pontualidade, fanatismo pela "boa música", etc. Evidentemente, precisamos promover a reforma de saúde, usar os remédios da Natureza, observar as normas da igreja, pautar nossa vida pela ordem e pontualidade e ouvir ou cantar músicas que promovam nosso desenvolvimento espiritual. O fanático, no entanto, não vai ao cerne das coisas. Fica apenas na superfície, no aspecto mecânico. O importante para ele não é mudança de caráter, mas conformação com a letra do sistema que ele defende.
O fanático é um desastre para a igreja. Ai dos que caem em suas mãos! Ao pregar, faz de sua "mensagem" um chicote. Ao defender uma norma, não demonstra interesse pela pessoa faltosa. Numa comissão, só mostra interesse pela reputação e imagem da igreja. Gente não importa. Sua causa é salvar as aparências. Jesus chamou de "sepulcros caiados" esse tipo de pessoas.
O fanático ou legalista não visita ninguém com o propósito de ajudar. Se vai à casa de uma ovelha errante, seu único objetivo é buscar informações para depois incriminar. Nas reuniões da comissão da igreja, não muda de opinião. Por sinal, já chega ali com seu voto no bolso. Sente-se feliz por ajudar a igreja a se livrar de um incômodo.
Enfim, o fanático não vê Cristo na mensagem, não enxerga o amor, não estende o braço de misericórdia, não sabe conjugar os verbos salvar e recuperar. Seu verbo favorito é expurgar. Na verdade, o fanático não frui a religião; sofre-a.
O liberal — Para o liberal, o campo é o mundo. Nada de restrições, normas e regras. Toda vez que ouve um sermão sobre santificação, parece dizer: "Já vem com religião comportamental." Tem alergia a princípios e normas. A marca de sua religião é "tolerância sem compromisso". O que importa, diz, é o que está no coração.
O liberal, à semelhança do fanático, pensa sozinho. Só que está mais interessado em liberdade. Mas confunde liberdade com liberdades. Não entende que liberdade é fazer o que convém, e liberdades são caprichos fora da ordem. O liberal é, ao mesmo tempo, promotor e símbolo do mundanismo na igreja.
Gosta da doutrina da justificação pela fé sem nenhuma relação com a santificação do caráter. Gosta de falar sobre o que Cristo faz por nós e odeia ouvir sobre o que Ele deseja fazer em nós. Gosta de saber que Cristo nos livra da culpa do pecado, mas abomina ouvir que Ele deseja nos livrar do domínio do pecado.
Através dos séculos, a Igreja tem sido fustigada por esses dois personagens: o fanático e o liberal. O primeiro, torna o caminho mais estreito do que na verdade é; o segundo, alarga-o generosamente. Eles estão em pólos opostos, mas têm um ponto em comum: pensam sozinhos, pois não admitem parceria com o Espírito Santo.
O cristão — O que nos interessa, acima de tudo, é o perfil do cristão genuíno. "Os que seguem o exemplo de Cristo não serão extremistas" (Obreiros Evangélicos, p. 317).
O evangelho produz pessoas sensatas, cujo perfil é um caráter segundo o modelo: Jesus. O que é, pois, um cristão?
1. Uma pessoa justificada, livre da condenação (Rom 5:1; 8:1). Pela fé aceita o que Jesus fez em seu favor na cruz do Calvário.
2. Uma pessoa santificada pela presença de Cristo em sua vida. "Assim que, se alguém está em Cristo, nova criatura é: as coisas velhas já passaram; eis que tudo se fez novo" (2Co 5:17). Pelo poder divino, sua vida é posta em harmonia com a verdade. Os princípios e as normas da igreja fazem parte da vida interior, refletindo-se no vestir, no falar, no comer, no agir. A conduta cristã é fruto de uma transformação espiritual. Nada de atitudes permissivas, liberalizantes.
3. Uma pessoa cheia de amor, bondade, alegria e domínio próprio (Gl 5:22). Nada de atitudes impositivas, ditatoriais.
4. Uma pessoa cuja vida se desenvolve, em todos os aspectos, para a "glória de Deus" (1Co 10:31). Não se concentra em si mesma.
5. Uma pessoa de visão equilibrada. Usa de sensatez ao ajuizar os homens e a verdade. Sua medida é Cristo, parâmetro supremo.
Peçamos a Deus que nos ajude a desenvolver uma vida equilibrada, uma visão cristocêntrica da santificação do caráter. Submetamo-nos à influência modeladora do Espírito Santo, para que nossa conduta reflita os encantos da ética cristã. Agindo assim, expurgaremos de nosso coração todo extremismo, e a atmosfera de nossas igrejas se tornará doce e aprazível. Um ninho de amor e justiça.
Rubens S. Lessa (via Revista Adventista)
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