quinta-feira, 2 de fevereiro de 2023

HIPÓCRITA

Os escribas e fariseus eram adeptos da religião do faz de conta. Achavam que a prática de rituais fosse indício de religião autêntica. Mas, certo dia, eles foram desmascarados por Alguém que, usando um infalível aparelho de ressonância espiritual, viu cada centímetro quadrado da matéria putrefata em que consistia a vida deles: “Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas, porque sois semelhantes aos sepulcros caiados, que, por fora, se mostram belos, mas interiormente estão cheios de ossos de mortos e de toda imundícia!” (Mt 23:27).

Não há muita diferença entre os “sepulcros caiados” do tempo de Jesus e os de hoje. Existe muita caiação religiosa entre nós. Essa postura merece um nome nada agradável: hipocrisia.

Um dos predicados que Jesus mais usou para (des)qualificar as pessoas durante seu ministério terreno foi “hipócrita”. Era o adjetivo principal que Ele utilizava para se referir aos escribas e fariseus, por exemplo. Nas minhas leituras da Bíblia, acabei atentando para essa palavra e acabei me entregando à reflexão acerca da hipocrisia. E tenho pensado tanto sobre a minha hipocrisia quanto a das pessoas que me cercam. Não se espante de eu dizer “a minha”, porque quando se é honesto consigo mesmo é impossível não reconhecer que todos temos um pouco (ou muito) dela. Uns mais, outros menos, mas todos temos nossa dose desse mal, nem que seja em nome do bom convívio social. Não virar a mão na cara de uma pessoa que você sabe que está mentindo para você e ficar sorrindo para ela não deixa de ser um ato hipócrita, se você parar para pensar. Então, eu e você temos nossa cota de hipocrisia, admitamos. Afinal, não admitir isso seria… hipocrisia.

Diz Ellen White: "A advertência foi dada; Deus tem claramente mostrado Seu desprezo por este pecado; e todos os que se dão à hipocrisia, podem estar certos de que estão destruindo a própria alma. A hipocrisia é deveras ofensiva a Deus" (Atos dos Apóstolos, p. 76).

“Hipocrisia” vem do grego hupokrisía, vocábulo que tem o sentido de “alguém que desempenha um papel”. Ou seja, em resumo, hipocrisia tem a ver com fingimento. É uma coisa meio teatral, quando você finge ser, sentir ou pensar algo que não condiz com a realidade. Mas, mesmo sendo uma característica tão presente no ser humano como qualquer outro pecado, preciso reconhecer que ultimamente tenho visto tanta hipocrisia que chega a gerar em mim uma certa repulsa.

Os hipócritas gostam de se vangloriar. Além disso, não se apercebem de que constituem um entrave ao crescimento espiritual da igreja e à obra de evangelização. Algumas pessoas saem da igreja porque se escandalizam com a religião do faz de conta. O prejuízo causado por uma religião de epiderme é tão grande que Jesus deu nome ao cemitério dos escandalizadores: “profundeza do mar” (Mt 18:6). Contudo, não nos cumpre decidir quem deve ir para esse lugar, porque presunção espiritual também causa escândalo.

Algo que detectei no trato com pessoas que têm agido de forma hipócrita é que há quatro estágios de reação da sua parte quando você se depara com um ato de hipocrisia perpetrado por alguém que você conhece e com quem se preocupa: 1. Revolta; 2. Exortação; 3. Conformismo; 4. Anestesia (esta geralmente vem acompanhada de um consequente afastamento).

É mais ou menos assim que ocorre quando alguém por quem você se importa embarca num comportamento hipócrita perene: primeiro você se revolta, acha um absurdo. “Como fulano consegue ser tão fingidor?! Como ele aguenta viver assim?!”. Depois vem a fase da exortação, quando você tenta chamar a pessoa à responsabilidade, faz o que está ao seu alcance para que ela abandone seus atos hipócritas e que vão acabar por machucá-la ou machucar terceiros, aconselha, fala, adverte, alerta para os problemas que aquilo causará. Mas, no instante em que você percebe que de nada adiantou admoestar e que a pessoa persiste em sua trajetória de hipocrisia, começa a etapa do conformismo. “É… fulano escolheu ser hipócrita mesmo, fazer o que, né?! Deixa estar”. Por fim, chega a anestesia. É quando você já se esforçou tanto e fez tudo o que estava ao seu alcance para libertar a pessoa com quem você se importa dos grilhões de seu fingimento que literalmente fica exausto. E percebe, enfim, que a pessoa tomou a decisão definitiva: viver a hipocrisia até o fim. É quando você desiste.

Infelizmente, isso acaba despertando em você uma boa dose de asco por tamanho fingimento, a ponto de te deixar meio anestesiado ao fato – talvez como uma casca protetora para proteger você de sentir o sentimento ruim que está sentindo. Se você assistiu ao filme Pink Floyd – The Wall vai entender um pouco do que estou falando: você se torna Comfortably Numb (Confortavelmente Entorpecido). É nessa hora que você larga a mão de quem insiste em pular no abismo e deixa pra lá. Como se dissesse: “Você persiste nessa atitude? Então quer saber? Azar o seu, colha os frutos amargos das suas ações”. Nesse ponto se dá a ruptura e a gente simplesmente sai de cena, entregando o ente querido à própria sorte. “Que Deus o ajude”, é o que resta dizer. E vamos cuidar da vida, esperando só o dia em que chegarão as inevitáveis notícias dos desastres ocorridos por causa daqueles persistentes atos hipócritas (é claro que oramos muito pedindo a Deus que isso não ocorra, mas é como a Bíblia diz: “Quem semeia corrupção na carne colhe corrupção na carne”. É inevitável.). Ou você acha que uma hipocrisia perene não traz infelicidade ao hipócrita? Ou você acha que hipocrisia passa impune?

Todos somos hipócritas, logo, não serei eu a atirar a primeira pedra. Mas há uma grande diferença entre os tipos de pessoas que praticam a hipocrisia: há o hipócrita que percebe suas escorregadas e se corrige e o hipócrita que, por mais que você advirta, persiste em levar adiante seu erro. Só que Deus não nos chamou para sermos hipócritas. E se você percebe que está vivendo atrás de máscaras, sorrindo quando queria chorar, dizendo “sim” quando deveria dizer “não”, fingindo ser quem você não é… meu irmão, tome uma atitude. Por quê? Porque senão o seu modo de proceder em nada será diferente do modo dos escribas e fariseus que Jesus tanto condenou. E a quem chamou de sepulcros caiados.

A nossa hipocrisia não engana a Deus. A Bíblia diz em Lucas 16:15: “E ele lhes disse: Vós sois os que vos justificais a vós mesmos diante dos homens, mas Deus conhece os vossos corações; porque o que entre os homens é elevado, perante Deus é abominação.”

A hipocrisia tem motivos duvidosos. A Bíblia diz em Mateus 6:2: “Quando, pois, deres esmola, não faças tocar trombeta diante de ti, como fazem os hipócritas nas sinagogas e nas ruas, para serem glorificados pelos homens. Em verdade vos digo que já receberam a sua recompensa.”

Hipocrisia é conhecer a verdade, mas não obedecer – dizer que Cristo é o Senhor mas não segui-Lo. A Bíblia diz em Mateus 23:13: “Mas ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! porque fechais aos homens o reino dos céus; pois nem vós entrais, nem aos que entrariam permitis entrar.”

Diz Ellen G. White: "O maior dos enganos do espírito humano, nos dias de Cristo, era que um mero assentimento à verdade constituísse justiça. Em toda experiência humana, o conhecimento teórico da verdade se tem demonstrado insuficiente para a salvação. Não produz os frutos de justiça. (...) Os fariseus pretendiam ser filhos de Abraão e se vangloriavam de possuir os oráculos de Deus; todavia, essas vantagens não os preservavam do egoísmo, da malignidade, da ganância e da mais baixa hipocrisia. (...)

O mesmo perigo existe ainda hoje. Muitos se têm na conta de cristãos simplesmente porque concordam com certos dogmas teológicos. No entanto, não introduziram a verdade na vida prática. Não creram nela nem a amaram; não receberam, portanto, o poder e a graça que advêm mediante a satisfação da verdade. As pessoas podem professar fé na verdade; mas, se ela não os tornar sinceros, bondosos, pacientes, dominados, tomando prazer nas coisas de cima, isso é uma maldição a seu possuidor e, por meio de sua influência, uma maldição ao mundo.

A justiça ensinada por Cristo é conformidade de coração e de vida com a revelada vontade de Deus. Os pecadores só se podem tornar justos à medida que têm fé em Deus e mantêm vital ligação com Ele. Dessa forma, a verdadeira piedade elevará seus pensamentos e enobrecerá a vida. Então, as formas externas da religião se harmonizarão com a interior pureza cristã. Nesse caso, as cerimônias exigidas no serviço de Deus não são ritos destituídos de sentido, como os dos fariseus hipócritas" (A Fé Pela Qual eu Vivo, p. 108).

O que o texto acima de Ellen White quer nos dizer é que a tendência de muitos é de achar que por terem o conhecimento da "verdade" isso os torna "verdadeiros"; por terem o conhecimento da Justiça, isso os torna justos; por terem o conhecimento do que é o cristianismo, isso os torna cristãos. Não é assim que acontece. Isso era comum com certa classe de pessoas, nos dias de Cristo, e parece que é mais comum nos dias de hoje!

A única coisa que identifica uma pessoa não é o que ela profere ser, mas o que ela é de fato, ou seja, o que os seus atos dizem que ela é. Coerência é tudo o que Jesus ensinou. Busquemos incansavelmente conhecer a verdade e pratiquemos a verdade que conhecemos, dessa forma não traremos maldição, ou escândalo ao mundo, que já está farto de gente que diz ser o que nunca foi. Antes de tudo, conheça a verdade que é Cristo (João 14:6 e 8:32), e Ele transformará suas atitudes, de forma que a hipocrisia - um dos maiores males que enchem bancos de igrejas e lotam as ruas, praças, faculdades e a sociedade em geral - não se achará em sua vida.

"Como é feliz aquele a quem o Senhor não atribui culpa e em quem não há hipocrisia!" (Salmos 32:2).

Adaptação de textos de Apenas e Na Contramão

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