segunda-feira, 23 de outubro de 2023

CRISE DE IDENTIDADE DA IGREJA

O cristianismo atual vive uma crise de identidade. Entre as muitas causas desse fenômeno, encontra-se a exaltação das tradições humanas e dos conceitos pós-modernos de cosmovisão. O estudo da Bíblia e de suas doutrinas tem perdido espaço para a experiência sensorial e as mensagens existencialistas. É preciso se voltar para os fundamentos bíblicos da fé cristã e indagar qual é a finalidade de nossa existência como povo de Deus.

Identidade adventista
A identidade adventista é o que nos distingue dentro do cristianismo, isto é, a identidade é a essência do adventismo, o que define sua existência. O assunto da identidade, portanto, toca na questão da contribuição que o adventismo dá ao cristianismo. Além disso, a identidade é essencial para responder aos tempos ecumênicos em que vivemos. Se não sabemos o que somos, dificilmente podemos evitar ser atraídos e assimilados pelo ecumenismo. Agora, o que define a existência do adventismo é sua teologia. Sem teologia não há identidade e, sem identidade, não há missão. A base fundamental da teologia adventista é o princípio Sola Scriptura, que está estabelecido na primeira crença fundamental do cristianismo.

A Igreja Adventista desenvolve sua teologia tomando por base, exclusivamente, os ensinamentos bíblicos. Os pilares do adventismo são aspectos fundamentais e gerais das Escrituras. Esses pilares são: a doutrina do santuário; a imortalidade condicional do homem; a lei de Deus, incluindo o sábado; e as três mensagens angélicas. Esses princípios gerais estabelecem os fundamentos macro-hermenêuticos sobre os quais o adventismo interpreta as Escrituras, constrói sua teologia, desenvolve sua identidade como igreja e concebe sua missão global.

Identidade denominacional
Identidade tem que ver com o fato de ser uma pessoa ou coisa específica, determinada por um conjunto de traços ou características que a diferencia das outras. A identidade assume a existência de uma coisa ou sujeito, no nosso caso, a Igreja Adventista, e descreve as características fundamentais que a distinguem. Isso nos ajuda a entender que nossa existência é nossa identidade, a qual expressamos quando enumeramos as características que nos distinguem no mundo cristão e das religiões não cristãs.

Portanto, a existência da Igreja Adventista como denominação cristã implica a existência de sua identidade, ou seja, as características fundamentais que a definem como uma versão universal do cristianismo. Assim, o importante não é “ter” uma identidade, mas “reconhecer” nossa identidade, seja como membros ou como líderes. É de suma importância que todos reconheçamos e internalizemos a identidade bíblica do movimento a que pertencemos, porque disso depende a salvação e a missão da igreja e do cristianismo em geral.

Crises de identidade internas da igreja
As novas gerações de nossa igreja, em vários lugares do mundo, passaram a entender a identidade adventista de diferentes maneiras. Essas novas formas de adventismo surgem de um abandono progressivo, ao longo de sucessivas gerações, do princípio Sola Scriptura, ao ponto de alguns rejeitarem a inspiração completa das Escrituras e do Espírito de Profecia. O princípio “somente pelas Escrituras” tem sido substituído pelo princípio das tradições humanas. Isso tem gerado uma reinterpretação do adventismo, de suas doutrinas, de suas práticas e de sua missão. Tudo isso tem mudado a maneira pela qual as novas gerações vivem o adventismo em sua prática diária.

Esse processo se estabeleceu devido a um progressivo “eclipse das Escrituras”, não somente em nível teológico-doutrinário, mas também em nível de liderança, pregação e espiritualidade das novas gerações de adventistas. Tudo isso se manifesta nos cultos, no momento da adoração, em que doutrinas e práticas que contradizem os ensinamentos e o espírito do adventismo bíblico original são introduzidas sorrateiramente. Felizmente esse não é o quadro geral da igreja nem o que se observa na maioria dos líderes e membros ao redor do mundo. Graças a Deus, a maioria está enraizada no princípio Sola Scriptura, que fundamenta a unidade espiritual e a missão da igreja. Deve-se alertar nossos líderes locais e institucionais sobre a existência dessa interpretação minimizada do adventismo, para que juntos retornemos às Escrituras e superemos essa situação em todos os níveis da comunidade adventista global.

Principais motivos que levam a uma separação teológica e prática entre a vida diária do cristão e sua salvação
As causas são muitas e de diferentes naturezas. Por exemplo, adventistas mais conservadores são doutrinários. Refiro-me aos que aceitam os ensinamentos da igreja, mas não estudam a Bíblia por si mesmos e, dessa maneira, não desenvolvem relacionamento pessoal com Deus. Para eles, o estudo da Bíblia e a teologia não são necessários nem para a salvação nem para a missão. O importante é proclamar o evangelho e batizar novos conversos. Estudar a Bíblia e se aprofundar nela é considerado perda de tempo. Somente a missão importa, isto é, pregar e batizar. Os teólogos são, para eles, aqueles que transmitem as doutrinas já conhecidas e aceitas às novas gerações. Essa abordagem causa separação entre a teologia e o estudo da Bíblia, a administração e a liderança pastoral da igreja. Na prática, teologia e missão se separam.

Outra causa de separação entre a teoria e a prática se deriva da “protestantização” do adventismo. Ela decorre da convicção de que o adventismo e o protestantismo concordam teologicamente em todas as doutrinas fundamentais e somente diferem em aspectos específicos e tangenciais, como a doutrina do santuário, a interpretação das profecias e o ministério profético de Ellen White. Nessa tendência generalizada, o ponto central é conceber a salvação como justificação (perdão dos pecados), excluindo a santificação, que é concebida como “fruto ou evidência” da salvação já apropriada na justificação. O importante, então, é receber a justificação, que ocorre quando respondemos à pregação da cruz. O estudo das Escrituras e da teologia não são necessários para a salvação, porque somente a prática é necessária.

Ainda outra causa que leva à separação entre a teoria e a prática é a especialização requerida pelo constante progresso na investigação das Escrituras Sagradas.

Devemos ficar alertas, especialmente os líderes da igreja, quando ouvirem a apresentação da Palavra de Deus. Precisamos retornar à Bíblia no púlpito, no lar e, acima de tudo, na mente e no coração. Isso requer uma transformação espiritual e logística em nossa vida, um reavivamento e uma reforma pessoal e também denominacional. Ela deve estar no centro de nossa identidade como igreja que anuncia a breve volta de Jesus por meio da tríplice mensagem angélica (Apocalipse 14:6-12).

Conclusão
E como podemos evitar o perigo de perder nossa identidade denominacional? Não permitindo a inércia, a fusão de doutrinas nem o abandono dos princípios fundamentais da Palavra de Deus. Somente um retorno paradigmático profundo e espiritual às Escrituras como guia, fundamento e inspiração nos salvará da pressão ecumênica de nossos tempos, e nos permitirá cumprir a missão final neste mundo.

[via T7]

Texto baseado em declarações do doutor Fernando Canale. Ele tem um extenso currículo de serviços prestados à Igreja Adventista. Graduado em Teologia e Filosofia pela Universidade Adventista del Plata (UAP), em 1978 obteve seu mestrado em Filosofia pela Universidade Católica de Santa Fé e, em 1983, o doutorado em Teologia pela Universidade Andrews, Estados Unidos. Durante alguns anos foi pastor no Uruguai. Como docente da UAP, ministrou aulas nas faculdades de Pedagogia, Filosofia e Teologia. Em 1985 foi convidado a trabalhar como professor de Teologia e Filosofia Cristã ao lado do doutor Raoul Dederen, na Universidade Andrews, onde serviu até sua jubilação, em 2013. Atualmente tem atuado como professor emérito da Universidade Andrews. Ele é autor do livro "Adventismo Secular?".

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