Era 1844. As folhas de carvalho silvestre espalhadas pelos ventos do outono indicavam a breve chegada de mais uma temporada de frio e neve no hemisfério norte. Elas também poderiam simbolizar uma mensagem que havia alcançado milhares de pessoas na América do Norte. Convictas da iminente volta de Cristo, anunciada por Guilherme Miller e diversos pregadores voluntários, elas aguardavam com entusiasmo o dia 22 de outubro, a gloriosa data em que teria fim a história do pecado e começaria uma existência de eterna alegria no reino dos céus.
Frustração
Quando o sol raiou em 23 de outubro, muitos mileritas descobriram que, em vez das mansões celestiais, o que encontrariam em pouco tempo seriam os rigores do inverno americano. O dia 22 de outubro tornou-se conhecido no calendário milerita como a data da Grande Decepção, ou Grande Desapontamento. Alguns continuaram crendo que o retorno de Cristo aconteceria ainda naquele mês ou naquele ano, ou até mesmo em uma data não muito distante. Mas a passagem do tempo desfez todas as esperanças marcadas com prazo de validade.
Depois desse período, Miller continuou crendo no breve retorno de Cristo, mas deixou as funções de pregador itinerante e voltou às atividades em sua propriedade rural em Low Hampton. Josué Himes, o grande propagandista milerita, tentou durante algum tempo manter a unidade do movimento e liderou a assistência aos seguidores que necessitavam de amparo material. Porém, passados alguns meses, os mileritas eram como um vaso partido em muitos fragmentos.
Em busca de resposta
Alguns abandonaram não apenas o movimento, mas também a fé cristã e a esperança em uma redenção futura. Entre os que permaneceram, impunha-se a pergunta: o que realmente havia acontecido em 22 de outubro de 1844? Se os cálculos proféticos estivessem corretos, onde estaria o erro?
Para importantes líderes do movimento milerita, como Himes, algum equívoco relacionado à interpretação do tempo de cumprimento das profecias tinha ocasionado o desapontamento. Outros passaram a crer que a data e o evento estavam corretos, mas haviam se cumprido “espiritualmente”. Cristo teria voltado para o coração dos crentes. Essa era uma das interpretações apontadas pelos espiritualizadores.
Em meio às mais diversas teorias, um grupo passou a analisar novamente a Bíblia, sugerindo que a natureza do evento profetizado talvez devesse ser mais bem compreendida. Josias Litch, um dos líderes mileritas, antes mesmo do desapontamento de 22 de outubro, já havia apresentado essa possibilidade.
O santuário celestial
Uma ramificação do movimento, bem pouco expressiva após o desapontamento, seguiu a trilha apontada por Litch: a profecia havia se cumprido; porém, para entender seu cumprimento, seria necessário estudar novamente o texto sagrado à luz do ministério da salvação desenvolvido no antigo tabernáculo israelita. Só assim seria possível compreender o texto-chave dos mileritas: “Até duas mil e trezentas tardes e manhã e o santuário será purificado” (Dn 8:14).
Para esse grupo, o significado das 2.300 tardes e manhãs estava bem claro, pois havia sido estudado exaustivamente naqueles últimos anos (veja o quadro). A questão era compreender o significado da purificação do santuário. Para Miller, seria a volta de Cristo à Terra. Porém, após buscar a Deus em oração, logo após o desapontamento, o milerita Hiram Edson vislumbrou outra interpretação enquanto caminhava por um milharal próximo à sua propriedade. Ele viu que, ao se completarem os 2.300 dias proféticos, Jesus Cristo adentrava ao lugar santíssimo do santuário celestial, onde teria uma obra a realizar antes de Seu retorno à Terra.
Ao estudar a Bíblia em companhia de amigos como Owen Crosier e Franklin Hahn, Edson uniu a visão à convicção vinda da Palavra de Deus. Com base no livro Millennial Fever and the End of the World, de George Knight, podemos considerar as principais conclusões às quais chegaram Edson e seus companheiros de estudo:
1. Há um santuário literal no Céu (Hb 8:1-5).
2. O santuário terrestre era uma representação visual do plano da salvação e um modelo do tabernáculo celestial (Êx 25:8; Hb 9:23).
3. Assim como o santuário israelita tinha um ministério realizado em duas fases, sendo a segunda delas o ritual do Dia da Expiação, o santuário celestial também tem duas fases. A primeira tem início no lugar santo, com a ascensão de Cristo ao Céu. A segunda é realizada no lugar santíssimo, começando em 22 de outubro de 1844, data profética que assinala o Dia da Expiação escatológico.
4. A primeira fase do ministério de Cristo diz respeito fundamentalmente ao perdão dos pecados. A segunda parte trata principalmente da extinção do pecado e da purificação do santuário e também dos crentes.
5. A purificação do santuário de Daniel 8:14 referia-se a uma limpeza do pecado realizada por meio do sangue de Cristo e não pelo fogo.
6. Cristo não retornará até que a obra de purificação do santuário celestial esteja completa.
Caminho iluminado
Ellen G. White e seu esposo, Tiago, estavam entre aqueles que abraçaram essas convicções e tiveram a experiência espiritual renovada após o período sombrio do desapontamento. Ele relata: “Muitos de nosso povo não reconhecem quão firmemente foram lançados os alicerces de nossa fé. Meu esposo, o pastor José Bates, […] o pastor [Hiram] Edson e outros que eram inteligentes, nobres e verdadeiros achavam-se entre os que, expirado o tempo em 1844, buscavam a verdade como a tesouros escondidos. Reunia-me com eles e estudávamos e orávamos fervorosamente. Muitas vezes ficávamos reunidos até alta noite, e às vezes a noite toda, pedindo luz e estudando a Palavra” (Cristo em Seu Santuário, p. 10).
Antes mesmo que a razão para o desapontamento fosse plenamente compreendida à luz da Bíblia e propagada, Deus havia concedido a Ellen G. White uma visão de encorajamento que deveria ser apresentada ao povo do advento. Nessa primeira de muitas visões, Ellen contemplou uma luz que brilhava no início de um caminho “reto e estreito” trilhado pelos que esperavam a segunda vinda. Um anjo identificou a luz como o “clamor da meia-noite”, termo que designa a intensa pregação milerita no verão e no outono de 1844, anunciando a volta de Cristo. O caminho era mais longo do que inicialmente se acreditava, mas Cristo conduzia Seu povo à cidade santa. Os que “negavam a existência da luz atrás deles” logo se consideravam em um caminho errado e caíam para o mundo “tenebroso e ímpio”. Mas os que valorizavam a luz disponível olhavam para Cristo e para a cidade e venciam.
Firme alicerce
Com base na revelação divina apresentada por meio de visões e confirmada com criterioso estudo do texto sagrado, esse pequeno grupo de crentes encontrou coragem e esperança em meio ao despontamento. Com os olhos abertos para a realidade bíblica do ministério de Cristo no santuário celestial tiveram a certeza de que Deus os estava guiando em meio às provações. “Eu sei que a questão do santuário se firma em justiça e verdade, tal como a temos mantido por tantos anos”, afirmou Ellen G. White (Cristo em Seu Santuário, p. 11).
Passados 170 anos da decepção experimentada pelos mileritas, a Igreja Adventista do Sétimo Dia é a mais destacada ramificação do antigo movimento. Enquanto outros grupos mileritas se extinguiram ou se tornaram irrelevantes, os adventistas alcançaram o globo com a mensagem do breve retorno de Cristo. A incessante busca pela revelação divina e pela correta compreensão da Palavra de Deus transformou uma aparente derrota em vitória. Porém, os triunfos dos pioneiros não podem degenerar-se em ufanismo triunfalista. A fidelidade às revelações divinas é o firme alicerce para aqueles que aguardam o encontro com Cristo. Referindo-se à mensagem sobre o santuário celestial, Ellen G. White afirmou: “Não devemos desviar-nos da plataforma da verdade em que fomos estabelecidos.”
Entenda como se chegou à data de 22 de outubro de 1844
Grande parte dos esforços de Guilherme Miller e seus seguidores foi dedicada a desvendar o significado da passagem de Daniel 8:14: “Até duas mil e trezentas tardes e manhãs e o santuário será purificado.” Veja a seguir alguns passos que ligam a profecia de Daniel à data anunciada pelos mileritas e atualmente aceita pelos adventistas do sétimo dia:
- Usando o princípio de interpretação profética dia-ano (Nm 14:34; Ez 4:4-7), é possível concluir que a profecia trata de um longo período de 2.300 anos.
- Para descobrir o tempo de seu cumprimento, é necessário encontrar a data que teria dado início à contagem profética. Conectando a passagem de Daniel 9:24-25 ao texto encontrado em 8:14, identifica-se a ordem para restaurar e edificar Jerusalém, após o cativeiro babilônico, como o evento inaugural da profecia.
- Em Esdras 7:7-9 encontra-se a referência temporal à ordem do rei persa Atarxerxes para a reconstrução de Jerusalém. Assim, com ajuda da história é possível identificar o ano 457 como o início da profecia.
- O cumprimento da profecia das 70 semanas proféticas, ou 490 anos (Dn 9:24), a primeira parte da grande profecia dos 2.300 anos, se deu com a morte de Cristo no ano 27, na metade da última semana profética (Dn 9:27).
- Selada com a morte de Cristo no calvário, a profecia das 2.300 tardes e manhãs teve cumprimento em 1844, com o início do Dia da Expiação escatológico.
- A data de 22 de outubro foi proposta com base no Dia da Expiação realizado no 10º do 7º mês do calendário judaico (Lv 16:29-30).
Guilherme Silva (via Revista Adventista)
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