Na Bíblia, uma aliança consiste no estabelecimento legal de uma relação entre Deus e o Seu povo. Deus é quem toma a iniciativa de instituir e assegurar esse relacionamento. As alianças que Ele estabelece são baseadas no Seu amor, na Sua graça e na Sua fidelidade, tendo raízes na aliança eterna que tinha o intuito de salvar a humanidade e que foi estabelecida pela Trindade antes da fundação do mundo, caso o ser humano caísse em pecado (Ef 1:3, 4; 2Tm 1:9; Tt 1:12; 1Pe 1:20; Ap 13:8).
O autor do livro de Hebreus, que se acredita ser o apóstolo Paulo, faz uma distinção entre a “primeira” e a “nova” aliança, alegando que se não houvesse nenhuma “deficiência” ou “inadequação” na primeira aliança, a segunda ou a “nova” aliança não seria necessária. Paulo discute a questão da nova aliança no contexto do ministério de Cristo como nosso Sumo Sacerdote no santuário celestial, fazendo uma comparação com os serviços do santuário realizados no tabernáculo terrestre pelos sacerdotes levitas, que exigiam sacrifícios de animais. Ele também fala sobre a “aliança superior” (Hb 7:22; 8:6) e diz que essa é a “nova aliança” (Hb 8:8; 9:15; 12:24; cf. Lc 22:20; 1Co 11:25; 2Co 3:6), ou a “segunda” aliança (Hb 8:7). O adjetivo chave “melhor” é comparativo de “bom”, ou seja, Paulo contrasta a primeira aliança, que era “boa”, com a nova aliança, que é “melhor”.
A primeira aliança
O que Paulo quer dizer quando fala sobre a “primeira aliança”? (A frase completa é usada somente em Hebreus 9:15, mas veja também em Hebreus 8:7, 13; 9:1, 18). Em Hebreus, Paulo nunca usa o termo antiga aliança para descrever a primeira aliança (ele usa a expressão antiga aliança somente em 2 Coríntios 3:14). O Senhor explica que a nova aliança não será como a “a aliança que fiz com os seus pais, no dia em que os tomei pela mão, para os tirar da terra do Egito” (Hb 8:9). Aqui, Ele está Se referindo à aliança mosaica ou sinaítica estabelecida com Israel depois do êxodo (Êx 19–24). Essa aliança foi feita no monte Sinai (Êx 19:3-8; Hb 12:18-21), ratificada pelo sangue de animais sacrificados (Êx 24:4-8) e renovada por Deus depois do ato de apostasia cometido pelo povo ao adorar o bezerro de ouro (Êx 34:6, 7, 10, 11). Paulo fala sobre essa experiência do Sinai em Hebreus 9:18-20 e o profeta Jeremias também faz o contraste entre a nova aliança e a aliança sinaítica (Jr 31:32). Portanto, a primeira aliança a que Paulo se refere não foi estabelecida com Adão, Noé ou Abraão, mas sim com o povo de Israel no monte Sinai. De maneira clara, Paulo afirmou: “Ora, a primeira aliança também tinha preceitos de culto divino e o Seu santuário terrestre” (Hb 9:1).
Desse modo, no contexto da discussão que Paulo faz sobre as alianças no livro de Hebreus, a primeira aliança tinha duas partes indivisíveis: (a) a parte cerimonial ou cultual, que consistia no sistema de sacrifícios com todos os seus regulamentos e (b) a parte moral ou espiritual, que envolvia as quatro promessas eternas feitas por Deus. Ele havia dado esses quatro elementos para o povo de Israel no monte Sinai (e até mesmo anteriormente, já que se trata de princípios ou promessas de uma vida espiritual harmoniosa) e eles foram reenfatizados pelos profetas: (1) guardar e cultivar a lei de Deus no coração e na mente (Êx 20:2, 6; Dt 6:5-8; 30:11-14; Js 1:6-9; Sl 1; 37:30, 31; Pv 3:4-7; Is 51:7); (2) ter um relacionamento próximo de aliança com Deus (Êx 6:6, 7; Lv 26:12); (3) ter conhecimento concreto sobre Deus (Êx 16:6; 29:46; 33:13) e (4) obter o perdão dos pecados (Êx 20:6; 34:6, 7; Sl 32:1, 2; 51:1-4, 10-12; Is 1:18, 19). O conteúdo da nova aliança não era nenhuma novidade, mas tratava- -se da renovação de um apelo para que a lei de Deus fosse internalizada na mente e no coração do povo, ressaltando assim a continuidade dessa aliança. No Sermão do Monte, Jesus fez exatamente isso ao explicar o verdadeiro significado dos ensinamentos do Antigo Testamento (Mt 5:17-48).
O que estava errado?
Paulo afirma que, “se aquela primeira aliança tivesse sido sem defeito, de maneira alguma estaria sendo buscado lugar para uma segunda aliança” (Hb 8:7). Quando refletimos sobre a primeira ou antiga aliança, muitos cristãos automaticamente supõem que a aliança sinaítica fosse ruim. Contudo, dizer que havia algum “erro” na aliança seria fazer uma interpretação incorreta do texto original grego, que traz a palavra amemptos, que significa “impecável”, “irrepreensível”, “sem defeito”.
Paulo argumenta que na primeira aliança havia uma certa insuficiência, uma deficiência, que faltava alguma coisa (v. 7, 8), mas não diz que ela era ruim. A primeira aliança era boa, porém tinha “fraqueza e inutilidade” (Hb 7:18). Foi caracterizada como “antiquada” (Hb 8:13, aqui o verbo grego palaioein significa “declarar obsoleto”, “tornar velho ou envelhecer”), implicando que a primeira aliança estava se extinguindo, desaparecendo e envelhecendo, portanto, já não era relevante. Mas por quê?
A aliança sinaítica, com todas as suas cerimônias e sacrifícios específicos, era uma ilustração (Hb 9:9; cf. 8:5), uma lição objetiva de como Deus salva as pessoas arrependidas, de como Ele lida com o pecado e de como Ele destrói o mal. Essa demonstração do plano de Deus para a redenção da humanidade incluía ferramentas de ensino que apontavam para Jesus Cristo. A antiga aliança demandava (1) o oferecimento de sacrifícios com derramamento de sangue animal, o que não tinha o poder de perdoar pecados (Hb 9:23; 10:4) e também não trazia a perfeição, nem a limpeza de consciência das pessoas, nem a garantia de salvação (Hb 7:11; 9:9, 10); (2) exigia o serviço de sacerdotes pecadores e mortais que, por consequência, tinham que oferecer sacrifícios constantes por si mesmos e pelo povo (Hb 5:3; 7:23, 27; 9:7); (3) requeria o sacerdócio levítico (Hb 7:5, 9, 11), em contraste com o sacerdócio de acordo com a ordem de Melquisedeque (Hb 6:20; 7:24, 26-28); e (4) demandava regulamentos na adoração e um santuário terrestre (Hb 9:1). Assim, vislumbrou-se a necessidade um santuário superior ao terrestre (Hb 8:1, 2; 9:11, 12), um sacrifício melhor, de um sangue superior (Hb 9:12-15, 23, 25). Surgiu também a necessidade de uma fundamentação mais adequada para as promessas (Hb 8:6) e uma esperança superior foi instaurada (Hb 7:19).
Em outras palavras, não havia nada de errado com a aliança sinaítica em si. A nova aliança era parte da aliança eterna de Deus com o Seu povo (Hb 13:20; cf. Is 55:3; Jr 50:4, 5; Ez 37:26). Foi o próprio Deus quem iniciou e estabeleceu um relacionamento de aliança com eles. Portanto, a culpa também não foi de Deus.
Em vez disso, o problema foi a maneira como o povo recebeu a aliança: “Deus, porém, achou o povo em falta [memphomai, achar falta ou culpar]” (Hb 8:8, NVI). O povo transgrediu a primeira aliança e esse foi um dos motivos pelos quais Deus estabeleceu uma nova aliança (Êx 20:18-20; 32:4-6, 19, 20; Lv 17:7). Eles tratavam a lei de Deus como um mero comando, como algo que deveriam fazer para se tornar santos e justos, em vez de manterem os preceitos divinos por gratidão pela Sua bondade para com eles. O Decálogo se tornou a realização da obra e a dura obediência ao que Deus havia estipulado, não sendo visto como Sua promessa. Então, a lei se tornou um fardo, um dever a ser cumprido, em oposição à uma demonstração da gratidão que tinham pela bondade do Senhor.
A nova aliança
A primeira diferença da nova aliança é a ratificação da aliança por meio da morte de Cristo na cruz. Ele é o fiador dessa aliança (Hb 7:22), pois foi Ele quem garantiu e selou o perdão e a salvação para Seus seguidores, assim como para aqueles que creram na época do Antigo Testamento, como antecipação da cruz (Hb 9:15). A segunda diferença é que o sacrifício de Jesus na cruz cumpriu o sistema sacrifical (Dn 9:27a; Mt 27:51; Jo 1:29; 1Jo 2:2), por conseguinte, os sacrifícios e o derramamento do sangue de animais, o sacerdócio levítico e o santuário terrestre já não eram necessários nem relevantes. A terceira diferença é que somente os elementos cerimoniais e cultuais da primeira aliança é que deixaram de existir: o sacrifício de animais, o sacerdócio levítico e os serviços do santuário terreno. As “ofertas e os sacrifícios oferecidos não podiam dar ao adorador uma consciência perfeitamente limpa” (Hb 9:9, NVI), mas o sangue de Cristo tem o poder de purificar “a nossa consciência de atos que levam à morte” (v. 14; cf. 10:22). A imperfeição dos sacerdotes levíticos é comparada com a vida de obediência e perfeição de Jesus (Hb 2:10; 4:15; 5:8, 9; 7:26). O ciclo perpétuo do sacrifício de animais que era feito pelo povo e pelos sacerdotes foi quebrado. O sacrifício de Cristo é suficiente e traz salvação para aqueles que creem Nele (Hb 7:27; 9:12, 26, 28; 10:10).
Então deve-se observar que há uma diferença entre os rituais externos e o conteúdo interno relacionado à aliança mosaica. A parte cultual e cerimonial da primeira aliança era temporária: os regulamentos, os sacrifícios, os sacerdotes e o santuário terrestre se cumpriram na morte de Jesus, pois Ele cumpriu o sistema sacrifical na cruz (Dn 9:27). Nesse sentido, “Ele cancela a primeira aliança a fim de estabelecer a segunda” (Hb 10:9, NVT; cf. 8:13). Se olharmos por esse prisma, a descontinuação é enfatizada no livro de Hebreus e a aliança é caracterizada como “nova”.
Contudo, em relação ao conteúdo da aliança, não há nada de novo, pois os mesmos quatro princípios ou promessas estão presentes em ambas as alianças. A lei não foi revogada na nova aliança, mas sim internalizada (Mt 5:17-48), do mesmo modo que estava no coração daqueles que acreditavam em Deus no Antigo Testamento (Dt 30:14; Sl 37:30, 31; 40:8; Is 51:7). A lei de Deus é escrita no coração com consentimento amoroso e informado. A obediência perfeita só acontece por meio de Cristo (Hb 2:10, 17; 4:15; 5:9; 10:5, 6) e somente Ele a dá aos que creem (Hb 2:10, 11, 18). Essa perspectiva realça a continuidade dos quatro aspectos fundamentais da aliança sinaítica. O termo “nova” (do hebraico khadash e do grego kainos) deveria ser traduzido como “renovação” nesse contexto bíblico, já que aponta para uma renovação da intenção original da aliança que Deus fez com Seu povo e para a sua continuidade.
A realidade histórica
O novo aspecto da nova aliança não está relacionado ao seu conteúdo, mas sim à eficiência de Cristo e ao que Ele conquistou na cruz, onde a aliança foi ratificada por meio do Seu sacrifício em nosso favor (Hb 9:15), o que O torna fiador da nova aliança (Hb 7:22). Assim, “Ele é o Mediador da nova aliança”, a fim de que todos os que creram Nele em todas as eras da história “recebam a promessa da herança eterna” (Hb 9:15; 12:24). Ele ofereceu a Sua vida como um sacrifício superior que garantiu o perdão dos nossos pecados. O que havia sido feito no Antigo Testamento agora estava garantido (Hb 9:15; cf. Rm 3:22-26; Ef 1:4; Ap 13:18). Jesus morreu de “uma vez por todas” (Hb 7:27), não várias vezes, como acontecia com o sacrifício de animais que não garantiam o perdão. Eles apenas apontavam para o perdão que se tornou disponível por intermédio de Cristo.
Embora já não estejamos sob as obrigações do santuário terrestre, as promessas de Deus são as mesmas nas duas alianças: obter conhecimento pessoal de Deus, experimentar o perdão dos pecados e receber a vida eterna. Antes que Jesus viesse ao mundo para tornar a aliança real, Deus deixou um exemplo do plano da redenção para os israelitas, a fim de que eles compreendessem a terrível natureza do pecado e percebessem a maneira como Deus salva o pecador arrependido (Hb 9:9; cf. 8:5). A nova aliança foi estabelecida sobre um santuário superior, um sacrifício superior, um sacerdócio superior e promessas superiores. No centro da nova aliança está explícita a seguinte declaração: “Eles serão o Meu povo, e Eu serei o Seu Deus” (Jr 32:38, cf. Ap 21:3). A fórmula dessa nova aliança descreve a íntima relação de Deus com Seu povo e convida você a fazer parte dessa aliança de comunhão com Ele, que permanecerá por toda a eternidade.
Jiri Moskala (via Revista Ministério)
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