"Micro-paquera", "contra-dating" e "slow-dating" são algumas das "tendências" para as relações amorosas em 2024, explicam pesquisadores e especialistas no tema, nesta matéria, bem interessante, do UOL. Outra tendência é a de evitar comportamentos de "Ghosting" nas relações, como explica a matéria. Um dos pontos salientados é a resistência na construção gradual dos vínculos, muitas vezes pelo temor de novos impactos à saúde mental, como no caso de quem sofreu "Ghosting" ou outras formas de abuso emocional.
Há uma resistência à entrega de forma progressiva, que leve à construção e permanência dos vínculos, e isso parece ser uma tendência de fato mundial. Precisamos de uma alfabetização para os afetos? Tenho escutado e lido inúmeros depoimentos de vivências afetivas como se fossem "experiências de imersão de 4 dias", sem continuidade e com interrupções abruptas sem qualquer explicação. Mas tenho visto também mais atenção aos padrões tóxicos e busca por relações amorosas sadias - ainda bem!
O que me preocupa é o avanço de nomenclaturas para o que deveria ser natural. Acredito que sim, seja importante estarmos a par dos nomes destes novos padrões, mas será que rotular tudo não acaba por retirar das aproximações sua natureza espontânea e instintiva? Estamos construindo uma enciclopédia de termos que marcam padrões, e até onde isso é de fato benéfico? Sim, chamamos a atenção para o tóxico, para o abusivo, a fim de alertar sobre a característica desses funcionamentos, chamamos atenção para novos padrões funcionais e positivos, nomeando-os também.
Eu me pergunto se tantos nomes, tantos padrões decodificados, tantos alarmes não estão adoecendo ainda mais nossa capacidade relacional. As relações amorosas estão sim em grande parte mais liquidas, mais efêmeras, mas "patologizar" ou rotular tudo, nomeando até mesmo o "flerte sutil", como aponta a matéria, me preocupa. Há muito a compreender sobre os vínculos em sua naturalidade biológica, o papel do cortejamento que tem raiz em nossa biologia, e por aí vai. Será que ao invés de dar nomes a tudo não seria oportuno observarmos os fenômenos humanos por trás dos nomes, sem torna-los termos de um catálogo?
A resistência em firmar e manter um vínculo sólido, apesar dos pesares, é um talento nos dias de hoje. O amor, uma habilidade a ser treinada. Agamia, poliamor, infidelidades e toda sorte de comportamentos de "amor livre" parecem novos nomes para o medo de vincular-se e construir um laço, enfrentando o cotidiano em casal, com suas alegrias e dificuldades. Mais fácil é o "amor" de uma noite, mais facil é passar pela vida sem construir afetos para "não ter nada a perder".
Não há certo e errado nas relações, mas um ponto é essencial: que ambos estejam na mesma página. Que o que valha para um, valha para o outro, que se um deseja que a relação seja aberta, deve avisar ao par e oferecer a possibilidade de que este permaneça ou desista. Em plena era da liberdade, em que as pessoas estão juntas porque escolhem, a responsabilidade afetiva de ser transparente na relação é primordial. Todos adultos, aqui. O Século XXI chegou com tudo, trazendo os padrões líquidos do Zygmunt Bauman na mala de mão. Viagem curta, para qualquer lugar, para qualquer pessoa.
Vamos um dia reaprender a amar, como fenômeno coletivo? Sem entender que amar não é o mesmo que "AMARRAR", mas sim unir. Amar não tem a ver com simbiose, e sim com autonomia, escolha, conhecimento do outro ao longo do tempo, tolerância, parceria, química. Não é tampouco uma poção, que se pode tomar e, "PLIM", vem o amor. Precisa de tempo para se desenvolver, de resiliência e aceitação sem, com isso, submeter-se, subjugar-se. Mostrar os próprios limites no que é essencial para nós. Respeitar o outro e fazer-se Respeitar.
Amar é coisa de gente grande. Grande por dentro, com espaço onde caiba mais um no coração. Aos pequenos de alma, em quem não cabe mais ninguém além de si mesmo lamentemos. Amar, amar de verdade, amplia e enriquece o ser com muitas forças e virtudes. É uma experiência humana única: não há como narrar, apenas como viver.
Mas há o outro lado, cada vez mais prevalente nos consultórios de Psiquiatria e Psicoterapia: a "epidemia" de relações abusivas, de comportamentos de padrão narcisista, de atitudes que buscam invalidar o par amoroso, colocando-o em dúvida sobre a própria sanidade mental (gaslighting). Do "Love bombing" ao descarte, passando pelas triangulações, tratamentos de silêncio, "hoovering" (puxando o parceiro de volta pelo 'gancho' dos arsenais de reconquista), estelionato afetivo, desqualificação, "ghosting", "breadcrumbing", "pocketing" e todo um glossário de novos termos do discurso amoroso, apenas uma palavra faz eco: o desrespeito.
É claro que nenhuma relação vai ser perfeita, crescemos um com o outro, melhoramos como pessoas, aprimoramos a vida a dois. Mas quando o namoro passa a trazer mais sofrimento do que bem-estar, mais desvalia do que percepção de autovalia e de admiração entre o par, está na hora de parar para pensar. A relação está valendo a pena? Traz mais dor do que bons momentos juntos e crescimento individual e do casal? Restringe a autonomia em prol de uma unidade que diminui a liberdade de um dos membros do par? Confunde nas mensagens de amor X desinteresse?
Nem sempre as relações abusivas vêm através da agressão física: muitas vezes, o que toma lugar são os gritos, o silêncio, a desvalorização, as traições, a necessidade de cobrar a atenção que não vem do outro, que, por sua vez, controla a relação com intermitentes afastamentos e aproximações apaixonadas. O grito, a aspereza, o controle excessivo por ciúme, a desqualificação do par, o silêncio como resposta a frustração: todos estes, e muitos outros elementos, são as chamadas "Red flags", sinais para prestar atenção e impor limites de respeito. Não permita que estes comportamentos avancem e se perpetuem: defina o que você aceita e o que você não aceita.
O amor, por mais dificuldades e crises que possa ter ao longo do tempo, é uma oportunidade de crescimento individual e em conjunto, com mais prazer do que dor. Defina o que vale a pena.
Betina Mariante é médica psiquiatra e psicoterapeuta (via facebook)
Segue abaixo alguns textos de Ellen G. White para refletirmos extraídos do livro Carta a Jovens Namorados:
- O verdadeiro amor é um princípio elevado e santo, inteiramente diferente em seu caráter daquele amor que se desperta por um impulso e que subitamente morre quando severamente provado.
- O verdadeiro amor não é uma forte, ardente e impetuosa paixão. Ao contrário, é calmo e profundo em sua natureza. Olha para além das meras exterioridades, sendo atraído pelas qualidades apenas. É sábio e apto a discernir, e sua dedicação é real e permanente.
- É o amor um dom precioso, que recebemos de Jesus. A afeição pura e santa não é sentimento, mas princípio. Os que são movidos pelo amor verdadeiro, não são irrazoáveis nem cegos.
- A brandura, a gentileza, a paciência e a longanimidade, o não se ofender facilmente, o sofrer tudo, esperar tudo, tudo suportar — estes são os frutos dados pela preciosa árvore do amor, árvore de origem celeste. Esta árvore, se nutrida, demonstrar-se-á daquelas que estão sempre verdes. Seus ramos não secarão, não lhe murcharão as folhas. É imortal, eterna, continuamente regada pelos orvalhos celestes.
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