sexta-feira, 14 de junho de 2024

ABORTO = HOMICÍDIO?

Tem deputado por aí mentindo pra você. Estão dizendo que se importam com a vida, mas veja bem. Esse suposto projeto de defesa da existência, o PL 1904, de autoria de um negacionista da ciência, Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) (da bancada evangélica) pode causar a morte de meninas e mulheres.

Isso porque, em vez de garantir que todas tenham o direito ao aborto legal de forma rápida e segura, a proposta vai na via contrária: criminaliza vítimas de estupro e mulheres que correm o risco de morrer ao parir.

Explico: o projeto de lei que está sendo levado a plenário em caráter de urgência (urgência pra quem?) equipara o aborto — hoje legal — acima de 22 semanas ao crime de homicídio.

Trocando em miúdos, poderão ser presas por até 20 anos as mulheres que interromperem a gravidez por um desses três motivos: porque correm risco de morrer; o feto é anencéfalo e inviável fora da barriga; a gestação foi causada por um estupro.

O que pode acontecer, então, se esse projeto for aprovado?

Vou desenhar três situações:

- Na primeira, os médicos avisam à gestante: a partir de agora, sua gravidez é de risco, e você pode morrer no parto. A barriga já passa de 22 semanas, e ela é impedida de fazer o aborto que hoje é seu direito por lei. Ela morre, o bebê nasce e é abandonado.

- Uma mulher é estuprada por um desconhecido, com uma arma na cabeça. Ela engravida. Tenta abortar legalmente antes das 22 semanas, mas não encontra médico que garanta seu direito. Mora em uma cidade pequena, e eles alegam "razões morais" para não atendê-la. Desesperada, já com a gravidez avançada, ela procura um serviço ilegal, e consegue abortar. Tem uma complicação de saúde e acaba sendo denunciada. É condenada e pega pena de prisão de 20 anos. Seu estuprador também é denunciado, mas a pena máxima que pode pegar é metade da dela.

- Uma criança de 11 anos é estuprada por seu próprio pai. Ele a engravida, mas ela só percebe a gestação quando já está avançada. Até conseguir pedir ajuda, o feto passa das 22 semanas. Com medo de ser criminalizado, nenhum médico aceita fazer o aborto. A gestação vai até o fim, e a menina morre no parto. O pai dela fica com o bebê, que também será violentado.

Esses são alguns exemplos do que pode acontecer caso o PL 1904 seja aprovado. Sob o pretexto de "proteger a vida", os deputados que defendem a mudança no Código Penal estão colocando crianças e mulheres sob risco de morrer.

Nesta semana, Arthur Lira, ele mesmo acusado de violência física e estupro por sua ex-companheira, deu mais uma prova de sua preocupação com as mulheres. (UOL)
"O Projeto de Lei que propõe equiparar o aborto legal acima de 22 semanas de gestação ao crime de homicídio é uma imoralidade, uma inversão dos valores civilizatórios mais básicos. É difícil acreditar que sociedade brasileira, com os inúmeros problemas que tem, está neste momento discutindo se uma mulher estuprada e um estuprador têm o mesmo valor para o direito. Ou pior: se um estuprador pode ser considerado menos criminoso que uma mulher estuprada. Isso é um descalabro, um acinte" (Silvio Almeida, Ministro dos Direitos Humanos).
Antes que os conservadores fundamentalistas fanáticos religiosos venham me atacar: Não, eu não sou a favor do aborto. Não, eu não faço apologia ao aborto. Não, eu não desejo que nenhuma mulher precise de tal procedimento. Mas eu não posso impedir a liberdade ou o direito de uma mulher em recorrer a este procedimento por alguma necessidade. Não cabe a mim este tipo de escolha ou julgamento. Minha fé ou meus desejos pessoais não devem violar o direito ou a liberdade de consciência de alguém. Minhas convicções religiosas não devem se sobrepor ao Estado Democrático de Direito. O país é laico.

Quando a gente encara uma realidade onde há uma proposta de que o aborto tem uma pena maior do que o homicídio, a gente deixa claro a ausência de valores e a ausência de respeito aos direitos, aos corpos e à autodeterminação de todas as mulheres, deixando claro que se valoriza o nascimento e não a vida. Mas eis a reflexão: será que esses deputados da bancada evangélica tão preocupados com o feto, se importam quando eles, de fato, nascem? E quanto a vida das crianças e mulheres?

Abaixo, o posicionamento mais coerente que a Igreja Adventista do Sétimo Dia já teve sobre o tema, diante da cosmovisão religiosa da mesma:

"A igreja não deve servir como consciência para os indivíduos; contudo, ela deve oferecer orientação moral. O aborto por motivo de controle natalício, escolha do sexo ou conveniência não é aprovado pela igreja. Contudo, as mulheres, às vezes, podem se deparar com circunstâncias excepcionais que apresentam graves dilemas morais ou médicos, como: ameaça significativa à vida da mulher gestante, sérios riscos à sua saúde, defeitos congênitos graves cuidadosamente diagnosticados no feto e gravidez resultante de estupro ou incesto. A decisão final quanto a interromper ou não a gravidez deve ser feita pela mulher grávida após e devido aconselhamento. Ela deve ser auxiliada em sua decisão por meio de informação precisa, princípios bíblicos e a orientação do Espírito Santo. Por outro lado, essa decisão é mais bem tomada dentro de um contexto saudável de relacionamento familiar." (Comissão Executiva da Associação Geral em 12 de outubro de 1992, durante o Concílio Anual realizado em Silver Spring, Maryland, EUA).

A vida é sagrada, maravilhosa e frágil. Por vir de Deus, está acima das convenções culturais. Por isso, deve ser tratada com o maior cuidado. Se for inevitável, o aborto deveria ser legal, rápido e seguro.

Ilustração: @desenhosdonando

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