quarta-feira, 24 de julho de 2024

A CORRIDA DA FÉ

A cada quatro anos, atletas de diversas nacionalidades se reúnem num país previamente escolhido para disputar um conjunto de modalidades esportivas nos famosos Jogos Olímpicos. A bandeira olímpica representa a união de povos e raças, pois é formada por cinco anéis entrelaçados que indicam os cinco continentes e suas cores.

Os gregos foram os precursores dos Jogos Olímpicos. Por volta de 2500 a.C. já faziam homenagens aos deuses. Mas foi somente em 776 a.C. que ocorreram pela primeira vez os Jogos Olímpicos de forma organizada.

Quando os romanos invadiram a Grécia no século II, muitas tradições gregas, entre elas as Olimpíadas, foram deixadas de lado. Em 392 d.C., os Jogos Olímpicos e todas as manifestações religiosas do politeísmo grego foram proibidos pelo imperador romano Teodósio I, após sua conversão ao cristianismo. Contudo, em 1896, os Jogos Olímpicos foram retomados em Atenas, por iniciativa do francês Pierre de Fredy, conhecido com o barão de Coubertin (veja mais aqui).

Desde então, esse evento multiesportivo ganhou força, chamando a atenção do mundo. Tendo como palco a cidade de Paris, a 33ª Olimpíada contará com 10.500 atletas de cerca de 206 países, disputando 28 esportes diferentes entre os dias 26 de julho a 11 de agosto, com um número igual de atletas masculinos e femininos, totalizando 5.250 de cada sexo.

Metáfora do mundo esportivo

Assim como existia a modalidade das corridas nos jogos olímpicos da antiguidade, o apóstolo Paulo apresenta em Hebreus 12:1 a corrida que todo cristão deve percorrer:  “Portanto, também nós, visto que temos a rodear-nos tão grande nuvem de testemunhas, desembaraçando-nos de todo peso e do pecado que tenazmente nos assedia, corramos, com perseverança, a carreira que nos está proposta”.

Segundo o Comentário Bíblico Adventista (p. 522, v. 7), a palavra portanto, “constitui a conclusão que o escritor faz do capítulo 11” de Hebreus, em que discorreu sobre as lutas e vitórias dos heróis da fé do Antigo Testamento e a respeito de como esses campeões venceram essa maratona.

Nessa corrida espiritual, não existem atalhos e muitos são os obstáculos, mas Deus oferece um importante meio para avançarmos rumo à vitória com perseverança.

O que podemos aprender dessa tão importante corrida?

  1. Ter uma meta

dicionário da língua portuguesa Michaelis define meta como “fim a que se dirigem as ações ou os pensamentos de alguém”. O apóstolo Paulo ensinou claramente qual era a meta prioritária de sua vida: “Assim corro também eu, não sem meta…” (1Co 9:26). Anteriormente, “ao escrever as palavras do versículo 24, sem dúvida o apóstolo se recordou dos jogos Ístmicos realizados não muito longe de Corinto. Os cristãos coríntios estavam familiarizados com essas competições esportivas. Paulo os fez lembrar que, apesar de muitos correrem no estádio, nem todos recebem o prêmio. A vida cristã é como uma corrida. Exige autodisciplina, esforço intenso e determinação quanto ao seu propósito” (Comentário Bíblico Popular – Antigo e Novo Testamento, 2011, p. 504).

Na posição de corredor, Paulo tinha um alvo bem definido, uma vitória a conquistar. Ele sabia para onde estava indo e correu com plena segurança, esforçando-se para alcançar o objetivo final: receber a coroa da justiça. Não apresentou dúvidas quanto à sua vitória. Ele sabia que a fé em Jesus o faria mais do que vencedor. Foi por isso  que, prestes a completar sua jornada, demonstrou essa certeza dizendo: Combati o bom combate, completei a carreira, guardei a fé. Já agora a coroa da justiça me está guardada, a qual o Senhor, reto Juiz, me dará naquele dia; e não somente a mim, mas também a todos quantos amam a sua vinda” (2Tm 4:7-8).

A palavra carreira  nesse verso, vem do grego dromos, que tem que ver com a “pista de corrida” em que era efetuada a competição (O Novo Testamento Interpretado Versículo por Versículo, 2002, p. 402). O intento de Paulo era dizer que havia completado a corrida da fé. Que nobre exemplo a ser seguido!

  1. Inspiração

Em seu capítulo do livro A luz de Hebreus: Intercessão, Expiação e Juízo no Santuário Celestial, 2013, p. 24), William G. Johnsson afirmou: “Hebreus é mais um sermão cuidadosamente elaborado e bem argumentado que propriamente uma epístola. Uma ‘palavra de exortação’ (13:22) é a descrição que o próprio autor apostólico dá a essa obra. O livro faz um apelo aos judeus do primeiro século, cujas energias espirituais estavam enfraquecidas e que questionavam o valor de sua fé, em vista da religião judaica outrora praticada, para a qual pareciam estar sendo atraídos a voltarem”.

Por renunciarem ao judaísmo, enfrentavam oposição implacável. Nesse contexto, esse grupo de conversos poderia desanimar, fracassar na fé e até mesmo retornar às suas antigas tradições. A fim de motivá-los, Deus mostrou que seu sofrimento não era único e excepcional, mas que, assim como outros no passado que sofreram e obtiveram a vitória, todos nós podemos vencer. Essa motivação, que chamo de “inspiração”, está expressa em Hebreus 12:1: “…visto que temos a rodear-nos tão grande nuvem de testemunhas…”.

Nesse relato, as testemunhas são os heróis da fé mencionados em Hebreus 11. “A grande nuvem de testemunhas não significa que sejam espectadores do que acontece na Terra. Antes, nos dão testemunho pela vida de fé e perseverança que levaram, e estabeleceram um alto padrão para imitarmos” (O Novo Testamento Interpretado Versículo por Versículo, 2002, p. 865). Pela lealdade, “deram testemunho das possibilidades da vida da fé” (La epístola a los hebreus, 1987, p. 349).

Convém ressaltar que o escritor sagrado não estava dizendo que os espíritos dos heróis da fé estariam conosco para nos ajudar na corrida cristã. Mas que o legado deixado através do testemunho nos inspiraria em nossa corrida.

As testemunhas são “pessoas que alcançaram êxito, por isso nós também poderemos ter êxito” (Comentário Bíblico Beacon, v. 10, 2006, p. 114). Foram homens e mulheres pecadores, mas que, dotados da verdadeira fé em Jesus, foram mais que vencedores pela justiça de Cristo, testemunhando que a todos é imperioso vencer.

O que podemos aprender com o testemunho de cada um deles?

  • Abel: Obteve testemunho de ser justo quando ofereceu a Deus maior sacrifício do que o de Caim (Hb 11:4).
  • Enoque: Obteve o testemunho de agradar ao Senhor e foi trasladado (Hb 11:5).
  • Noé: Obteve o testemunho de ser temente a Deus ao construir a arca e salvar sua família (Hb 11:7).
  • Abraão: Obteve o testemunho da obediência, ao ir para um lugar que devia receber por herança (Hb 11:8).
  • Sara: Obteve o testemunho de ter por fiel Aquele que lhe daria a virtude de conceber, mesmo fora de idade (Hb 11:11).
  • Isaque: Obteve o testemunho de abençoar Jacó e Esaú no tocante às coisas futuras (Hb 11:20).
  • Jacó: Obteve o testemunho de abençoar cada um dos filhos de José (Hb 11:21).
  • José: Obteve o testemunho de dizer a maneira com a qual Deus conduziu o Êxodo de Israel (Hb 11:22).
  • Moisés: Obteve o testemunho de recusar ser chamado filho da filha de Faraó, preferindo ser maltratado com o povo de Deus, abandonando o Egito e suas riquezas para libertar os israelitas da escravidão (Hb 11:24).
  • Raabe: Obteve o testemunho de não perecer com os incrédulos, acolhendo em paz os espias (Hb 11:31).

Possuir uma meta bem definida e identificar os passos que proporcionaram a vitória aos heróis da fé de Hebreus 11, é imprescindível para a obter a vitória em nossa corrida cristã. Porém, mais importante que iniciar a corrida é terminá-la. Para isso, é importante vencer os obstáculos que permearão o percurso.

  1. Transpor os obstáculos

Imagine um corredor em busca da vitória, mas com vários apetrechos pesados amarrados em seu corpo. O cansaço seria inevitável, impedindo-o de cruzar a linha de chegada.

Na corrida cristã, todo embaraço ou peso desnecessário precisa ser eliminado para que nada interfira na vitória. O capítulo 12 de Hebreus recomenda: “…desembaraçando-nos de todo peso…” (v. 1).

A palavra “peso”, vem do grego ogkos, e sugere aquilo que serve para impedir que alguém faça algo (Léxico Grego-Português do Novo Testamento, 2015, p. 149). Claramente nesse caso, o termo usado pelo autor denota a ideia de um empecilho, obstáculo. São as dificuldades desnecessárias que vão diminuir nosso ânimo, independentemente de quão inocentes possam ser. Devem ser “despidas” da mesma forma que o corredor elimina as roupas supérfluas para não interferir em sua performance e na conquista do seu objetivo final.

Há uma estória interessante de um homem que caminhava vacilante pela estrada, levando uma pedra numa mão e um tijolo na outra. Nas costas carregava um saco de terra. Em volta do peito trazia vinhas penduradas. Sobre a cabeça equilibrava uma abóbora pesada. No caminho, encontrou um passante que lhe perguntou:

– Viajante, por que carrega essa pedra tão grande?

– É estranho, respondeu o viajante, mas eu nunca notei que a carregava. Então, ele jogou a pedra fora e se sentiu muito melhor. Em seguida veio outro transeunte que lhe perguntou:

– Diga-me, cansado viajante, por que carrega essa abóbora tão pesada?

– Estou contente que me tenha feito essa pergunta, disse o viajante, porque eu não tinha percebido o que estava fazendo comigo mesmo. Então ele jogou fora a abóbora e continuou seu caminho com passos muito mais leves. Um por um, os transeuntes foram avisando-o a respeito de suas cargas desnecessárias. E ele foi abandonando uma a uma. Por fim, tornou-se um homem livre e caminhou como tal.

Qual era, na verdade, o problema dele? A pedra, a abóbora e os demais objetos? Não! Era a falta de consciência do peso desnecessário.

O texto ensina ao leitor a tarefa importante de descobrir o que pode impedir seu progresso na corrida do cristão. Os pesos desnecessários “podem não ser necessariamente atos pecaminosos, mas podem ser coisas que nos retêm, como o uso do tempo, algumas formas de diversão, ou determinados relacionamentos” (Comentário do Novo Testamento – Aplicação Pessoal, 2009, p. 636).

Vale ressaltar que “os interesses próprios servem de grande carga; e logo se transmutam em pecado, se permitirmos que o egoísmo nos domine. Um intenso treinamento espiritual nos leva a reconhecer os ‘pesos’ e a nos desvencilharmos deles, tal qual o exercício diligente, na vida física, alivia o corpo do excesso do peso” (O Novo Testamento Interpretado, 2002, p. 640).

Hebreus 12 apresenta outro obstáculo na corrida do cristão:  “…e do pecado que tenazmente nos assedia…” (v. 1).

O termo grego para “tenazmente” é euperistatos, uma palavra rara. Com base em sua etimologia, sugere ser algo que se apega de perto (ibid). Num sentido mais amplo, pode ser algo que pode agarrar fortemente. Por mais dolorosa que seja a separação do pecado ao qual estamos agarrados, é preciso o desvencilhamento desse obstáculo para não impedir aquele que corre, de alcançar a meta final.

Porém, “o manuscrito grego mais antigo de Hebreus que possuímos traz uma palavra diferente, eurispastos, que significa ‘distrair-se facilmente’” (La epístola a los hebreus, 1987, p. 1455). Se esse for o termo correto (original), provavelmente o autor se referisse ao fato de que o corredor não poderia desviar do alvo os olhos. Segundo Hebreus 12:2, os corredores devem olhar para Jesus, o Autor e Consumador da fé.

  1. Perseverança

“…corramos, com perseverança, a carreira que nos está proposta…” (Hb 12:1).

A palavra perseverança tem um significado muito especial. Vem do grego hipomone, que significa a capacidade de continuar a suportar sob circunstâncias difíceis (Comentário Bíblico NVI, 2012, p. 1455). Outros sinônimos são derivados: paciência, resistência, fortaleza, firmeza, constância.

Ao longo de sua atribulada existência, Abraão Lincoln enfrentou com frequência o ímpeto dos ventos contrários, porém jamais fundeou a âncora. Em 1832, ele perdeu o emprego. No ano seguinte, fracassou nos negócios. Em 1835 faleceu sua noiva. Em 1836, sofreu de aguda crise nervosa. Em 1838, foi derrotado em suas aspirações para alcançar a presidência da legislatura de Illinois. Em 1843, sofreu outra derrota como candidato ao Congresso Nacional. Em 1846 foi, afinal, eleito deputado federal. Em 1848 perdeu a reeleição. Em 1854 foi derrotado quando disputou a representação de seu Estado no senado da República. Em 1856 sofreu outra derrota, quando disputava a vice-presidência da República. Em 1858 foi outra vez vencido em sua campanha para o Senado. Porém, afinal, em 1860 foi eleito presidente do país. Lincoln nunca se deixou abater diante da derrota. Mas seu nome jamais seria conhecido pelo mundo se ele não houvesse perseverado (Ilustrações Selecionadas para Sermões, 2004, p. 129).

No âmbito espiritual, a carreira que nos está proposta abrange a vida toda. É uma experiência ao longo da vida. Se os homens lutam com tanta perseverança para conquistar uma carreira terrena e temporal, o que dizer de nós, cristãos, que deveríamos perseverar com paciência para completar a carreira da fé e receber a tão sonhada recompensa?

Quando a rainha Vitória era criança, ela não sabia que estava na linha de sucessão do trono da Inglaterra.  Seus professores, tentando preparar a criança para sua futura função, não conseguiram motivá-la. Ela não levava os estudos a sério. Finalmente, os professores decidiram dizer que um dia ela se tornaria a rainha da Inglaterra. Quando ouviu isso, Vitória disse: ‘Então eu vou ser boazinha’. A noção de que havia herdado uma elevada função lhe deu um senso  de responsabilidade que afetou profundamente sua conduta” (Lição da Escola Sabatina: O livro de Hebreus, 3º trim, 2003, p. 135).

Na corrida do cristão, Cristo nos oferece a elevada oportunidade de ser vencedores. A promessa ao vencedor é nada mais nada menos do que o Céu.  Se essas verdades maravilhosas não nos motivarem para viver uma vida digna dessa alta vocação, o que mais o fará?

“Como competidores numa corrida, devemos olhar para o exemplo deles (nuvem de testemunhas, grifo nosso) para encorajamento. Devemos nos desembaraçar de todo peso – de toda associação ou atividade que nos ponham em desvantagem – e do pecado que tenazmente nos assedia… Senão, corremos o risco de perder o prêmio, que é o presente generoso de Deus da vida eterna para todos os que terminam a corrida” (Comentário Bíblico Vida Nova, 2009, p. 2024).

Fábio Santos (via Revista Adventista)

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