terça-feira, 1 de outubro de 2024

AUTOSSABOTAGEM NO TANQUE DE BETESDA

“Já enfrentei muitas dificuldades na minha vida. A maioria delas nunca existiu" (Mark Twain).

Em 1916, Freud escreveu um artigo de grande repercussão no mundo científico intitulado: “Os que Fracassam ao Triunfar”. Ele tratava de pessoas que possuíam medo de ter satisfação e, por isso, sentiam-se aliviadas quando o que estavam fazendo, ou intentavam fazer, não dava certo.

Com o avanço da psicologia, a patologia pôde ser cada vez mais estudada e, em 1978, surgiu à designação “autossabotagem”, estabelecida pelos psicólogos Steven Berglas e Edward Jones, os quais haviam feito pesquisas neste campo com comprovado resultado científico.

De forma simplista, quem sabota a si mesmo não consegue usufruir das dinâmicas da vida que geram alegria e prazer porque, cada vez que elas surgem na existência, vêm associadas a um profundo conflito com as crenças primordiais do sujeito. Em síntese, é como se alguém tivesse tudo para ser feliz e, de alguma forma, conseguisse arrumar um jeito para fugir da felicidade. É o famoso “medo de ser feliz”. Mas, como já citava Dostoievski, “a maior felicidade é saber por que se é infeliz”.

Do ponto de vista clínico, a psicopatologia é tão grave que pode provocar obesidade, depressão, cardiopatias, transtornos de ansiedade, pensamentos suicidas, diabetes e, em casos mais graves, até a automutilação, que é quando a pessoa cria flagelos físicos em si mesma para se punir.

Apesar de parecer algo bizarro – não esqueçamos que se trata de uma doença – quem se auto-boicota sente prazer pelo desprazer, ou seja, quanto mais a vida se torna difícil, através de situações adversas e portadoras de sofrimento, tanto mais a pessoa se satisfaz, chega a ter prazer em ser maltratada ou sentir dor. É uma reação provocada pelo inconsciente que faz com que o sujeito sinta atração por tudo o que produz destrutividade, um comportamento ativado por uma forte negatividade e um complexo de inferioridade crônico.

Como bem citou Kelly Young “O problema não é o problema – o problema é a atitude com relação ao problema”. A grande maioria dos “dramas” da alma humana, como a autossabotagem, tem cura, mas exige determinação e, particularmente neste caso, uma mudança significativa em hábitos e atitudes.

Nas Escrituras nós encontramos um caso que, ao meu ver, aplica-se ao que estamos falando. Trata-se do paralítico do tanque de Betesda, descrito no capítulo 5 do Evangelho de João. Sua atitude de autossabotagem fica muito clara quando Jesus lhe pergunta: “queres ser curado?”, e ele responde: “Senhor, não tenho quem me coloque no tanque”. Era o paradoxo de quem desejava a cura e, ao mesmo tempo, tinha medo dela. A pergunta de Jesus era objetiva, a resposta do paralítico subjetiva. A questão é que já havia se instalado em sua alma, pelas dores e pelo tempo, os mecanismos inconscientes de autossabotagem.

Ellen White comenta: "Nasceu-lhe no coração a esperança. Sentiu que, de alguma maneira, lhe viria auxílio. Mas logo se dissipou o clarão dessa esperança. Lembrou-se de quantas vezes tentara chegar ao poço, e tinha agora pouca probabilidade de viver até que ele fosse novamente agitado" (A Ciência do Bom Viver, p. 83).

Quando Jesus encontrou-se com aquele homem, que se arrastava por aquela casa de agonia havia 38 anos, Ele “scaneou” sua alma, discerniu todas as suas desconformidades e doenças. Sua paralisia já se projetara do físico para o emocional, por isso, duas coisas eram necessárias ser feitas: 1- Jesus precisou quebrar o “padrão de pensamento” daquele moribundo – “levanta-te, toma a tua cama e anda”; 2- com a mudança instantânea das crenças subjacentes que haviam se acumulado em sua alma, ele finalmente liberou a fé necessária para ser curado.

Ellen White escreve: "Jesus ordena-lhe: 'Levanta-te, toma a tua cama e anda' (João 5:8). Renovada a esperança, o enfermo olha para Jesus. A expressão de Seu semblante e o tom da voz são diferentes de tudo o mais que vira antes. Sua própria presença parece irradiar amor e poder. A fé do paralítico apega-se à palavra de Cristo. Sem replicar, dirige sua vontade no sentido da obediência e, assim fazendo, todo o seu corpo corresponde. Cada nervo, cada músculo, vibra com uma nova vida, e sadia ação vem aos membros paralisados. Num salto, ei-lo de pé e põe-se a caminho com passo firme e desenvolto, louvando a Deus, e regozijando-se no vigor que acabava de receber" (A Ciência do Bom Viver, p. 84).

Continua Ellen White: "Jesus não dera nenhuma certeza de auxílio divino a ele. O homem poderia ter parado para duvidar, perdendo sua única chance de ser curado. No entanto, ele acreditou na palavra de Cristo e, agindo de acordo com ela, recebeu força. Por meio da mesma fé, podemos receber a cura espiritual. Cristo pode libertar você, não importa o mal que esteja aprisionando sua alma e seu corpo" (O Libertador, p. 113).

Os psicoterapeutas são unânimes em afirmar que o processo de cura para este tipo de doença emocional passa, irremediavelmente, pela tomada de consciência de que, não só estamos nos autossabotando, como também dos danos que tais atitudes demandarão. Eles descrevem que, quando o paciente descobre os “padrões” que estão embutidos nestes “mecanismos intra-subjetivos”, torna-se possível reformular a matriz cognitiva de valores e crenças que desencadeia as atitudes destruidoras. 

Como bem afirmou Albert Schweitzer: “A maior descoberta de uma geração é que os seres humanos podem mudar sua vida modificando seus pensamentos”, ou, como disse o apóstolo Paulo, numa outra “versão”, “transformai-vos pela renovação da vossa mente”. Ellen White aconselha: "Ninguém senão vós mesmos podereis dominar vossos pensamentos. Na luta para alcançar a mais elevada norma, o êxito ou o fracasso depende muito do caráter, e da maneira por que são disciplinados os pensamentos. Caso estes estejam bem cingidos, como Deus determina que o sejam dia a dia, estarão nos temas que nos ajudarão no sentido de maior devotamento. Se os pensamentos são justos, então, em resultado, as palavras o serão também; as ações serão de natureza a trazerem alegria e conforto e serenidade a outrem" (Mente, Caráter e Personalidade 1, p. 655).

Nossa única regra de prática e fé são as Escrituras, e elas afirmam que é o arrependimento - mudança no pensamento seguida de mudança de comportamento - produzido pelo Espírito Santo, que nos conduz a convicção de pecado e a necessidade de nos reconciliarmos com Deus. Ellen White observa: "O arrependimento compreende tristeza pelo pecado e afastamento do mesmo. Não renunciaremos ao pecado enquanto não reconhecermos a sua malignidade; enquanto dele não nos afastarmos sinceramente, não haverá em nós uma mudança real da vida" (Caminho a Cristo, p. 23). E ela continua: "Pelo pecado, fomos separados da vida de Deus. Nossa alma acha-se paralítica. Não somos, por nós mesmos, mais capazes de viver uma vida santa do que o impotente homem era capaz de andar. Muitos compreendem sua impotência; anelam aquela vida espiritual que lhes trará harmonia com Deus, e estão-se esforçando por obtê-la" (A Ciência do Bom Viver, p. 84).

Independentemente de quanto tempo e esforço tenhamos investido buscando respostas em outros lugares, a solução muitas vezes está ao nosso alcance na forma do nosso amável Salvador. Considere e leve a sério a resposta de Deus a todos os tipos de doenças incapacitantes: "Não espere sentir que está curado. Creia na Palavra Dele, e ela será cumprida. Seja qual for a prática pecaminosa, o desejo dominador que, pela longa transigência, aprisiona mente e corpo, Cristo é capaz de libertar, e anseia fazê-lo" (O Desejado de Todas as Nações, p. 152).

Deixo como ponto de reflexão final a frase de Ellen White: "Nunca te esqueças de que os pensamentos motivam ações. Atos repetidos formam hábitos, e hábitos formam o caráter, e pelo caráter é decidido nosso destino para este tempo e para a eternidade" (Olhando para o Alto, p. 88).

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