terça-feira, 22 de abril de 2025

A BELA E A FERA

Charles Dickens iniciou seu romance histórico A Tale of Two Cities (Um conto de duas cidades, original de 1859) com uma frase classificada entre as melhores aberturas de obras literárias: “Foi o melhor dos tempos, foi o pior dos tempos, foi a idade da sabedoria, foi a idade da tolice, foi a época da fé, foi a época da incredulidade, foi a estação da luz, foi a estação das trevas, foi a primavera da esperança, foi o inverno do desespero, tínhamos tudo diante de nós, tínhamos nada diante de nós.”

O Apocalipse também apresenta uma narrativa de duas cidades, mas não Londres e Paris, e sim Babilônia e a Nova Jerusalém. A cidade de Deus e a cidade dos homens ou a metrópole do Cordeiro e a capital do dragão expressam realidades opostas. E a perspectiva do pior e do melhor dos tempos vai marcando nosso cotidiano, com o destino dessas cidades sendo cada vez mais delineado no horizonte da história.

Ocorre que, no meio do relato a respeito da cidade babilônica, surgem personagens estranhos, que têm povoado a imaginação dos leitores e desafiado os neurônios dos estudiosos. “João fica grandemente maravilhado pela meretriz, mas é a besta que lhe é explicada. Talvez o ponto seja: para entender a meretriz, observe a besta”, sugeriu John R. Yeatts (Revelation [Herald Press, 2003], p. 312). Ou, eu diria, para entender a besta, observe a meretriz. Afinal, quem é a besta escarlate de sete cabeças e dez chifres? Por que ela carrega uma mulher sedutora? Será possível avançar na busca de consenso? Vamos ao estudo desse tema polêmico, que voltou a ser discutido e precisa de alguns ajustes.

O CONTEXTO

“Um dos sete anjos que tinham as sete taças veio e falou comigo”, relata João de início (Ap 17:1). Mas qual taça? Bíblia de Estudo Andrews (CPB, 2015, p. 1671) sugere ser o anjo da sexta taça (Ap 16:12), pois ele fala do secamento do rio Eufrates, enquanto o ser angélico de Apocalipse 17 anuncia que a mulher está assentada sobre muitas águas (17:1b, 15). Por outro lado, quando o sétimo anjo derrama sua taça, há um forte terremoto e a grande cidade se divide em três partes. Então Deus Se lembra de Babilônia (16:17-21), um julgamento que está no centro dos capítulos 17 e 18. Portanto, pode ser o anjo da sexta ou o da sétima praga. O fato é que a visão retrata eventos que culminam as séries de sete.

Esse anjo passa a descrever a mulher e a besta, comparando a mulher a uma “prostituta” (17:1b), metáfora comum para indicar idolatria. Depois de misteriosas descrições e digressões, a prostituta é identificada: “A mulher que você viu é a grande cidade que domina sobre os reis da terra” (17:18). Se esse é o caso, por que ele simplesmente não afirmou o óbvio? Por que empregar dois símbolos para depois unificá-los? Nuances apocalípticas. Assim como a noiva de Cristo é uma mulher pura e também uma cidade (a Nova Jerusalém), a amante de Satanás também apresenta duas dimensões. Uma cidade não tem finalidade se não tiver população. Por isso, o duplo simbolismo enriquece a descrição e acrescenta camadas de significados. A mulher imoral de Apocalipse 17, com base em Ezequiel 16, entre outros textos, está em contraste intencional com a mulher pura de Apocalipse 12 e 19.

Alguns defendem que “Babilônia” é a Babilônia literal, outros dizem que se trata de um código para Jerusalém, enquanto outros ainda aplicam o nome a Roma. Mas as coisas são mais complexas. A Babilônia de Apocalipse é claramente simbólica. Ela começa com Roma, porém transcende Roma. É uma instituição apostatada, um aglomerado de religiões falsas, uma entidade escatológica que se opõe ao povo de Deus no fim dos tempos, conceito entrelaçado com o tema do grande conflito. Babel no início, Babilônia no meio, Babilônia mística no fim. “‘Babilônia’ no Apocalipse é mais bem entendida como uma entidade que transcende a situação histórica específica, seja a antiga Babilônia ou a Roma imperial”, afirma Sigve K. Tonstad (Revelation [Baker Academic [2019], p. 243). Roma seguiu o padrão de Babilônia, que prefigura a Babilônia final.

Babilônia é uma ideologia do mal, o ponto de encontro dos falsos deuses, o parque de diversão dos anjos das trevas, o bordel dos idólatras, o espaço em que os poderes do mal, entre bebidas intoxicantes, tramam a destruição dos servos de Deus. Mais do que o caos religioso, é a globalização do mal. Rival de Jerusalém, é a capital do reino de Satanás, uma entidade que mistura falsos ensinos, engano, manipulação, blasfêmia, exploração, opressão e derramamento de sangue. Porém, a cidade tem face e identidade. A tradição protestante identificou Babilônia com o papado, enquanto o adventismo seguiu essa interpretação e reconheceu uma esfera mais ampla.

Ao falar de Babilônia, o anjo de Apocalipse 17 introduz três dificuldades principais, que serão discutidas: quem é a besta de sete cabeças que carrega a meretriz, quem é o oitavo rei e qual é a referência temporal da visão (ou seja, João descreve os eventos de Apocalipse 17 da perspectiva do 1º século ou de um tempo futuro?).

AS PROPOSTAS

Há várias interpretações para a besta escarlate de sete cabeças. Mencionarei aqui as principais.

1. As cabeças da besta representam figuras imperiais/reais. Para muitos intérpretes preteristas, Jerusalém é a mulher/prostituta de Apocalipse 17. “Estou convencido além de qualquer dúvida de que esta meretriz é a Jerusalém do 1º século”, afirmou Kenneth L. Gentry (He Shall Have Dominion2ª ed. [Tyler, TX: Institute for Christian Economics, 1997], p. 392). Assim, a besta seria Roma, que destruiu Jerusalém no ano 70. Desde a antiguidade, Roma era amplamente considerada a “cidade das sete colinas” (Cícero, Cartas a Ático 6.5; Plínio, História Natural 3.9.11; Estrabão, Geografia 5.3.7). Portanto, esses teólogos colocam o foco na Roma imperial e identificam as cabeças com imperadores romanos do 1º século. O mito de “Nero redivivo” ocupa um papel central no argumento, que não tem base bíblica e já foi amplamente contestado. Entre os futuristas, alguns veem a besta como o Império Romano revivido. Contudo, eles não conseguem articular quem seriam os dez “reis”, pois estão no futuro.

No meio adventista, desde que o Tratado de Latrão foi assinado e ratificado em 1929, reconhecendo a Cidade do Vaticano como estado independente sob a soberania da Santa Sé, alguns intérpretes populares têm especulado sobre a identificação dos papas (monarcas/reis) com as sete cabeças. A partir de 1929, diz a teoria, surgiriam sete pontífices. Quando o papa João Paulo II morreu, em 2005, as especulações explodiram. Com a eleição de Bento XVI, o fim estava próximo de novo, uma vez que ele seria o sétimo desde 1929. Com sua renúncia em 2013, os propagadores da teoria readequaram o discurso, dizendo que Bento XVI é o papa que durou “pouco tempo” (oito anos), cumprindo Apocalipse 17:10, se bem que João XXIII durou menos tempo (quatro anos) e João Paulo I ainda menos (33 dias). Francisco seria o oitavo, funcionando como uma extensão do sétimo.

Essa posição é descartada por virtualmente a totalidade dos eruditos e teólogos adventistas atuais, até porque ela não é historicista o suficiente, além de ser uma forma disfarçada de marcar uma data para a volta de Jesus. Um dos argumentos contrários é que a palavra oros em Apocalipse 17:9 significa “montanha”, “monte”, e não mera “colina”. Assim, João estava falando de impérios, e não de Roma e seus líderes. A própria expressão “cinco caíram” (17:10) combina mais com reinos sequenciais do que com montes. Como explicar que as colinas de Roma caíram uma após a outra? Na Bíblia, “montes” representam reinos/impérios (Jr 51:24, 25; Dn 2:34, 35, 44, 45), e não governantes individuais. João não se limita à geografia; ele apresenta escatologia.

2. A besta de Apocalipse 17 é a besta da terra. Tradicionalmente, os adventistas têm interpretado a segunda besta de Apocalipse 13 como os Estados Unidos. Que essa fera terá um papel importante no fim dos tempos, o Apocalipse deixa claro. Porém, seria ela a besta escarlate de Apocalipse 17? Essa é a visão defendida, entre outros, por Vanderlei Dorneles, que tratou do assunto em artigos e no livro Pelo Sangue do Cordeiro (CPB, 2015). “Se a crise final é desencadeada pelo surgimento da besta de dois chifres em Apocalipse 13, esse poder precisava necessariamente estar representado no cenário da crise final, descrito em Apocalipse 17”, ele pondera (p. 112). Essa besta seria também o oitavo rei. “Uma vez que os Estados Unidos não são representados em Apocalipse 13 como uma das sete cabeças da besta principal, mas como uma besta a mais, é também natural que, em Apocalipse 17, esse poder fosse representado como um oitavo, ou um rei acrescentado na sequência dos sete impérios anteriores” (p. 105).

A sugestão é bem-vinda para enriquecer o debate, mas tem fragilidades. Primeiro, as duas bestas possuem quantidades diferentes de chifres. A estrutura do simbolismo de poder da besta de Apocalipse 17 (sete cabeças e dez chifres) segue o padrão da primeira besta de Apocalipse 13, inspirada nas bestas de Daniel 7. Isso não se aplica à besta de dois chifres de Apocalipse 13. Na verdade, Daniel deixa claro que existem apenas quatro impérios globais na sequência profética, os quais se situam na região do Mediterrâneo e estão em relação direta com o povo de Deus. Roma é o último deles. Segundo, em nenhum lugar de Apocalipse 17 (ou mesmo 13) é sugerido que a besta da terra terá esse protagonismo todo no fim. Ela é o poder político-religioso que cria a imagem da besta do mar e exige a adoração a ela. Terceiro, a besta da terra é representada no complexo literário de Apocalipse 16–19 como o “falso profeta”. Em Apocalipse 16:12-14, aparecem três entidades distintas: o dragão, a besta e o falso profeta. Ao comparar Apocalipse 19:20 com Apocalipse 13:11-15, fica claro que a besta da terra e o falso profeta são a mesma entidade. Por fim, as bestas do mar e da terra (uma sob o simbolismo da besta escarlate e a outra sob o nome de falso profeta) têm o mesmo destino, sendo lançadas simultaneamente no lago de fogo (19:20b). Portanto, é muito pequena a chance de João ter identificado a besta de dois chifres (os Estados Unidos) com a besta escarlate e o oitavo rei em Apocalipse 17.

3. A besta de Apocalipse 17 é a besta do mar. A besta do mar em Apocalipse 13, uma fera composta com traços de leão, urso e leopardo (13:2), é modelada a partir dos animais de Daniel 7, que também surgem do mar (v. 2, 3). Esses monstros híbridos violam os limites da ordem criada e funcionam como inimigos perseguidores do povo de Deus. “Quando você examina cuidadosamente essa visão”, nota Jon Paulien, “percebe que as quatro bestas de Daniel 7 totalizam sete cabeças e dez chifres!” (Armageddon at the Door [Autumn House, 2008], p. 210). Segundo Ellen White, essa besta simboliza, “inquestionavelmente”, o papado (O Grande Conflito, p. 439). Mas seria a besta de Apocalipse 17?

Uma besta apocalíptica consiste no poder religioso controlando o poder civil para alcançar seus próprios objetivos e usando a máquina estatal para restringir a liberdade e perseguir os “dissidentes” que preferem seguir a lei divina. Em Apocalipse 13, esses dois aspectos estão unificados em uma só entidade (o papado, que detinha o poder religioso e o secular), enquanto em Apocalipse 17 eles aparecem separados, uma vez que a configuração final não será uma réplica fiel da estrutura medieval. Há uma pequena diferença na “formatação” da besta. Portanto, é essencial manter a distinção entre a “mulher” (sistema religioso) e a “besta” (poder civil controlado pelo sistema religioso). Os dois símbolos estão interligados, mas pertencem a campos diferentes e têm vida própria.

Há vários indícios que favorecem a identificação da “besta do mar” de Apocalipse 13 com a “besta do abismo” de Apocalipse 17. Para começar, a origem das duas parece ser a mesma, já que a palavra “abismo” pode simplesmente indicar a profundidade dos oceanos (Ap 13:1a; 17:8a). Em segundo lugar, as duas bestas têm sete cabeças e dez chifres (Ap 13:1; 17:3), um elemento identificador importante. Terceiro, a besta do mar foi ferida de morte e curada, enquanto a besta do abismo “era e não é mais, e está para emergir”, o que sugere um paralelismo relacionado ao período de inatividade/atividade como entidade perseguidora (13:3a; 17:8a). Quarto, “toda a terra se maravilhou” ao ver a besta do mar depois de sua ferida mortal ter sido curada, e igualmente os que “habitam sobre a terra” “se admirarão” ao ver “a besta que era e não é mais, mas tornará a aparecer” (13:3, 8; 17:8). Note que a última parte de 17:8 é basicamente uma repetição de 13:8, o que solidifica a relação entre essas bestas. Quinto, o dragão deu à besta do mar “o seu poder, o seu trono e grande autoridade”, ao passo que os “reis” oferecem à besta do abismo “o poder e a autoridade que possuem” (13:2b; 17:13). Sexto, ambas as bestas proferem arrogâncias e blasfêmias (13:5, 6; 17:3). Sétimo, uma besta vem da água (mar) e a outra carrega uma mulher sentada sobre as águas/povos (13:1a; 17:1b, 15). Por fim, a besta do mar persegue os santos, enquanto a besta do abismo carrega uma mulher “embriagada com o sangue dos santos” (13:7a; 17:6).

Existem outros paralelos e conexões, como o motivo do vinho de Babilônia, a queda dessa grande cidade e sua punição no fogo em ambos os contextos (14:8-11; 18:2, 3, 8, 9), mas os argumentos listados são suficientes. Há também diferenças, porém elas são menores. Em Apocalipse 17, por exemplo, os dez chifres não têm diademas/coroas, ao contrário do que ocorre no capítulo 13. Isso pode simplesmente indicar que a natureza do poder representado pelos chifres nesse momento é diferente da fase anterior ou que a sua autoridade foi retirada. Para Hans LaRondelle, os chifres com diademas representam as monarquias europeias do período medieval, enquanto os chifres sem coroas simbolizam as democracias que apoiarão a besta no fim (How to Understand the End-Time Prophecies of de Bible [First Impressions, 1997], p. 412). Por sua vez, a besta de Apocalipse 17 é escarlate, enquanto a cor da besta do mar em Apocalipse 13 não é mencionada. Mas a intenção pode ser associar a besta escarlate mais intimamente com o dragão.

4. A besta de Apocalipse 17 é o próprio Satanás. Essa ideia tem sido ventilada desde o início do século 20, mas ganhou força recentemente. Na época, o teólogo alemão Ernst Lohmeyer sinalizou que ainda não havia sido demonstrado que a besta que “era e não é mais”, “está para emergir do abismo” e “caminha para a destruição” deva ser entendida no sentido histórico. “Essas são expressões míticas relacionadas a um poder demoníaco que odeia Deus”, escreveu (Die Offenbarung des Johannes [J. C. B. Mohr, 1926], p. 142). Outros defenderam ideias parecidas. Para Robert L. Thomas, “cada cabeça da besta é uma encarnação parcial do poder satânico que reina por determinado período, de modo que a besta pode existir na Terra sem interrupção na forma de sete reinos consecutivos” (Revelation 8–22 [Moody Press, 1995], p. 292).

Entre os adventistas, Edwin Reynolds argumentou num artigo em 2003 que a besta escarlate é o próprio diabo. “Há somente uma besta que vai para o abismo no Apocalipse e dele sai novamente. É o dragão, descrito em 20:2 e 3 como estando preso no abismo por mil anos, então sendo solto por um pequeno período antes de ir para o lago de fogo”, escreveu (“The Seven-Headed Beast of Revelation 17”, Asia Adventist Seminary Studies 6 [2003], p. 101). Portanto, o teólogo associou a fase de inatividade do diabo (o período em que a besta “não é”) ao milênio (Ap 20). A volta de Satanás do abismo “é como o retorno dos mortos” (p. 103). Para Reynolds, a besta do mar é a sexta cabeça, enquanto a besta da terra, paradoxalmente, seria a sétima (p. 105, 106).

Em 2007, Ekkehardt Mueller, teólogo do Instituto de Pesquisa Bíblica da sede mundial da igreja, ampliou a análise e concluiu que, no Apocalipse, o abismo é o lugar da habitação dos demônios e está ligado com Satanás. “Portanto, a besta sobre a qual Babilônia se assenta, ou seja, a besta de Apocalipse 17, que está associada com o abismo e difere da besta do mar em Apocalipse 13, é mais bem compreendida como sendo Satanás, que opera por meio de poderes políticos” (“The Beast of Revelation 17: A Suggestion (Part I)”, Journal of Asia Adventist Seminary 10/1 [2007], p. 50). Na parte 2 do artigo, ele também defende que a fase “não é” da besta (Satanás, na visão dele) corresponde ao período da prisão do diabo durante o milênio (Journal of Asia Adventist Seminary 10/2 [2007], p. 157).

Essa interpretação tem méritos e será utilizada na síntese a seguir, mas simplesmente igualar a besta com Satanás é desconsiderar os fatos bíblicos. Primeiro, em nenhum lugar do Apocalipse o dragão (drakon) é chamado de besta (therion), embora um dragão ou serpente seja um animal/besta. Segundo, enquanto o dragão vem inicialmente do Céu (Ap 12:7-10), a besta escarlate surge do abismo (17:8), termo que em muitos casos no Antigo Testamento está associado com água (Gn 1:2). De fato, no Apocalipse o abismo é o reino satânico, mas nem tudo o que vem do abismo é Satanás em pessoa. Terceiro, a cor escarlate da besta não significa identidade com o dragão, mas apenas afinidade, uma vez que a mulher também usa roupa escarlate e não é o dragão. Nesse estágio, vemos um alinhamento: a prostituta, a besta e o dragão compartilham a mesma cor (12:3; 17:3; 17:4). As identidades deles quase se confundem, mas não chegam a esse ponto. Quarto, a mulher está simbolicamente montada na besta (17:3), uma posição de domínio e controle, o que não faria sentido se a besta fosse Satanás. Quinto, o fato de o dragão e a besta escarlate terem o mesmo número de cabeças e chifres (12:3; 17:3) não significa que os dois sejam a mesma entidade, pois a besta do mar também tem “dez chifres e sete cabeças” (13:1) e obviamente ela e o dragão são coisas distintas. Sexto, com base na frase “era e não é mais” (17:8), alguns acham que a besta em Apocalipse 17 seja uma paródia do Pai, “que é, que era e que há de vir” (1:4, 8; 4:8). Porém, conceitualmente, a paródia mais apropriada é com o Cordeiro, que foi morto, mas voltou a viver (1:18), fato aplicável à besta do mar, que “foi ferida à espada e sobreviveu” (13:14). Afinal, na estrutura do Apocalipse, o dragão parodia o Pai, a besta do mar imita o Filho e a besta da terra (o falso profeta) simula o Espírito Santo. Paródia é a “ferramenta perfeita” para desmascarar a pretensão e revelar o engano, nota Greg Carey (Elusive Apocalypse [Mercer University Press, 1999], p. 154). Além disso, os chifres/reinos oferecem sua autoridade à besta (17:13), o que seria estranho se ela fosse o diabo.

Finalmente, mas sem esgotar os argumentos, enquanto a besta e o falso profeta são lançados no lago de fogo por ocasião da volta de Cristo (19:20), o diabo é preso nessa ocasião, mas somente é lançado no lago de fogo depois do milênio (20:1-3). Para não deixar dúvida, o texto diz que, após os mil anos (20:7), Satanás “foi lançado no lago de fogo e enxofre, onde já se encontram a besta e o falso profeta” (20:10). Se a besta e o falso profeta (a besta da terra) já estavam lá, então o diabo não é a besta. A besta surge do abismo quase no momento em que o diabo está sendo confinado no abismo. A destruição dela é importante na estrutura literária, mas não é o clímax do enredo. Num livro ou filme, primeiro você destrói os personagens secundários, depois coloca os protagonistas cara a cara. Logo, igualar a besta com o diabo é errar por mil anos!

O diabo é muita coisa, inclusive o “protótipo” das bestas, mas não é a besta escarlate. O próprio Reynolds reconhece corretamente que o monstro que aparece em 13:1-10; 14:9, 11; 15:2; 16:2, 10, 13; 19:19, 20; e 20:4 e 10 “é consistentemente a besta do mar, conforme os respectivos contextos indicam” (Asia Adventist Seminary Studies 6 [2003], p. 101). Por que então a besta do abismo de Apocalipse 17 também não seria a besta do mar de Apocalipse 13? A origem abissal pode funcionar apenas como um adjetivo para qualificar a origem diabólica da entidade, sua ligação íntima com o diabo e sua disposição de cumprir o propósito dele.

O TEMPO

Se identificar a besta de Apocalipse 17 é difícil, estabelecer o tempo de sua atuação não é menos complicado. O que as cabeças representam e quando elas atuam? Em 17:8-14, o anjo transmite várias informações: (1) “a besta que você viu era e não é mais, e está para emergir do abismo, e caminha para a destruição”; (2) “as sete cabeças são sete montes” e “também sete reis”; (3) “cinco caíram, um existe e o outro ainda não chegou; e, quando chegar, tem de durar pouco tempo”; (4) “a besta, que era e não é mais, é também o oitavo rei, mas faz parte dos sete”; (5) os “dez chifres que você viu são dez reis, que ainda não receberam reino”; (6) eles “oferecem à besta o poder e a autoridade que possuem”; e (7) “lutarão contra o Cordeiro, e o Cordeiro os vencerá”.

Entre os historicistas há duas linhas principais de interpretação: uma começa com o Egito, um dos grandes impérios globais que perseguiram o povo de Deus ao longo da história; a outra começa com Babilônia, que é o ponto de partida das profecias de Daniel e que serve de base para essa parte do Apocalipse. As duas interpretações são possíveis, e os intérpretes adventistas estão divididos (veja o quadro). A primeira é mais simples, mas depende de raciocínio dedutivo e de inferências, embora João fale do Egito no contexto das pragas (Ap 16) e Isaías (30:6) chame o Egito de “Besta do Sul”. A segunda é mais complexa, mas tem base textual sólida.

A informação de que “um existe” (agora, o tempo presente) se refere (1) ao tempo de João, (2) ao período da ferida mortal ou (3) ao julgamento da meretriz no fim dos tempos? Jon Paulien acredita que o “agora” deve ser visto a partir da perspectiva de João. Ele se apoia em dois princípios: (1) Deus encontra os profetas onde eles estão, no seu tempo e em suas circunstâncias; e (2) durante a visão apocalíptica, o profeta pode navegar no espaço para qualquer parte do Universo e no tempo para qualquer época, mas a interpretação da cena sempre vem no tempo, no lugar e nas circunstâncias do vidente (Armageddon at the Door, p. 214).

Por outro lado, Hans LaRondelle ressalta que é importante coordenar as três fases da besta (era, não é e virá); “portanto, é mais ­razoável adotar o ponto de vista escatológico apresentado pelo próprio anjo” (How to Understand the End-Time Prophecies of the Biblep. 411). Para o teólogo, a besta na fase “era” representa a perseguição, ao passo que a fase “não é” simboliza o período sem perseguição, pois foi ferida (p. 412). Tonstad chama essas fases de “presença, então ausência, então presença”, mas prefere aplicá-las ao período em que o dragão delega seu poder para a besta do mar, desaparece, depois volta (Revelation, p. 246). Contudo, diz ele, Satanás nunca fica sem representação no mundo, mesmo na fase “não é”. “A linguagem descreve ausência, mas ausência não significa inexistência” (p. 250).

As duas perspectivas (a partir do Egito ou de Babilônia) são defensáveis, mas a segunda leva vantagem. Primeiro, o anjo transporta João “em espírito” para o deserto a fim de mostrar o julgamento da meretriz. Se ele é transportado a outra dimensão do espaço, o mesmo princípio vale para o tempo. Segundo, a estrutura profética/escatológica do Apocalipse trabalha com a moldura dos reinos de Daniel 7, que se iniciam com Babilônia. Considerando que Apocalipse 17 fala da Babilônia mística, faz mais sentido começar com Babilônia, até pelo motivo das “águas”, o qual está relacionado com a queda desse império. Terceiro, João viu então uma “mulher embriagada com o sangue dos santos e com o sangue das testemunhas de Jesus” (17:6). No 1o século, se pensarmos nos 1.260 de perseguição, isso ainda não havia acontecido. Quarto, o anjo informou que, nesse momento, a besta “era e não é mais” (17:8) e cinco das sete cabeças haviam caído. Isso não poderia se aplicar ao Império Romano do 1século, que ainda existia. Quinto, nessa fase, a mulher estava “sentada” sobre a besta (17:9), o que não poderia se aplicar à relação igreja/império no 1o século. Sexto, a informação sobre o “oitavo rei” que caminha para a destruição rápida (17:11) e sobre os dez reis (chifres) que ainda não tinham recebido reino e ofereceriam seu poder para a besta (17:12, 13) faz mais sentido no contexto do fim. Além disso, a besta e seus aliados fazem guerra contra o Cordeiro (17:14), o que indica um horizonte relacionado à volta de Jesus.

Por esses e outros motivos, tecnicamente é preferível o ponto de vista que enfatiza o julgamento da meretriz no tempo do fim. No entanto, a perspectiva adotada, desde que siga a interpretação historicista, não altera muito o resultado.

A SÍNTESE

A esta altura, você pode estar se perguntando: afinal, a besta escarlate de Apocalipse 17 deve ser identificada com o Império Romano, a besta da terra (Estados Unidos), a besta do mar (Roma papal), Satanás ou outra coisa? A resposta curta é: a besta escarlate do abismo é a besta do mar em sua fase recuperada da ferida mortal, que liderará uma confederação global com a ajuda da besta da terra e levará o mundo a um tempo de crise sem paralelo, culminando com um breve domínio do próprio Satanás personificado como Cristo. O dragão já estava presente por meio das cabeças, mas então se manifestará como um “oitavo” poder que, quebrando as regras da matemática, misteriosamente faz parte dos sete. No original, a palavra “rei” não ocorre depois de “oitavo” (ogdoos) em 17:11, tampouco aparece o artigo definido. Isso sugere que o numeral ordinal “oitavo”, um adjetivo masculino, embora relacionado com as cabeças, pertence a outra categoria. Pode ser uma referência ao diabo, que sintetiza e encarna a besta em si. Por ser a soma de tudo, ele é e não é um integrante do G7.

Exegeticamente, a ideia de que a besta do abismo seja a besta do mar em sua fase da ferida mortal curada é bem sólida. As inovações interpretativas mais recentes contribuíram com novos ângulos, mas esbarram nas informações do próprio texto bíblico. O Comentário Bíblico Adventista (CPB, 2015, v. 7, p. 943, 944), embora reconheça que a besta de Apocalipse 17 possua semelhanças com o dragão vermelho (Ap 12), sinaliza que ela tem mais afinidade com a besta do mar (Ap 13). O total de cabeças (sete) e chifres (dez) que caracteriza o dragão, a besta do mar e a besta do abismo estabelece uma conexão entre essas entidades que não pode ser desconsiderada.

Em todo o Apocalipse existem somente sete cabeças. Segundo Paulien, “a besta simboliza a confederação mundial de poder civil e secular” e “a imagem da besta de sete cabeças representa uma besta que vive, morre e ressurge sete ou oito vezes” (Armageddon at the Door, p. 136, 211). Por isso, a ênfase está na sétima cabeça, que volta do abismo. Esse aparecimento é descrito em 17:8 pelo verbo parestai, relacionado à palavra parousia, termo comum para a volta de Cristo (1Co 15:23, 1Ts 2:19, 1Jo 2:28, etc.). É como se o diabo ressurgisse na figura da besta para, finalmente, se apresentar como o falso Cristo.

Satanás é o poder por trás das ações da besta, controlando uma cabeça de cada vez. Porém, nos momentos críticos, a interação entre eles se acentua e suas ações se confundem. A besta usa o template do diabo, que usa a estrutura da besta. Há uma fluidez nos símbolos, sem suprimir a identidade. Além disso, assim como Satanás age por meio da besta, a besta atua por meio de seus chifres. Vou exemplificar.

Os oráculos contra Babilônia em Isaías 14 e contra Tiro em Ezequiel 28 começam falando dos reis dessas cidades, mas logo fica evidente que se referem a um ser sobrenatural (Lúcifer). É como se essas cidades fossem uma expressão direta do ser e do comportamento do diabo. Assim como Jesus é a personificação do reino de Deus, Satanás é a personificação do reino do mal, e os poderes imperiais são uma expressão de seu domínio.

Em Apocalipse 12, o capítulo central sobre o dragão e o conflito cósmico, vemos Satanás usando a potência romana como seu instrumento e quase se confundindo com ela. A tentativa inicial de matar o “Filho” da mulher em Apocalipse 12 se deu por meio de Herodes e a morte Dele ocorreu na jurisdição de Pilatos, representante do aparato romano. Por isso, ao falar sobre a “cadeia de profecias” que se inicia em Apocalipse 12, destacando a ação de Satanás por meio de seus agentes na época, Ellen White reconhece: “Assim, embora o dragão represente primeiramente Satanás, é também, em sentido secundário, símbolo de Roma pagã” (O Grande Conflito, p. 438). O mesmo princípio vale para o dragão e a besta em Apocalipse 17, apenas em ordem inversa: a besta escarlate representa primeiramente o aparato político-­militar que carrega a mulher, mas, em sentido secundário, simboliza também Satanás.

Ellen White identifica a “besta que surge do abismo” e faz guerra contra as duas testemunhas (Ap 11:7) como sendo a França ­ateísta, pervertida e sanguinária do período da Revolução Francesa (1789-1799). Entretanto, ela destaca a participação direta de Satanás: “Em muitas das nações da Europa os poderes que governaram na Igreja e no Estado foram durante séculos dirigidos por Satanás, por intermédio do papado. Aqui, porém, se faz referência a uma nova manifestação do poder satânico” (O Grande Conflito, p. 268). Logo à frente, no contexto do genocídio da noite de São Bartolomeu, em 1572, ela comenta que Satanás foi “o chefe invisível de seus súditos na horrível obra de multiplicar os mártires” (p. 272). Isso fornece uma lógica para dizer que, em momentos extremos de caos e perseguição, Satanás e a besta instrumentalizada por ele se confundem, mas sem perder a identidade.

É bom frisar que a besta do abismo que atuou na Revolução Francesa não era outra besta na sequência profética, mas uma extensão da besta romana/papal. O ataque de Paris a Roma, que depois acabaram se tornando cidades-irmãs, foi uma espécie de ferimento autoinfligido, numa prefiguração da destruição que a prostituta de Apocalipse 17 sofrerá pelos próprios apoiadores!

O texto mais explícito sobre a simbiose entre Satanás e as entidades que promovem sua agenda está em Apocalipse 13. Quando o dragão se põe “em pé sobre a areia do mar” (12:18), surge em seguida a besta do mar (13:1), parecida com ele. Simbolicamente, a besta senta-se no trono do dragão e age como se fosse ele, fazendo “toda a terra” se maravilhar (v. 3). Aqui o dragão e a besta, embora distintos, se identificam de tal maneira que se tornam objetos de adoração (v. 4).

Note que a besta da terra também fala como o dragão (v. 11). No caso da “besta francesa”, um antigo aliado se tornou inimigo de Roma e causou a ferida de morte, em 1798, ao destituir o papa; no caso da “besta norte-americana”, que se expandiu na mesma época, um tradicional inimigo de Roma se tornará aliado e causará a cura.

Por tudo isso, minimizar o papel da besta do mar em Apocalipse 17, apesar de sua ressurreição em Apocalipse 13 e de toda sua relevância na polarização final sobre adoração, seria deixar um personagem quase central sem desfecho, o que não acontece. Literariamente, João destrói a prostituta (17:16), fazendo um forte caso jurídico contra Babilônia e um longo lamento por sua queda (18, 19), e depois mata a própria besta (19:20). A morte do dragão só ocorre depois do milênio (20:2, 3, 10), o que inviabiliza cronologicamente a proposta de Reynolds e Mueller de equiparar a fase “não é” com o milênio.

Portanto, a besta escarlate de Apocalipse 17 é a nova manifestação da besta do mar de Apocalipse 13 que foi ferida e reviveu, e dessa vez encarnando ainda mais a crueldade do dragão. Trata-se de um retorno espetacular que deixará as pessoas admiradas ou deslumbradas (17:8). Em síntese, a besta de sete cabeças é a expressão fiel do dragão, mas não é o dragão. No ataque final contra Deus e Seu povo, essa besta contará com a ajuda da besta da terra e de uma confederação de aliados. Como diz uma nota na Bíblia de Estudo Andrews (p. 1671), a besta escarlate “representa o poder político do mundo inteiro apoiando a Babilônia do fim do tempo”. Os dez reis/reinos, número literal (dez nações ou entidades, com seu epicentro na Europa, território do Império Romano original) ou simbólico (uma confederação mundial, incluindo a virtual totalidade das nações), exercerão seu poder num momento decisivo da história. Instrumentalizados por Satanás, serão seus agentes e extensões do seu domínio. Mas por um curto período.

No fim, as coisas mudam. Sentindo-se enganados, sem proteção contra as pragas, os reinos (poder político-militar) destroem a “mulher” (sistema religioso) a quem haviam apoiado (17:16). E aqui a imagem do casamento é retomada. Enquanto o Cordeiro celebra as bodas com Sua linda noiva vestida com “linho finíssimo” e a protege (19:8), a besta e seus mínions destroem a prostituta, a deixam nua, servem sua carne e a queimam no fogo (17:16), sem que o dragão defenda sua amante. No reino do dragão, a infidelidade é norma.

Quando esse sistema religioso for destruído, Satanás assumirá a identidade de Cristo e se manifestará como a personificação Dele (2Ts 2:3-10; O Grande Conflito, p. 624). Mas isso não torna o diabo em si a besta escarlate, a estrutura humana que possibilitará seu domínio sobre o planeta por um curto período antes da volta de Jesus. Contra o dragão infiel e mentiroso, apoiado por sua monstruosa besta escarlate, o Cavaleiro Fiel e Verdadeiro, em Seu cavalo branco, guerreia com justiça e protege o reino (Ap 19:11).

O Apocalipse não é apenas uma obra-prima literária polissêmica, política ou anti-imperial, mas uma metanarrativa escatológica. Mais que um épico, é a história de uma guerra cósmica que envolve dragão, noivas, cidades e reinos. E, como em toda boa história, o clímax fica para o fim. Primeiro, o Noivo enfrenta a rainha má e destrói seu domínio; em seguida, prende o desafiante para destruí-lo mil anos depois. A questão é se estaremos do lado do Herói ou do vilão.

Marcos De Benedicto (via Revista Adventista)

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segunda-feira, 21 de abril de 2025

NINRODE

A pessoa de Ninrode é intrigante, e encontramos nos escritos judaicos, cristãos e islâmicos quantidade significativa de especulação a seu respeito. O que o torna intrigante é o fato de que, no quadro das nações (Gênesis 10), ele é a única pessoa sobre a qual temos uma declaração de realizações, embora o que é dito sobre ele seja um pouco superficial. Diremos algo sobre possíveis paralelos históricos, examinaremos o texto bíblico e mencionaremos brevemente algumas especulações pós-bíblicas sobre ele.

1. Ninrode na História
O texto bíblico descreve Ninrode como uma pessoa que viveu na região da Mesopotâmia. Estudiosos tentaram encontrar, sem sucesso, um paralelo no antigo Oriente Próximo que corresponda ao que a Bíblia diz sobre ele. Ele foi identificado com Gilgamés, pessoa que, segundo a literatura babilônica, sobreviveu ao dilúvio. Mas, essa teoria foi rejeitada. O mais popular é encontrar nele traços do deus Ninurta, o deus mesopotâmio da fertilidade. Porém, mais uma vez, os paralelos não são fortes o suficiente para provar o caso. Além disso, o texto bíblico não sugere que ele seja uma divindade. O que sabemos sobre ele é o que as Escrituras dizem.

2. Ninrode na Bíblia
A primeira coisa mencionada pelo texto bíblico é que Ninrode foi “o primeiro a ser poderoso na terra” (Gênesis 10:8, ARA), provavelmente significando que ele foi o primeiro em tal categoria (conforme Gênesis 9:20). A palavra “poderoso” significa, como indica a passagem, que ele era política e militarmente poderoso. Segundo, ele é descrito como “poderoso caçador” (Gênesis 10:9), que significa não apenas que era um bom caçador, mas que também era um conquistador militar poderoso. A frase “diante do Senhor” tem sido difícil de interpretar. A maior dificuldade é decidir quando significa que o Senhor cuidava de Ninrode, ou que Ninrode agia desafiando o Senhor, “contra Ele” (Salmos 66:7). O fato de que Ninrode esteja diretamente associado com Babilônia e com a terra de Sinar infere uma conexão negativa com o Senhor. Além disso, se tomarmos o significado hebraico do nome Ninrode (“nos rebelaremos”), a implicação é que ele se rebelou contra Deus. Se esta interpretação for correta, o provérbio citado no texto: “Pelo que se diz: ‘Ninrode poderoso caçador diante do Senhor’”, estaria se referindo a uma pessoa poderosa agindo contra a vontade de Deus. Terceiro, ele é descrito como a primeira pessoa a estabelecer um reino “o princípio do seu reino” (Gênesis 10:10, ARA). Localizava-se nas antigas cidades de Babel (Babilônia), Ereque, Acade e Calné, na região de Sinar, Baixa Mesopotâmia. De lá Ninrode foi para o norte conquistar terras na Assíria (Gênesis 10:11), Alta Mesopotâmia (veja Miqueias 5:6).

3. Ninrode e as especulações pós-bíblicas
A tradição judaica argumenta que Ninrode foi o primeiro caçador, portanto, a pessoa que introduziu a carne na dieta humana. A tradição diz que ele se envolveu na construção da Torre de Babel (Gênesis 11:1-4), e após o povo ser disperso ele permaneceu em Sinar para construir seu reino. Tanto a tradição judaica como a islâmica indica que havia um relacionamento hostil entre Ninrode e Abraão. A principal razão era que Ninrode era idólatra e Abrão foi chamado pelo Senhor por adorar somente a Ele. Algumas versões das tradições dizem que ele colocou Abraão em uma fornalha tão quente que suas chamas mataram milhares, mas Abraão saiu ileso. Em algumas tradições ele é identificado com Anrafel, um dos reis que atacou Sodoma e Gomorra (Gênesis 14:1) e que foi vencido por Abraão. As tradições e especulações, com raras exceções, descreve Ninrode como um símbolo do mal.

Fiz um resumo de algumas das teorias pós-bíblicas sobre Ninrode para alertá-lo do perigo de ir além do que está escrito. Essas tradições não devem ser usadas para definir convicções pessoais ou para especular sobre o papel profético de Babilônia. Só podemos afirmar o que o texto bíblico diz sobre Ninrode.

Ángel Manuel Rodríguez (via Adventist World)

O NOVO PAPA E AS PROFECIAS DO APOCALIPSE

O falecimento do cardeal Jorge Mario Bergoglio, o papa Francisco, ocorrido neste 21 de abril, naturalmente alimenta especulações proféticas. Em círculos cristãos, sobretudo entre estudiosos das profecias de Daniel e de Apocalipse, muitos questionam se um evento dessa dimensão estaria relacionado ao cumprimento de sinais do fim.

Alguns recorrem à chamada “teoria dos sete papas”, iniciada em 1929, sugerindo que cada pontífice teria um papel cronológico específico em Apocalipse 17. Contudo, a interpretação bíblica e profética aponta que esse capítulo não delimita um número fixo de papas a partir do Tratado de Latrão (1929), mas, sim, descreve poderes e reinos que atravessam séculos. A Palavra de Deus ultrapassa qualquer tentativa de atribuir datas exatas para o fim do mundo ou de encaixar cada papa em supostas listas definidas.

Historicamente, o papado demonstra continuidade institucional desde muito antes de 1929. Limitar a contagem de pontífices ao século XX ignora períodos chaves da formação do poder político-religioso de Roma, como o declínio do Império Romano e o surgimento da instituição papal como autoridade central no Ocidente. Portanto, ao abordar o falecimento do papa Francisco, deve-se ter em vista um processo histórico em curso, não um “salto profético” isolado.

Na teologia católica, afirma-se que a primazia do bispo de Roma remonta ao apóstolo Pedro, considerado o “primeiro papa”. A análise puramente bíblica, porém, não sustenta que Jesus tenha delegado a Pedro (e a sucessores) um governo universal incontestável sobre toda a cristandade. A famosa declaração “Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja” (Mateus 16:18) deve ser entendida como referência à confissão de Pedro de que Jesus é o Messias, e não como a entronização de um líder infalível e supremo.

Com o passar dos séculos, entretanto, a Igreja de Roma acumulou poderes temporais e espirituais, reconhecidos em diversos concílios, sobretudo em meio ao vácuo político deixado pela queda do Império Romano. Em vários momentos, a ênfase na tradição gerou atrito com cristãos que defendem a centralidade das Escrituras (Sola Scriptura). A Reforma Protestante e o movimento adventista, por exemplo, buscaram devolver à Bíblia a posição de principal e infalível padrão de fé e prática.

Clareza profética
Quando um pontífice falece e começa o conclave para escolher seu sucessor, é comum que cristãos de diferentes denominações perguntem se ali estaria se cumprindo alguma fase final das profecias de Daniel e Apocalipse. Vale lembrar, porém, que apontar cada novo papa como o “último” costuma resultar em previsões com datas marcadas e depois desacreditadas. O que a profecia realmente questiona não é um indivíduo específico, mas o sistema que ele representa. Aquele que, ao longo da história, reivindica autoridade acima das Escrituras, em contraste com o ideal protestante e bíblico de que a Palavra de Deus é a regra suprema da fé.

Apocalipse 17 retrata uma figura feminina, a “grande prostituta”, sentada sobre uma besta escarlate, símbolo de um poder religioso apóstata, em oposição à “mulher pura” de Apocalipse 12, que representa o povo fiel de Deus. Na literatura bíblica, a mulher pura é a noiva de Cristo, ou seja, a verdadeira Igreja, enquanto a prostituta representa um sistema que abandonou a fidelidade ao Evangelho. É exatamente essa “Babilônia mística”, com suas doutrinas falsas, seu sincretismo e sua influência política, que o livro de Apocalipse denuncia como “caiu, caiu” (Apocalipse 14:8; 18:2).

O capítulo 17 introduz imagens fortes, como a “grande prostituta”, que embriaga as nações com o “vinho” de suas falsas doutrinas, seduzindo multidões que se deixam levar por uma religiosidade separada das Escrituras. Esse vinho se refere a ensinos como a substituição do batismo por imersão pelo batismo por aspersão, a ideia de uma alma imortal que vive consciente após a morte, a mudança do sábado bíblico para o domingo e a compreensão de um inferno em tormento eterno. Todos esses pontos, ao longo da história, foram gradualmente se firmando no imaginário cristão pela tradição, porém não encontram sólido respaldo bíblico quando analisados integralmente.

A profecia descreve também três poderes se unindo para reunir o mundo na batalha do Armagedom: o Dragão (Satanás e as religiões não cristãs ou seculares que se opõem à Bíblia), a Besta do Mar (identificada como o papado medieval que reviveu após sua “ferida” histórica) e a Besta da Terra ou Falso Profeta (protestantismo apostatado que corrobora práticas e ensinos divorciados da Palavra de Deus). Esses enganos demoníacos, segundo Apocalipse 16:13-16, culminariam num grande confronto, em que sinais e prodígios sobrenaturais, tanto em religiões não cristãs quanto dentro do cristianismo, procurariam legitimar práticas contrárias à vontade divina.

A palavra de ordem de Deus, em meio a essa confusão religiosa, é clara: “Sai dela, povo meu” (Apocalipse 18:4). Assim como uma criança que, em plena madrugada, corre para o quarto dos pais em busca de proteção, precisamos encontrar abrigo seguro na Palavra de Deus diante das trevas espirituais que se intensificam. Babilônia representa todo sistema que se afasta do testemunho bíblico e do caráter divino revelado nos Dez Mandamentos. Deus, porém, tem filhos sinceros espalhados em diferentes denominações e crenças (Apocalipse 18:4-5). Seu chamado amoroso não é para permanecermos em tais erros, mas para sairmos e abraçarmos plenamente a verdade.

Olhar voltado às Escrituras
O cristão que estuda a Bíblia é convidado a evitar sensacionalismos sobre contagens papais e interpretações estritamente cronológicas de Apocalipse 17, para não perder de vista o verdadeiro significado profético. Em vez disso, precisa reconhecer o papel histórico e sociopolítico do papado, sem ignorar as controvérsias decorrentes de exaltar tradições acima das Escrituras. A tentação de impor moralidade por meio de leis ou convenções político-religiosas não se coaduna com o espírito do Evangelho, pois o chamado divino é à conversão pessoal e à obediência voluntária, não à coerção política.

Ao mesmo tempo, esse compromisso com a Palavra implica acatar todo o Decálogo, inclusive o quarto mandamento sobre o sábado do sétimo dia, muitas vezes esquecido ou substituído por tradição humana. Equilibrar graça e lei é fundamental. Deus, em Sua bondade, oferece perdão e restauração, mas convida Seu povo a um estilo de vida coerente com Seus princípios. Se a Bíblia, e não a tradição, é o critério supremo, é preciso submeter cada doutrina ou milagre ao crivo das Escrituras (Isaías 8:20).

É imprescindível reiterar que o desenrolar final dos acontecimentos não depende de um único pontífice, mas do conjunto de poderes religiosos e políticos que se erguerão para desafiar a soberania divina. Por isso, a Igreja Adventista do Sétimo Dia convoca todos a voltarem-se para o “Assim diz o Senhor”, confiando na graça redentora de Cristo e sendo fortalecidos para obedecer a toda a vontade de Deus. Essa obediência, longe de ser legalismo, expressa amor e gratidão ao Criador e Redentor.

Seja qual for a mudança no cenário geopolítico e eclesiástico, incluindo a morte de figuras notórias ou a eleição de novos líderes, as orientações bíblicas permanecem firmes: “Falem e ajam como quem vai ser julgado pela lei da liberdade” (Tiago 2:12). Em Apocalipse, encontramos também um grito divino que rompe a escuridão: “Sai dela, povo meu” (Apocalipse 18:4). Essa voz do céu assemelha-se ao chamado de uma bebê que chora no meio da noite e encontra segurança nos braços dos pais. No plano espiritual, Cristo vem até nós, dizendo: “É hora de partir, venha, pois o lar seguro é por aqui.”

Li um poema intitulado Come Along Daddy (Venha Comigo, Papai), que descreve, de maneira comovente, a urgência desse chamado. Nele, uma menina de nome Sally sacrifica a própria vida ao tentar incessantemente conduzir o pai bêbado para fora da escuridão. Numa noite fria, ela o chama mais uma vez: “Vamos, papai, nossa casa é por aqui!” mas, já enfraquecida pela enfermidade que tinha, acaba caindo na neve antes de alcançar a segurança e morre.

Somente na manhã seguinte, o pai, agora sóbrio, se depara com a cena que escancara a gravidade de seu erro. Sally arriscou tudo nesse apelo, do mesmo modo que Deus nos convida a abandonar a “Babilônia” das falsas doutrinas e da religiosidade vazia, lembrando-nos de que, ao fim, só haverá dois grupos: os que persistem no engano e aqueles que, pela graça de Cristo, atendem ao chamado divino.

Portanto, diante de qualquer incerteza, seja na sucessão papal ou nas mudanças políticas e religiosas do mundo, a posição cristã mais segura é agarrar-se à revelação bíblica e ao convite de Deus. É tempo de levantar a voz, de proclamar a verdade presente e de viver em fidelidade ao Senhor que, em sua infinita misericórdia, chama cada filho a sair das trevas e da confusão espiritual, conduzindo-nos à luz de Sua Palavra, na esperança do reino eterno que Ele prometeu estabelecer quando voltar.

Rafael Rossi (via Notícias Adventistas)

terça-feira, 15 de abril de 2025

ADÃO E EVA

Como eram Adão e Eva? Infelizmente, a Bíblia não fala muita coisa acerca disso. Sabemos que, no aspecto moral, Adão e Eva eram semelhantes a Deus, pois foram criados à Sua imagem e semelhança. Ellen G. White assim descreve Sua criação:

"Criados para serem a 'imagem e glória de Deus', Adão e Eva tinham obtido prerrogativas que os faziam bem dignos de seu alto destino. Dotados de formas graciosas e simétricas, de aspecto regular e belo, o rosto resplandecendo com o rubor da saúde e a luz da alegria e esperança, apresentavam eles em sua aparência exterior a semelhança dAquele que os criara. Esta semelhança não se manifestava apenas na natureza física. Todas as faculdades do espírito e da alma refletiam a glória do Criador. Favorecidos com elevados dotes espirituais e mentais, Adão e Eva foram feitos um pouco menores do que os anjos (Hebreus 2:7), para que não somente pudessem discernir as maravilhas do universo visível, mas também compreender as responsabilidades e obrigações morais" (Educação, p. 20).

"Depois que a Terra com sua abundante vida animal e vegetal fora suscitada à existência, o homem, a obra coroadora do Criador, e aquele para quem a linda Terra fora preparada, foi trazido em cena. A ele foi dado domínio sobre tudo que seus olhos poderiam contemplar. Deus criou o homem à Sua própria imagem. Não há aqui mistério. Não há lugar para a suposição de que o homem evoluiu, por meio de morosos graus de desenvolvimento, das formas inferiores da vida animal ou vegetal. Tal ensino rebaixa a grande obra do Criador ao nível das concepções estreitas e terrenas do homem. Os homens são tão persistentes em excluir a Deus da soberania do Universo, que degradam ao homem, e o despojam da dignidade de sua origem. Posto que formado do pó, Adão era filho 'de Deus'. Ele foi posto, como representante de Deus, sobre as ordens inferiores de seres" (Patriarcas e Profetas, pp. 44, 45).

No aspecto físico, somente podemos analisar e discorrer sobre poucas características:

1. Cor da pele – A origem do nome “Adão” dá uma boa pista sobre a cor da pele deles. A origem da palavra “humanidade” também. A palavra adam está relacionada a outra palavra hebraica, adamah, que significa “terra” ou “solo”. O conceito prevalecente entre os eruditos hebraicos é que ambas as palavras derivam da hebraica adom, que significa “vermelho”. O Dicionário Teológico do Velho Testamento (1974; em inglês) sugere um possível motivo da derivação de “solo” da palavra “vermelho”, ao mencionar que a terra pode ter contido ferro e, assim, ter parecido vermelha. De modo similar, algumas autoridades, que afirmam que adam (Adão, homem) vem de adom (vermelho), especulam que Adão pode ter tido pele de cor avermelhada.

“Humano” vem de húmus, igualmente “terra”. Assim, pesquisadores criacionistas acreditam que Adão tinha cor de terra, da qual foi feito. Não era negro, nem branco, talvez mais para o “apache”. Ellen White diz: “Ao sair Adão das mãos do Criador... Sua cútis não era branca ou pálida, mas rosada, reluzindo com a rica coloração da saúde" (Exultai-O, p. 40).

2. Altura – A Terra “primitiva” (período pré e pós-diluviano) era muito diferente do que é hoje. Isso possivelmente forneceu muitas vantagens (estatura e sobrevida) para a vegetação (árvores imensas), grandes insetos, animais de grande porte (dinossauros) e para os seres humanos. Nesse sentido, as evidências científicas são claras em demonstrar que tanto o planeta Terra quanto o ser humano estão involuindo (degenerando), ao invés de estarem evoluindo em níveis ascendentes, como postulado pelo paradigma evolutivo. A Bíblia mais uma vez mostra a legitimidade de seu conteúdo científico à frente de seu tempo.

Esta descrição feita por Ellen White por ocasião da ressurreição dos justos resume bem esta involução: "Todos saem do túmulo com a mesma estatura que tinham quando ali entraram. Adão, que está em pé entre a multidão dos ressuscitados, é de grande altura e formas majestosas, de estatura pouco menor que o Filho de Deus. Apresenta assinalado contraste com o povo das gerações posteriores; sob este único ponto de vista se revela a grande degeneração da raça. Todos, porém, surgem com a louçania e vigor de eterna mocidade. Restabelecidos à árvore da vida, no Éden há tanto tempo perdido, os remidos crescerão (Malaquias 4:2) até à estatura completa da raça em sua glória primitiva" (Eventos Finais, p. 289).

A entrada do pecado deu origem não só ao aparecimento de espinhos em plantas, mortes e/ou diminuição de espécies, mas, principalmente, à diminuição dos níveis de elementos químicos essenciais na atmosfera, como o oxigênio. A Bíblia afirma que a Terra sempre possuiu oxigênio (a partir do terceiro dia da semana da criação). Antes do dilúvio, o clima era temperado e possuía muito mais oxigênio do que hoje em dia. Isso contribuía para que as espécies de animais e os humanos fossem maiores em estatura do que são hoje. A altura estimada para Adão, segundo projeções, seria de 4 a 5 metros.

Veja esta afirmação de Ellen White: “Ao sair Adão das mãos do Criador, era de nobre estatura e perfeita simetria. Tinha mais de duas vezes o tamanho dos homens que hoje vivem sobre a Terra, e era bem proporcionado. Suas formas eram perfeitas e cheias de beleza. Eva não era tão alta quanto Adão. Sua cabeça alcançava pouco acima dos seus ombros. Ela, também, era nobre, perfeita em simetria e cheia de beleza. Esse casal, que não tinha pecados, não fazia uso de vestes artificiais. Estavam revestidos de uma cobertura de luz e glória, tal como a usam os anjos. Enquanto viveram em obediência a Deus, esta veste de luz continuou a envolvê-los” (História da Redenção, p. 21).

3. Força – Em 2010, um livro publicado pelo antropólogo Peter McAllister apresentou pesquisas que sugeriram que os homens de hoje são mais fracos e não seriam páreo para seus antepassados em uma batalha de força ou velocidade. Além disso, sabe-se que o genoma humano está deteriorando (diminuindo de tamanho) devido ao acúmulo de mutações deletérias a cada geração.

Acompanhe esta declaração de Ellen White: "Deus dotou o homem de tão grande força vital que ele tem resistido ao acúmulo de doenças lançadas sobre a raça em consequência de hábitos pervertidos, e tem sobrevivido por seis mil anos. Este fato, por si mesmo, é suficiente para nos mostrar a força e a energia elétrica que Deus conferiu ao homem na criação. Foram necessários mais de dois mil anos de delitos e de condescendência com as paixões inferiores para trazer sobre a raça humana enfermidades físicas em grande escala. Se Adão, ao ser criado, não houvesse sido dotado de vinte vezes maior vitalidade do que os homens possuem agora, a humanidade, com seus presentes métodos de vida que constituem uma violação da lei natural, já estaria extinta. Por ocasião do primeiro advento de Cristo, o gênero humano degenerara tão rapidamente que um acúmulo de doenças pesava sobre aquela geração, suscitando uma torrente de aflição e uma carga de sofrimento indescritível" (Conselhos Sobre Educação, p. 8).

4. Longevidade – Gênesis 5:3 relata que Adão viveu 930 anos e que em seu tempo havia gigantes (Gênesis 6:4). Vários fatores poderiam ter contribuído para essa longevidade. O clima, a dieta, a ação do pecado e da morte no mundo ainda sem força, entre outras situações.

Ellen White diz: "Os patriarcas desde Adão até Noé, com poucas exceções, viveram quase mil anos. Depois do tempo de Noé, a duração da vida tem diminuído gradualmente. Os que sofriam de enfermidades eram levados a Cristo de toda cidade, vila e aldeia para serem curados por Ele; pois eram afligidos por toda sorte de doenças. E a doença tem aumentado constantemente através das gerações sucessivas desde aquele período. Em virtude da continuada violação das leis da vida, a mortalidade tem aumentado de modo alarmante. Os anos de vida dos homens têm diminuído a tal ponto, que a geração atual desce à sepultura, antes mesmo da idade em que as gerações que viveram durante os dois primeiros mil anos, após a criação, se lançavam ao campo de ação" (Fundamentos da Educação Cristã, p. 24).

5. Inteligência – Adão era perfeito e sabemos que a ele foram dadas instruções sobre o Éden e sobre como tudo deveria funcionar. Até foi dada a ele ordem para nomear os animais. Então, Adão deve ter sido capaz de falar. Ele deve ter tido linguagem complexa desde o início. Ele nem sequer teve que aprender a falar, como nós. Ele foi feito como um ser humano maduro.

Ellen White afirma: "Adão foi coroado rei no Éden. Foi-lhe dado domínio sobre todos os seres viventes que Deus tinha criado. O Senhor abençoou Adão e Eva com inteligência tal que Ele não tinha dado a nenhuma outra criatura. Conferiu a Adão o poder sobre todas as obras criadas, de Suas mãos. O homem, feito à imagem divina, poderia contemplar e apreciar as obras gloriosas de Deus na Natureza. Favorecidos com elevados dotes espirituais e mentais, Adão e Eva foram feitos um pouco menores do que os anjos" (A Maravilhosa Graça de Deus, p. 34).

6. Peso - Se Adão tinha, segundo Ellen White, “mais de duas vezes o tamanho dos homens que hoje vivem sobre a Terra”, podemos imaginar que tivesse entre quatro e cinco metros. Para facilitar, vamos ficar com quatro metros. Com base nessa medida, vamos calcular qual teria sido o provável peso de Adão e sua esposa, Eva. Acompanhe:

Tomando como referência valores médios de altura de homens e mulheres nos Estados Unidos, respectivamente, 1,77 m e 1,62 m, bem como um IMC ao redor de 25, podemos imaginar um homem com 78 kg e uma mulher com 66 kg. Se Eva tinha uma altura tal que o topo de sua cabeça ficava pouco acima dos ombros de Adão, e se Adão tinha 4 m de altura, então Eva deveria ter algo em torno de 3,5 m de altura. Vamos imaginar que a densidade e as proporções de Adão e Eva fossem as mesmas das pessoas hipotéticas descritas acima; então podemos calcular a massa corporal deles, lembrando que ela é proporcional ao volume do corpo, que é proporcional ao cubo da altura.

Chamando a massa de Adão de M e a massa de um homem atual de m, e de H a altura de Adão e h a altura de um homem atual, a fórmula para o cálculo da massa de Adão é: M = m(H/h)³ = 78(4/1,77)³. O que resulta em cerca de 900 kg. Para a mulher, vale a mesma fórmula com os respectivos dados: M = 66(3,5/1,62)³. O que resulta em cerca de 660 kg. Ou seja, uma top model com quase 700 kg!

Só podemos imaginar as capacidades físicas, mentais e espirituais que nossos primeiros pais tiveram, e que um dia, quando a Terra for recriada por Deus, serão nossas novamente. Que venha logo esse dia a partir do qual a raça humana voltará ao plano original!

segunda-feira, 14 de abril de 2025

A PROSTITUTA E A NOIVA

A experiência conjugal inspirou os profetas. Quando o povo de Deus era infiel a Deus indo atrás de outros deuses, ele era comparado a uma prostituta, e a aliança do casamento era descrita como quebrada. Por outro lado, quando o povo de Deus era fiel a Deus, a aliança do casamento era celebrada, e Israel, ou a igreja, era comparada a uma linda noiva.

Ezequiel
Em Ezequiel 16, temos a mais longa alegoria de toda a Bíblia. A prostituição é a metáfora mais frequente nesta alegoria e, através dela, a infidelidade de Jerusalém ao Senhor é comparada à imoralidade de uma prostituta. A figura da prostituta, espiritualmente falando, é recorrentemente usada no Antigo Testamento para se referir à prática de Israel de seguir a outros deuses. Palavras como prostituição, promiscuidade, lascívia, depravação, imoralidade, são usadas muitas vezes neste capítulo para descrever a falta de fidelidade de Judá a Deus.

A história de Jerusalém, narrada como um conto figurativo de uma menina que nasce e cresce até a maturidade, é apresentada para expor os pecados de Israel. Esta menina não havia nascido em uma família carinhosa normal; não havia recebido os cuidados que um recém nascido obtinha no antigo Oriente Médio (v. 3-5). Cortar o cordão umbilical, a lavagem com água, esfregar com sal, envolvimento com panos – eram práticas de parteiras palestinas que têm sido observadas entre os camponeses árabes modernos.

Depois de estabelecer a Sua aliança, o Senhor transformou Jerusalém de uma existência marginalizada a uma propriedade real (banhada, vestida, adornada, v. 9-11), apta a ser uma rainha (v. 13). A fama de Jerusalém se espalhou entre as nações, o que aponta para o esplêndido reinado de Israel na época de Salomão. Entretanto, confiou em sua formosura e se entregou à imoralidade espiritual (v. 15-59), a ponto de se tornar mais depravada que Sodoma e Samaria (v. 46-48).

Por incrível que pareça, apesar da longa história de maldade de Jerusalém, a alegoria deixa claro que Deus não a rejeitará para sempre (v. 60-63). Seu cativeiro vai acabar e Deus vai honrar sua antiga promessa de restabelecer a Sua aliança com ela, torná-la pura novamente, protegê-la e elevá-la. Israel será perdoado e declarado justo novamente.

A alegoria aponta também para o fato de que, além da restauração de Jerusalém, Deus um dia perdoará muitas outras pessoas de seus pecados, e que Ele acabará por estabelecer uma existência onde a justiça prevaleça e a rebelião contra Ele não mais existam.

É encorajador perceber que, se estamos em Cristo, já vivemos nessa “aliança eterna”. Nosso futuro lar é a Nova Jerusalém, que vamos alegremente habitar em cumprimento desta promessa de fidelidade da parte de Deus. Lá não haverá nenhuma das abominações – arrogância, materialismo, idolatria – que causaram morte e desolação (espiritual e literal) nos dias de Ezequiel. Mas será novamente a morada de Deus com o Seu povo, um verdadeiro lar eterno para os santos.

Este final feliz para a alegoria, entretanto, não é a única parte que tem significado para nós. A história do pecado de Jerusalém é também um espelho do nosso próprio estado passado. Quando pecamos, estávamos nos voltando contra Deus, que ama e cuida de nós; nos fizemos indignos de Seu socorro. Quando O ignoramos e até mesmo nos rebelamos abertamente contra Ele, imitando aqueles que admirávamos no mundo, não agimos melhor do que a prostituta Jerusalém. Fizemos assim porque não admiramos e imitamos o Filho de Deus.

No entanto, sempre houve uma esperança para nós, porque Deus ainda nos ama. Não importa quanto tenhamos nos degenerado, nunca estamos tão longe que não possamos ser resgatados, bastando responder pela fé ao chamado de Deus.

Oseias
O casamento de Oseias é um problema para aqueles que encontram dificuldade em aceitar que Deus pode ter mandado que Oseias se casasse com uma prostituta. Se esse era o caso, ou não, precisa ser analisado, mas a verdade é que sua vida como profeta era bastante incomum. Oseias precisa ser visto dentro de seu tempo e contexto, a fim de obter melhor compreensão do seu ministério.

Durante o reinado de Jeroboão II de Israel (785-745 a.C.). Oseias exerceu o ministério até pouco antes da destruição de Samaria, capital do reino do norte, em 722 a.C. Para que a unidade política do reino do norte fosse mantida, foram construídos dois santuários – um em Betel, outro em Dan. No centro do lugar de adoração, havia duas imagens de ouro na forma de bezerros, talvez em substituição aos querubins da arca da aliança localizada no templo de Jerusalém, no reino do sul de Judá. Tal fato contribuiu para a deterioração espiritual do povo de Israel. No tempo de Oseias, Israel passava por um período de dificuldade religiosa e política. As intrigas políticas eram intensas. Durante os últimos 24 anos do reino, seis reis diferentes tomaram o trono à força. A adoração ao Senhor foi corrompida e o povo O adorava usando como modelo o culto a Baal. Baal se tornou o deus de Israel, o deus da fertilidade, adorado nos lugares altos e nas florestas, num esforço de manipulá-lo e assegurar a fertilidade da terra, dos animais e da família. Prevalecia a degradação social, política e religiosa por toda a terra (Oseias 4:2 e 13).

O Senhor disse ao profeta: “Vá, tome uma mulher adúltera” (Oseias 1:2). A leitura mais natural dessa história indica que estamos tratando de um fato real, não simbólico, ocorrido na vida de um profeta. A frase “mulher/esposa adúltera” pode se referir tanto ao que ela se tornaria mais tarde ou uma descrição de sua descendência. A tradução literal da frase é: “esposa da promiscuidade”, isto é, uma mulher com valores morais incoerentes (zonah, substantivo hebraico, poderia referir-se ao adultério, fornicação ou prostituição). Oseias casou-se com Gomer e teve três filhos com ela, dois dos quais podem não ter sido dele (Oseias 2:4-5). Os nomes dos filhos ilustravam o plano de Deus para Seu povo (Oseias 1:4-9). A certo ponto da vida de casados, Gomer cometeu adultério e abandonou sua família. A angústia do profeta é vividamente descrita no capítulo dois. Ele a ameaçou com o divórcio, passou por sentimentos de rejeição projetados em seus filhos e, finalmente, conformou-se com a rejeição. Então, o Senhor ordena-lhe que mostrasse seu amor pela esposa, trazendo-a de volta para casa (Oseias 3:1). E ele obedeceu.

A profunda dor do coração de Deus, causada pelo adultério espiritual de Seu povo, assim como pela depravação moral do novo sincretismo religioso que praticavam, foi encarnada na experiência do profeta. Deus estava ferido e queria que Seu povo soubesse. Após ordenar que Oseias trouxesse sua esposa adúltera para casa, Ele disse: “Vá, trate novamente com amor sua mulher, apesar de ela ser amada por outro e ser adúltera. Ame-a como o Senhor ama os israelitas, apesar de eles se voltarem para outros deuses” (Oseias 3:1). O triângulo amoroso presente na vida do profeta é também a realidade da experiência de Deus com Israel.

Deus Se descreve como um esposo amoroso e rejeitado, em dor emocional profunda. Uma vez que Ele deseja sua esposa de volta, o Senhor bloqueia seu caminho para os ídolos (Oseias 2:6), e a leva de volta para o deserto (Oseias 2:14). Ali, Deus Se enamora dela outra vez (Oseias 2:14): “Eu curarei a infidelidade deles e os amarei de todo Meu coração” (Oseias 14:4). A luta interior divina é belamente descrita em Oseias 11:8-9. Deus estava pronto para Se divorciar de Seu povo, mas então exclama: “Como posso desistir de você?” A conversão esperada de Israel agora ocorre em Javé. O julgamento contra Sua esposa é apagado do coração divino. Há um futuro para Seu povo. Assim, o amor de Deus é ilustrado na experiência de vida do profeta.

Apocalipse
Em eco dos profetas hebreus, o livro do Apocalipse usa a metáfora conjugal para significar o contraste entre as duas versões da mulher. A “noiva enfeitada para o seu noivo” (Ap 21:2) representa o povo de Deus com quem Ele habitará na “Nova Jerusalém” (Ap 21:3). Por outro lado, “a grande prostituta” representa a igreja adúltera “que corrompia a Terra com a sua prostituição” (Ap 19:2).

Quando lemos o último convite à humanidade, chamando o povo de Deus para sair de Babilônia, é impressionante que Ele o chama de “povo Meu” (Ap 18:4), e não de desconhecidos. Ele os conhece profundamente e os ama. Quando o mundo avança em direção ao seu momento mais sombrio, Deus ainda oferece o preço da redenção que Ele pagou para nos comprar de volta com Seu sangue. A cruz de Cristo, mais do que qualquer coisa, mostra o desejo intenso do Senhor de salvar Seu povo rebelde.