A experiência conjugal inspirou os profetas. Quando o povo de Deus era infiel a Deus indo atrás de outros deuses, ele era comparado a uma prostituta, e a aliança do casamento era descrita como quebrada. Por outro lado, quando o povo de Deus era fiel a Deus, a aliança do casamento era celebrada, e Israel, ou a igreja, era comparada a uma linda noiva.
Ezequiel
Em Ezequiel 16, temos a mais longa alegoria de toda a Bíblia. A prostituição é a metáfora mais frequente nesta alegoria e, através dela, a infidelidade de Jerusalém ao Senhor é comparada à imoralidade de uma prostituta. A figura da prostituta, espiritualmente falando, é recorrentemente usada no Antigo Testamento para se referir à prática de Israel de seguir a outros deuses. Palavras como prostituição, promiscuidade, lascívia, depravação, imoralidade, são usadas muitas vezes neste capítulo para descrever a falta de fidelidade de Judá a Deus.
A história de Jerusalém, narrada como um conto figurativo de uma menina que nasce e cresce até a maturidade, é apresentada para expor os pecados de Israel. Esta menina não havia nascido em uma família carinhosa normal; não havia recebido os cuidados que um recém nascido obtinha no antigo Oriente Médio (v. 3-5). Cortar o cordão umbilical, a lavagem com água, esfregar com sal, envolvimento com panos – eram práticas de parteiras palestinas que têm sido observadas entre os camponeses árabes modernos.
Depois de estabelecer a Sua aliança, o Senhor transformou Jerusalém de uma existência marginalizada a uma propriedade real (banhada, vestida, adornada, v. 9-11), apta a ser uma rainha (v. 13). A fama de Jerusalém se espalhou entre as nações, o que aponta para o esplêndido reinado de Israel na época de Salomão. Entretanto, confiou em sua formosura e se entregou à imoralidade espiritual (v. 15-59), a ponto de se tornar mais depravada que Sodoma e Samaria (v. 46-48).
Por incrível que pareça, apesar da longa história de maldade de Jerusalém, a alegoria deixa claro que Deus não a rejeitará para sempre (v. 60-63). Seu cativeiro vai acabar e Deus vai honrar sua antiga promessa de restabelecer a Sua aliança com ela, torná-la pura novamente, protegê-la e elevá-la. Israel será perdoado e declarado justo novamente.
A alegoria aponta também para o fato de que, além da restauração de Jerusalém, Deus um dia perdoará muitas outras pessoas de seus pecados, e que Ele acabará por estabelecer uma existência onde a justiça prevaleça e a rebelião contra Ele não mais existam.
É encorajador perceber que, se estamos em Cristo, já vivemos nessa “aliança eterna”. Nosso futuro lar é a Nova Jerusalém, que vamos alegremente habitar em cumprimento desta promessa de fidelidade da parte de Deus. Lá não haverá nenhuma das abominações – arrogância, materialismo, idolatria – que causaram morte e desolação (espiritual e literal) nos dias de Ezequiel. Mas será novamente a morada de Deus com o Seu povo, um verdadeiro lar eterno para os santos.
Este final feliz para a alegoria, entretanto, não é a única parte que tem significado para nós. A história do pecado de Jerusalém é também um espelho do nosso próprio estado passado. Quando pecamos, estávamos nos voltando contra Deus, que ama e cuida de nós; nos fizemos indignos de Seu socorro. Quando O ignoramos e até mesmo nos rebelamos abertamente contra Ele, imitando aqueles que admirávamos no mundo, não agimos melhor do que a prostituta Jerusalém. Fizemos assim porque não admiramos e imitamos o Filho de Deus.
No entanto, sempre houve uma esperança para nós, porque Deus ainda nos ama. Não importa quanto tenhamos nos degenerado, nunca estamos tão longe que não possamos ser resgatados, bastando responder pela fé ao chamado de Deus.
Oseias
O casamento de Oseias é um problema para aqueles que encontram dificuldade em aceitar que Deus pode ter mandado que Oseias se casasse com uma prostituta. Se esse era o caso, ou não, precisa ser analisado, mas a verdade é que sua vida como profeta era bastante incomum. Oseias precisa ser visto dentro de seu tempo e contexto, a fim de obter melhor compreensão do seu ministério.
Durante o reinado de Jeroboão II de Israel (785-745 a.C.). Oseias exerceu o ministério até pouco antes da destruição de Samaria, capital do reino do norte, em 722 a.C. Para que a unidade política do reino do norte fosse mantida, foram construídos dois santuários – um em Betel, outro em Dan. No centro do lugar de adoração, havia duas imagens de ouro na forma de bezerros, talvez em substituição aos querubins da arca da aliança localizada no templo de Jerusalém, no reino do sul de Judá. Tal fato contribuiu para a deterioração espiritual do povo de Israel. No tempo de Oseias, Israel passava por um período de dificuldade religiosa e política. As intrigas políticas eram intensas. Durante os últimos 24 anos do reino, seis reis diferentes tomaram o trono à força. A adoração ao Senhor foi corrompida e o povo O adorava usando como modelo o culto a Baal. Baal se tornou o deus de Israel, o deus da fertilidade, adorado nos lugares altos e nas florestas, num esforço de manipulá-lo e assegurar a fertilidade da terra, dos animais e da família. Prevalecia a degradação social, política e religiosa por toda a terra (Oseias 4:2 e 13).
O Senhor disse ao profeta: “Vá, tome uma mulher adúltera” (Oseias 1:2). A leitura mais natural dessa história indica que estamos tratando de um fato real, não simbólico, ocorrido na vida de um profeta. A frase “mulher/esposa adúltera” pode se referir tanto ao que ela se tornaria mais tarde ou uma descrição de sua descendência. A tradução literal da frase é: “esposa da promiscuidade”, isto é, uma mulher com valores morais incoerentes (zonah, substantivo hebraico, poderia referir-se ao adultério, fornicação ou prostituição). Oseias casou-se com Gomer e teve três filhos com ela, dois dos quais podem não ter sido dele (Oseias 2:4-5). Os nomes dos filhos ilustravam o plano de Deus para Seu povo (Oseias 1:4-9). A certo ponto da vida de casados, Gomer cometeu adultério e abandonou sua família. A angústia do profeta é vividamente descrita no capítulo dois. Ele a ameaçou com o divórcio, passou por sentimentos de rejeição projetados em seus filhos e, finalmente, conformou-se com a rejeição. Então, o Senhor ordena-lhe que mostrasse seu amor pela esposa, trazendo-a de volta para casa (Oseias 3:1). E ele obedeceu.
A profunda dor do coração de Deus, causada pelo adultério espiritual de Seu povo, assim como pela depravação moral do novo sincretismo religioso que praticavam, foi encarnada na experiência do profeta. Deus estava ferido e queria que Seu povo soubesse. Após ordenar que Oseias trouxesse sua esposa adúltera para casa, Ele disse: “Vá, trate novamente com amor sua mulher, apesar de ela ser amada por outro e ser adúltera. Ame-a como o Senhor ama os israelitas, apesar de eles se voltarem para outros deuses” (Oseias 3:1). O triângulo amoroso presente na vida do profeta é também a realidade da experiência de Deus com Israel.
Deus Se descreve como um esposo amoroso e rejeitado, em dor emocional profunda. Uma vez que Ele deseja sua esposa de volta, o Senhor bloqueia seu caminho para os ídolos (Oseias 2:6), e a leva de volta para o deserto (Oseias 2:14). Ali, Deus Se enamora dela outra vez (Oseias 2:14): “Eu curarei a infidelidade deles e os amarei de todo Meu coração” (Oseias 14:4). A luta interior divina é belamente descrita em Oseias 11:8-9. Deus estava pronto para Se divorciar de Seu povo, mas então exclama: “Como posso desistir de você?” A conversão esperada de Israel agora ocorre em Javé. O julgamento contra Sua esposa é apagado do coração divino. Há um futuro para Seu povo. Assim, o amor de Deus é ilustrado na experiência de vida do profeta.
Apocalipse
Em eco dos profetas hebreus, o livro do Apocalipse usa a metáfora conjugal para significar o contraste entre as duas versões da mulher. A “noiva enfeitada para o seu noivo” (Ap 21:2) representa o povo de Deus com quem Ele habitará na “Nova Jerusalém” (Ap 21:3). Por outro lado, “a grande prostituta” representa a igreja adúltera “que corrompia a Terra com a sua prostituição” (Ap 19:2).
Quando lemos o último convite à humanidade, chamando o povo de Deus para sair de Babilônia, é impressionante que Ele o chama de “povo Meu” (Ap 18:4), e não de desconhecidos. Ele os conhece profundamente e os ama. Quando o mundo avança em direção ao seu momento mais sombrio, Deus ainda oferece o preço da redenção que Ele pagou para nos comprar de volta com Seu sangue. A cruz de Cristo, mais do que qualquer coisa, mostra o desejo intenso do Senhor de salvar Seu povo rebelde.
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