De longe, a ira é a qualidade menos popular de Deus. Para alguns, só de ouvir sobre ela sentem um frio na espinha, imaginando que o Policial Cósmico está vigiando seus passos. Para outras pessoas, a ira não combina com o amor de Deus, Seu atributo mais enfatizado em livros, sermões e mensagens virais de hoje. Os que pensam assim, encaram a Deus mais como um Avô permissivo do que um Pai amoroso. O fato é que a ira de Deus é um dos temas mais repetidos na Bíblia. E entender isso, diz muito sobre quem Ele é, como nós somos e como podemos nos reconectar.
Quem Ele é?
Deus não Se preocupou em descrever Seu físico, mas não poupou explicações sobre Seu caráter. Sua ira só é corretamente compreendida à luz de Suas outras virtudes, como...
- Justiça. Ele é coerente com as leis universais que criou (Sl 119:137).
- Santidade. Ele é único, singular e isento de mal (Is 57:15; Hc 1:12, 13). Tem aversão ao pecado.
- Misericórdia. Ele tem compaixão pela humanidade miserável (Mc 1:40, 41). Por isso, aceitou um substituto para o homem e morreu como tal.
- Amor. Seu amor não é impulsivo e instável, mas uma escolha racional, movida por um princípio. Por isso, Ele ama até Seus inimigos.
- Graça. É o favor de Deus pelo pecador. Não é baseada no que o homem merece, mas no que ele precisa (Ef 2:7-9). É o poder que perdoa e liberta (Rm 1:16).
- Tolerância. É a lentidão de Deus para derramar Sua ira. Ele demonstrou isso pelos israelitas (Nm 14:18) e pelos que morreram no Dilúvio (1Pe 3:20). Faz o mesmo hoje, enquanto Jesus não volta à Terra (2Pe 3:9).
O que é a ira?
- É a reação de Deus ao efeito destruidor do pecado.
- Se Ele não Se irasse, seria injusto consigo (porque é santo) e com o pecador (porque ele merece).
- A ira de Deus é previsível, coerente e constante. Deus não muda (Ml 3:6).
- É diferente da ira dos homens, que é impulsiva, imparcial e vingativa (Pv 29:8).
- E dos temperamentais deuses pagãos, cuja ira era saciada apenas com penitências (1Rs 18:24-29).
- A demonstração da ira de Deus nos dá três recados: Ele é justo; precisamos corrigir nossa vida; e o mal não vale a pena.
Por que Ele fica irado?
- Por causa do pecado, em todas as suas formas.
- O pecado sempre será a quebra de uma lei (1Jo 3:14).
- Dos mandamentos registrados na Bíblia e conhecidos por Seu povo: pecados religiosos como a idolatria (Dt 29:24-28).
- Ou da lei universal que Deus escreveu na consciência humana (Rm 2:14-16): as ofensas morais como a crueldade (Am 1:3-2:3).
Como Ele mostra a ira?
O Todo-poderoso têm todos os recursos disponíveis para expressar Sua ira. E Ele faz de tudo para alertar a humanidade.
- Abandono. É quando Deus deixa o homem colher os frutos naturais de sua rebeldia. O resultado sempre é trágico (Rm 1:24-32).
- Anjos. Os bons quando são portadores de juízos (At 12:20-23) e pragas (Ap 15:1; 16:1-21); e os maus quando, por livre escolha do homem, dominam e destroem a vida do indivíduo.
- Homens. Os que o temem, como líderes (Nm 25:6-13), grupos (Êx 32:1-29) e Seu povo (Dt 7:1, 2); e os que O desconhecem, como reis (Jr 32:28) e povos pagãos (Is 10:5).
- Natureza. Deus já usou e usará água (Gn 7), fogo (Gn 18, 19), terremoto (Nm 16:1-35), calor (Ap 16:8, 9), seca (1Rs 17:1) e ataques de animais (2Rs 2:23, 24) para expressar Sua ira.
- Doenças. Pragas que mataram milhares de pessoas (Nm 16:41-50), lepra (Nm 12:1-10) e úlceras (Êx 9:10).
- Acidentes. Podem acontecer por permissão de Deus ou ação direta dEle (2Rs 1:2-4, 17).
Quando?
- Todos os dias Ele manifesta Sua ira contra o pecado e pecadores (Sl 7:11), através do sentimento de culpa, do sofrimento mental e da degeneração.
- Mas tudo isso é uma prévia e um aviso do juízo final (Rm 2:5).
Como sobreviver?
- Por ser racional, a ira de Deus pode ser desviada, desde que haja um substituto para pagar a dívida. Para espanto de todo o Universo, Cristo Se ofereceu como oferta.
- Não foi a cruz que matou Jesus, mas a ira de Deus que caiu sobre Ele (Is 53:5, 10).
- Graças a Ele, não existe mais condenação e castigo para os que decidem segui-Lo (Rm 8:1).
- Quem rejeita o sangue de Cristo (Ap 7:13-17) terá que enfrentar sozinho a ira dEle (Ap 6:15-17).
Conclusões
A ira é uma das perfeições divinas e retrata sua aversão ao pecado. Os vocábulos hebraicos e gregos empregados no texto bíblico a descrevem tanto como uma paixão violenta como uma atitude racional frente ao pecado. Ela tem uma característica presente e outra escatológica. É uma expressão justa e natural de sua santidade, mas também do seu amor que foi desprezado ou abusado. Diferentemente da ira humana e da ira dos deuses da mitologia pagã, ela não inclui muitos dos aspectos negativos tão comuns a estas. Antes, é sempre seu desprazer e reação contra o mal, inteiramente previsível, coerente, constante e imutável, em perfeita harmonia com sua justiça e santidade. Até o dia final do julgamento será temperada com misericórdia, buscando de uma maneira adequada, preservar a ordem e promover a paz.
Esta ira de Deus tem sido uma realidade no mundo dos homens desde o surgimento do pecado e permanecerá atuante até a extinção do mal e a restauração de todas as coisas. Seus efeitos são percebidos em nossa própria natureza ímpia e perversa, no afastamento de Deus (o qual deixa o pecador contumaz seguir seu próprio caminho) e nas punições, sendo que algumas são conseqüências naturais dos atos de pecado e outras, penalidades diretas impostas por Deus como juiz. Em seu sentido escatológico a ênfase recai sobre o castigo que os ímpios – Satanás, seus anjos e os homens impenitentes – terão ao se encerrar a história humana. Ao final, todos compreenderão tanto a ira como o amor de Deus e proclamarão sua perfeita justiça.
Com respeito à relação de Cristo com a ira divina, o exame do texto neotestamentário demonstrou que a ira de Deus era uma característica tanto da vida quanto dos ensinos de Jesus e que, em todos os casos, ela despertou quando sua misericórdia foi desprezada. Mas ele não apenas possuiu essa ira, ele também a sofreu. Embora o derramamento de seu sangue tenha sido a revelação direta do amor do Pai para conosco, foi também o impedimento direto da ira do Pai contra nós. Sua morte foi tanto uma expiação quanto uma propiciação e, como tal, evidenciou o perdão de Deus, mas também sua justiça, como fundamento para esse mesmo perdão. Ali, Deus satisfez suas próprias exigências santas e voltou contra si mesmo sua ira justa que o pecador merece. Por essa razão, Deus pode ser, simultaneamente, justo e justificador de todo aquele que crê. Dando continuidade à sua obra de salvação, Cristo atua como intercessor, ouvindo nossa confissão de pecados e intercedendo continuamente por nós, aplicando em nosso benefício o que ele realizou na cruz. Acrescente-se ainda que, se Cristo retratasse somente os atributos pacíficos de Deus, não seria a plena revelação de Deus, mas apenas uma revelação parcial. Por isso, ele também foi apontado como o executor da ira de Deus. Em sua soberania Deus estabeleceu que o destino eterno do homem estivesse ligado à sua pessoa. O homem se salva ou se perde em função de sua relação com Cristo. Ou aceita o sangue do Cordeiro ou a ira do Cordeiro.
Levando-se em conta a realidade de que o tema da ira divina se encontra distribuído ao longo de todo o texto sagrado e que, ao lado da misericórdia de Deus, é parte integrante da mensagem central da Bíblia e do Evangelho, pode-se considerar que a pregação cristã deve incluir mais do que a vida abundante que vem de Deus quando manifestamos fé em Cristo. Faz-se necessário pregar e ensinar sobre a ira divina e a condenação que vem sobre todos aqueles que recusam a misericórdia de Deus. Desse modo, o anúncio de salvação está indissoluvelmente ligado à pregação da ira de Deus sobre os homens e a comissão do pregador é proclamar a mensagem de que todos estão sob a ira de Deus até que eles creiam no Senhor Jesus Cristo.
"O poder que infligiu justiça retributiva ao substituto e fiador do homem, foi o poder que susteve e encorajou o Sofredor sob o tremendo peso da ira que devia haver caído sobre um mundo de pecado. Cristo estava sofrendo a morte que havia sido sentenciada aos transgressores da lei de Deus. Coisa tremenda para o pecador impenitente é cair nas mãos do Deus vivo. Isto se prova pela destruição do mundo antigo por um dilúvio, pelo registro do fogo que caiu do céu e destruiu os habitantes de Sodoma. Mas isto nunca foi provado em tal extensão como na agonia de Cristo, ... quando Ele suportou a ira de Deus por um mundo pecador. A agonia sofrida por Cristo, amplia, aprofunda e dá mais larga concepção do caráter do pecado, e da retribuição que Deus trará sobre os que continuarem em pecado. O salário do pecado é a morte, mas o dom de Deus é a vida eterna por Jesus Cristo ao pecador arrependido e crente" (Ellen G. White - Para Conhecê-Lo, p. 59).
Fonte: A Ira de Deus: estudo bíblico-teológico e proposta homilética, de Emilson dos Reis (tese doutoral, Unasp, 2009)
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