terça-feira, 29 de julho de 2025

SEPULTAMENTO OU CREMAÇÃO?


O cuidado e a preocupação com os mortos têm sido uma experiência perene nas civilizações ao longo dos tempos. Embora existam diferentes rituais e formas de dispor os mortos de acordo com cada cultura e visão religiosa, o momento de despedida dos familiares é sempre doloroso, e os sentimentos nesse contexto precisam ser respeitados.

A questão sobre o que fazer com um corpo envolve aspectos culturais, sociais, ambientais e religiosos. Entre as culturas orientais, a cremação tem sido a prática predominante há muito tempo. Embora o sepultamento tenha sido o mais comum nos contextos judaico e cristão, nas últimas décadas a cremação se tornou uma prática dominante em muitos países ocidentais.

As diferenças entre sepultar e cremar são muitas. O processo de decomposição dos mortos em um sepultamento é lento, ocorre no solo e geralmente é mais caro. Na cremação, o processo é rápido, seco e geralmente mais barato. Ao enterrar os mortos, as pessoas têm o túmulo como memorial. Por outro lado, a cremação oferece a possibilidade de guardar as cinzas, permitindo que sejam mantidas como uma lembrança.

Os adventistas do sétimo dia nunca tomaram uma posição sobre cremação, porque nossa compreensão bíblica acerca da morte e ressurreição faz com que o assunto perca sua importância (veja Jó 19:27; Daniel 12:2; Lucas 24:39). Contrários à idéia de uma dicotomia entre corpo e alma, afirmamos que o ser humano tem uma existência física tanto antes da morte como na ressurreição. O Deus que nos criou no princípio é igualmente capaz de nos recriar das cinzas da incineração, ou do pó que resulta do lento processo da decomposição. Todas substâncias orgânicas retornam a seus elementos básicos. A única diferença é sobre quanto tempo isso leva.

Na verdade, não defendemos a idéia de que na ressurreição o novo ser será composto das mesmas células e átomos que antes lhe formavam o corpo. As células morrem e os átomos se dispersam, e a restauração de uma pessoa não consiste apenas na reunião e reestruturação dos átomos, mas na expressão do poder criativo de Deus, não importando quais átomos estejam envolvidos (Salmo 104:29-30). Sabemos que cada ser vivo é um conduto por onde novos átomos entram enquanto que os velhos se dispersam, de modo que, numa escala maior, em 10 anos cada pessoa será composta por átomos inteiramente diferentes.

A pessoa que morre permanece na mente de Deus e, por meio de Seu poder criador, Ele haverá de restaurar-lhe a vida segundo Sua vontade, num novo corpo isento dos efeitos os pecado (1 Coríntios 15:52). Na ressurreição, o Criador não depende de elementos previamente existentes.

Alguns dentre nós têm usado Amos 2:1 para se opor à prática da cremação. O profeta afirma que Deus Se irou contra Moabe “porque queimou os ossos do rei de Edom, até os reduzir a cal” (ARA). O principal problema de interpretação nesse texto é a frase “até os reduzir a cal”, que reflete com precisão o texto hebraico. O substantivo sid não significa “cinzas” mas “cal”. A cal era usada para rebocar paredes e pedras. Alguns têm sugerido que, nesse caso em particular, os ossos foram queimados ou calcinados para se obter cal. Seja como for, não há dúvida de que Moabe está sendo reprovado por causa de seu desprezo para com restos mortais humanos. Portanto, o profeta está se referindo a um ato de ódio e vingança que resultou no desrespeito para com a dignidade humana. Isso não é o que chamaríamos de cremação.

Cremação, propriamente falando, poderia ser um ato de piedade. Em 1 Samuel 31:11-13 lemos como os israelitas tomaram o corpo de Saul e seus filhos “do muro de Bete-Seã e os levaram para Jabes, onde os queimaram” (NVI). Esse não foi um ato de vingança, mas uma maneira adequada de pôr fim à humilhação de um corpo humano, nesse caso, o do primeiro rei de Israel.

Para alguns cristãos, a questão do sepultamento em lugar da cremação é muito importante. Eles notam que a cremação é adotada em países como Índia e China, cuja cultura predominante não é cristã. Na verdade, esses países superpopulosos já enfrentaram há muito tempo o dilema de poucas terras férteis e a necessidade de cemitérios, introduzindo em sua religião a noção da cremação, compreendida em termos de uma espécie de purificação pelo poder do fogo. Do ponto de vista científico, esse método oferece vantagens relacionadas com a prevenção de infecções. É fato que na tradição judaica os mortos eram consistentemente sepultados, costume esse que foi incluído nos cânones católicos e assim perpetuados na comunidade cristã. Mas, quando analisado à luz de nossa compreensão acerca de como Deus age, a cremação não representaria nenhum problema.

A cremação tem sido cada vez mais adotada em países com tradição protestante, enquanto os países católicos são mais dedicados ao sepultamento. No entanto, depois de decretar em 1886 que a cremação era um “costume ímpio detestável”, o Vaticano retirou a proibição da cremação para os católicos em 1963, embora tenha estabelecido que “orações ou rituais” não poderiam ser feitos diante dos “restos cremados”. Isso resultou em uma adoção gradual da cremação entre os católicos, mas em um ritmo lento.

Tradicionalmente, a Igreja Católica proibia a cremação porque era considerada uma “prática pagã” que negava a doutrina da ressurreição. Além disso, o corpo era considerado “templo do Espírito Santo”, portanto, sendo santo. Isso ainda segue como um fator desencorajador para a cremação entre os católicos.

Nos países da América do Sul, onde predomina o catolicismo, as taxas de cremação são baixas, com exceção do Peru, que possui uma taxa de 73,07%, e da Argentina, com 45%. No Brasil, apenas 9% dos mortos são cremados. No continente africano, as taxas de cremação são geralmente inferiores a 10%. Lá, os funerais são longos e muito frequentados, pois acredita-se que o espírito do falecido ainda está vivo e não separado do corpo, sustentando a crença de que os mortos não estão realmente mortos.

Além da percepção de que os protestantes estão mais inclinados a adotar a cremação em comparação aos católicos, os processos de cosmopolitização e secularização também têm influenciado a substituição do sepultamento pela cremação. Até recentemente, as implicações sociais e religiosas da cremação não receberam muita atenção. No entanto, à medida que essa prática se tornou uma forma dominante de lidar com os mortos, muitos cristãos começaram a questionar se ela é uma forma aceitável de dispor dos falecidos.

Concluindo, não há prescrição bíblica sobre uma ou outra maneira de dispor dos mortos. Essa é uma decisão muito pessoal e íntima, que deve ser respeitada. A questão essencial ao lidar com a morte de entes queridos é a esperança viva de que todos serão erguidos do pó da terra na segunda vinda de Jesus. Tenham sido sepultados ou cremados, todos que morreram em Cristo serão ressuscitados para uma nova e eterna vida no reino de Deus, conforme a promessa divina.

[Com informações das revistas Ministério e Diálogo Universitário]

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