segunda-feira, 27 de outubro de 2025

GUERRA SANTA

O conceito bíblico de "guerra santa" não deve ser confundido com outras ideias de guerras religiosas ao longo da história. Movimentos que usaram o termo "guerra santa" para justificar violência, como as Cruzadas medievais, deturparam o conceito original. No contexto bíblico, especialmente no Antigo Testamento, a guerra santa é um tipo específico de conflito iniciado e sancionado por Deus para cumprir Seus propósitos divinos, muitas vezes envolvendo o povo de Israel.

Em contraste com as guerras imperialistas de engrandecimento próprio, tão comuns no mundo antigo (e em nosso mundo atual), as guerras de Israel não tinham o objetivo de alcançar glória para o povo, mas de estabelecer a justiça e a paz de Deus dentro daquele território. Portanto, no âmago do conceito de guerra santa está a ideia do governo e da soberania de Deus, que estão em jogo na figura do Senhor como Guerreiro, assim como de Rei ou de Juiz.

A guerra, com todas as suas sequelas aterrorizantes, nunca fez parte do plano de Deus para este mundo. Ele está trabalhando para restaurar a paz eterna em nosso mundo e no Universo. No entanto, para fazer isso, Ele precisa eliminar o mal de uma vez por todas, não apenas de uma forma poderosa, mas também de uma forma sábia.

Em seu comentário sobre Êxodo, Douglas K. Stuart oferece uma caracterização perspicaz da guerra divina no sentido bíblico. Esse tipo de guerra, geralmente expressa pelo verbo em hebraico haram, ou o substantivo herem, envolve a destruição da vida humana em larga escala e, às vezes, da propriedade e da vida animal. Devido à sua pertinência, reproduzimos abaixo a lista de Stuart com alguns ajustes (adaptado de Douglas K. Stuart, Exodus: The New American Commentary, [Nashville: Broadman & Holman, 2006], v. 2, p. 395-397).

1. No cenário singular do antigo Israel, não havia espaço para exércitos profissionais. As batalhas eram conduzidas por amadores e voluntários, em um contraste marcante com as forças militares profissionais da antiguidade e com as que conhecemos atualmente.

2. Os soldados não eram pagos. Eles obedeciam aos comandos de Deus no contexto da aliança e não deviam lutar por ganho pessoal. Em muitos casos, isso significava que eles eram proibidos de tomar despojos ou saquear.

3. A guerra divina ou santa poderia ser travada somente para a conquista ou defesa da Terra Prometida naquela conjunção histórica específica. Após a conquista, qualquer guerra de agressão foi estritamente proibida. Israel foi chamado para lutar pela Terra Prometida em um contexto geográfico e histórico específico. Uma vez que eles conquistaram a terra e consolidaram seu território, os israelitas não deviam expandir as fronteiras da Terra Prometida por meio da guerra. Deus não havia chamado Seu povo para se tornar um império militar expansionista.

4. O início da guerra santa, considerada um ato divino, estava exclusivamente sob a autoridade de Deus, sendo anunciado por meio de Seus profetas escolhidos, como Moisés e Josué. Isso destaca que a guerra nunca deveria ser fruto de uma iniciativa humana, mas o cumprimento de um dever sagrado.

5. O envolvimento de Deus na guerra santa exigia preparação espiritual, que incluía jejum, abstinência sexual ou outras formas de autonegação. A cerimônia da circuncisão (Js 5:1-9) e a celebração da Páscoa (Js 5:10-12), no contexto da renovação da aliança, foram parte dessa preparação.

6. Um israelita que infringisse qualquer uma das regras da guerra santa passava a ser considerado um inimigo. Como tal violação era punida com a morte, o transgressor se tornava um herem, isto é, alguém destinado à destruição.

7. Por fim, o envolvimento direto de Deus nas batalhas garantiu vitórias rápidas e decisivas no contexto da guerra santa conduzida com fidelidade. Exemplos disso incluem várias batalhas durante a conquista (Js 6:16-21; Js 10:1-15) e episódios em que Israel ou Judá, com a ajuda divina, defenderam seu território contra poderosas forças invasoras (2Sm 5:22-25). Em contraste, há relatos negativos em que a ausência do envolvimento de Deus resultou em derrotas, como quando Israel enfrentou os amalequitas sem a permissão divina e foi derrotado em Hormá (Nm 14:39-45), ou quando sucumbiu ao pequeno exército de Ai (Js 7:2-4).

Com o término da nação teocrática, a aplicação dessas regras deixou de ser viável, tornando a guerra santa obsoleta. Contudo, o discurso religioso continua sendo utilizado como justificativa para guerras até os dias atuais. À luz das Escrituras, esse uso constitui uma distorção do texto bíblico, o que deve nos tornar ainda mais críticos e criteriosos diante da retórica empregada para legitimar conflitos nos tempos modernos.

As regras presentes demonstram o caráter único da guerra divina na Bíblia. A prática da guerra por Israel reflete um ajustamento divino da condição humana. No entanto, em uma cultura na qual a guerra, a brutalidade e a violência eram a norma, aprendemos por meio dessas regras três aspectos essenciais da guerra santa que devem ser mantidos em mente quando leitores modernos lidam com essas passagens bíblicas desconcertantes: (a) a guerra foi limitada a situações específicas; (b) as guerras justas foram definidas por Deus, o único que conhece o coração humano e o futuro; e (c) a guerra, em última análise, representou um desvio da trajetória divina de paz.

[via CPB]

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