quarta-feira, 25 de julho de 2012

Crônica – Ela queria casar virgem


Os vidros embaçados denunciavam para quem estava fora que o clima era quente ali dentro. Próprio da idade, diriam alguns. Uma “sem-vergonhice”, provavelmente pensariam os pais da garota encantada com os beijos e os efeitos colaterais que eles provocavam. Era seu primeiro namorado, mas não assumiam de todo. Não era cool namorar, só ficar. A falta de compromisso era tida no meio como a regra de conduta geral fora da qual não havia vida ou aceitação. Então, mesmo sonhando com namoro, ela aceitava a ditadura do “fico”. Aquele “fico” sem muita vontade e dividido, como o imperador faria dois séculos antes. Na verdade ela até tinha delírios com uma certa marcha, flores, vestido branco. Epa, epa, epa!

Enquanto desfrutava das ondas de calor e arrepio daquela situação, ela pensava mesmo já estar se tornando adulta. Era o mais longe que seu flerte a havia levado e agora, bem antes da maioridade, se sentia grande. As mãos deles em lugares que até então eram só dela é que incomodavam um pouco, todavia se ajeitava como podia para não desagradar aquele que supunha ser a própria fábula se materializando em sua frente, mais ao lado, fungando no pescoço se enrolando em seu delgado corpo. Ela queria olhar nos olhos, fazer charminho, mas não dava tempo. A impaciência do rapaz em beijar e apalpar o máximo possível era como a de um faminto ao se deparar como comida pela primeira vez depois da longa abstinência. Nem o mais fino ou delicado prato poderia ser apreciado, somente engolido para aplacar o que julgava uma necessidade urgente.

Gastronomicamente, a comparação até faz certo sentido. A garotinha de faces rubras, esforçando-se por parecer adulta era um prato sofisticado, bem preparado que levara horas ao forno. Nada contra a profissão, todavia não era a refeição merecidamente apropriada para um pedreiro saído de sua exaustiva jornada de trabalho. Ela queria ser apreciada, elogiada, como o querem todas as mulheres, livres ou não do peso da idade. Ele, no entanto, só queria matar a fome e serviria qualquer refeição. Até um pão murcho com mortadela supria. Não havia respeito com o cuidado do chef, com a escolha dos ingredientes…

Tempos de cozimento à parte, lá estava a encruzilhada na qual chegariam quando ele levantou seu vestido e foi logo colocando os cinco dedinhos em regiões antes desabitadas. Parou! Ué, o que estaria errado, pensava o garanhão que nunca antes reconhecera um não. Se possível fosse, mais vermelha ela ficaria ao dizer que não estava pronta. Era um eufemismo pra dizer que não estava pensando em trocar as delicadas calcinhas de algodão, com bichinhos e flores, por lingeries sensuais. Não, eu não quero transar. Sim, eu quero casar virgem. Compreensão talvez esperasse.

O espanto, seguido de raiva e logo um deboche. “Virgem, em pleno século 21?!” agora era ela que se surpreendia. Em sua casa estes valores andavam bem na moda e, a despeito das amigas que já não tinham tanto apreço pelo status, ela se orgulhava, no íntimo, de ser virgem. Se hoje todos são livres pra pensar, agir e se vestir como quiser, por que a menosprezam por seus valores? Era um contra-senso na sua cabeça. Como assim tinha que respeitar as maiores maluquices de todos e ninguém respeitava sua decisão? Então não era num mundo livre que vivia e sim numa disfarçada e opressora ditadura onde só valiam bebedeiras, drogas, prostituição e orgias as mais impronunciáveis. Sexo não era opção, era obrigação de todos, pouco importando se mal entrados estivessem na puberdade!

“Desce do carro!” era o príncipe virando sapo, bem ali na sua frente. A carruagem era de novo abóbora, os sapatinhos se esfarelavam em seus pés. Nem eles restaram para lembrar da magia. Não era vergonha, nem decepção. No curto caminho pra casa nem deu tempo de processar o que era. Talvez medo. Não dele, imagine. Dele sentia uma mistura de repulsa com pena. Ah, o que é a vida sem o encanto! Era medo talvez de não poder mais sustentar o que acreditava, de defender o que valia a pena. Medo por todos que ainda a ridicularizariam e por não saber ao certo quanto tempo aguentaria a pressão. Medo de perder seu bem mais precioso e vê-lo entregue nas mãos de qualquer um pra ser aceita. Um terrível e pesado medo em viver num totalitarismo cruel onde não pudesse ser respeitada só porque tinha um sonho, um valor: casar virgem. 

Fabiana Bertotti - Meu Cantinho

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